Argentina erra ao ideologizar dívida externa
É
de fato falho um sistema no qual uma sentença da Justiça de um estado
nacional interfere na renegociação entre países e credores
O Globo
A
decisão da Justiça americana favorável a dois fundos especializados em
títulos podres levou a Argentina à beira de uma nova moratória — também
devido à reação da Casa Rosada. E abriu um perigoso precedente: se
renegociações de dívida externa, multilaterais, podem ser revistas pela
Justiça de um estado nacional, passa a haver enorme insegurança no
mercado de dívidas soberanas. Daí a preocupação manifestada por Casa
Branca, FMI, França, Brasil e outros diante da situação da Argentina.
Questões
relativas a dívidas soberanas são tratadas em tribunais de Nova York
e/ou Londres, a depender de entendimento prévio. O caso argentino leva
especialistas a defender a criação de um mecanismo internacional para
questões de reestruturação da dívida, algo também defendido por Buenos
Aires. É um caminho que merece atenção.
O problema da Argentina
se agrava com o comportamento do governo kirchnerista. Em reunião sobre o
assunto na OEA, tanto o chanceler Timerman quanto o ministro da
Economia Kicillof insistiram que o país só negociará com os fundos nas
mesmas condições das reestruturações da dívida de 2005 e 2010, que
tiveram a adesão de 92,4% dos credores. Ora, isso significa não querer
negociação, e sem estar numa posição de força.
As agruras de
agora ainda são reflexo da moratória de 2001, quando o país afundou numa
das crises mais sérias de sua história, com hiperinflação e cinco
presidentes em uma semana. Quando alguém finalmente conseguiu se firmar
no poder, era Néstor Kirchner. E logo se conheceu seu estilo arrogante e
populista. Ele ditou as regras da renegociação, com um deságio de 70%
do valor dos papéis. Pressionados, 92,4% dos credores aceitaram. Alguns
fundos compraram títulos argentinos dos credores, com enorme deságio,
ficaram de fora do acordo, e entraram na Justiça americana reclamando
seus direitos. É do jogo, e Buenos Aires perdeu. Ao governo Cristina
Kircher só resta a alternativa de negociar imediata e intensivamente com
fundos, credores, com o juiz americano e com o mediador nomeado por
ele.
Mas, ao contrário, o que se vê é o governo argentino, de
pedigree chavista, politizando o problema. Envia emissários à ONU e à
OEA para discursos exaltados e estimula passeatas de protesto em Buenos
Aires. Na OEA, foi aprovada declaração de apoio aos esforços argentinos,
apresentada por Brasil e Uruguai. Os EUA, porém, fizeram a ressalva de
que não a apoiariam, pois a questão está no Judiciário, o poder é
independente.
O Brasil, que agiu de forma diferente da Argentina,
negociando em todas as instâncias com sucesso, deveria assessorar
melhor o vizinho. Deve-se mesmo construir uma fórmula para que, no
futuro, países endividados não venham a ser encurralados por uma minoria
de credores nos tribunais de um país. Mas, antes, é preciso apoiar as
negociações sérias, e não pajelanças de cunho ideológico. As tentativas
de se promover um levante contra a comunidade financeira internacional
só levam a Argentina, mais e mais, ao isolamento.
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