sexta-feira, 4 de julho de 2014

Espancamento de adolescente cigano expõe tensões na classe baixa francesa
Dan Bilefsky e Maïa De La Baume - NYT 
Denis Charlet/AFP
1º.out.2013 - Famílias ciganas fazem check-in no aeroporto de Lille, norte da França. Eles participam de um programa de retorno voluntário à Romênia 1º.out.2013 - Famílias ciganas fazem check-in no aeroporto de Lille, norte da França. Eles participam de um programa de retorno voluntário à Romênia
Com seus tristes prédios de apartamentos de concreto e seus bandos de jovens desempregados e entediados, o projeto habitacional Cité des Poètes desafia seu nome idílico.
Foi aqui neste subúrbio pobre de maioria de imigrantes no norte de Paris que, neste mês, um cigano de 17 anos, Gheorghe, conhecido como Darius, foi espancado até ficar inconsciente por uma gangue de até 20 jovens empunhando bastões de madeira e metal, de acordo com os promotores. Seu corpo flácido foi jogado em um carrinho de supermercado, com o rosto inchado congelado em uma máscara de dor. Darius, um cidadão romeno, continua em coma em condição crítica. Quase duas semanas depois do ataque, nenhuma prisão foi feita em um crime cuja brutalidade chocou a França e foi condenado pelo presidente François Hollande, que considerou o ato "além das palavras e injustificável". Promotores e testemunhas dizem que o ataque foi perpetrado em retaliação pela suspeita de que o menino ter roubado o projeto habitacional próximo. Embora não tenham caracterizado o ataque como um crime de motivação racial, os promotores dizem que não foi um crime comum, mas um verdadeiro linchamento na periferia de Paris, em meio a um clima cada vez mais inóspito para os grupos minoritários, aqui e em toda a Europa, principalmente para os ciganos. Por último, ele enfatizou as tensões existentes na classe baixa da França. Os ciganos, que montaram acampamentos nas periferias pobres das cidades francesas, estão em conflito com imigrantes residentes de longa data que têm dificuldades para se integrar e vivem na pobreza há décadas nos subúrbios que cercam Paris e outras cidades, conhecidos como banlieues. No caso de Darius, cujo nome completo não foi revelado pelas autoridades pelo fato de ser um menor, a fúria por viver na classe baixa nas periferias da capital francesa parece ter colocado os miseráveis contra os desesperados. "Aqueles que moram aqui são perdedores, a maioria não trabalha, e então essas pessoas ousam se assentar aqui perto", disse Aka, 45, que como a maioria dos moradores se recusou a dar seu sobrenome por medo de retaliação de outros moradores. Enquanto um grupo de ciganos vasculhava o lixo em busca de pedaços de metal perto de seu conjunto habitacional, ele disse: "São os pobres atormentando os pobres. Eles entram em nossas casas e destroem, roubam e vandalizam. É um absurdo". Dias depois que os ciganos montaram um acampamento improvisado no mês passado próximo de um conjunto habitacional do outro lado de uma rodovia, os moradores dizem que acordaram e encontraram carros sem os bancos. Joias, televisões e aparelhos de som desapareceram, disseram. Mas ninguém chamou a polícia, em uma demonstração da profunda desconfiança em relação às autoridades, compartilhada tanto pelos ciganos quanto pelos moradores do local.
Daya, 14, uma estudante que diz ter testemunhado o início do ataque, disse que os conjuntos habitacionais tinham seu próprio sistema de justiça interna. Ela disse que os homens locais formaram uma gangue que resolve os problemas com as próprias mãos, sem se dar ao trabalho de notificar a polícia. "Se você liga para eles, eles o transformam em alvo, então não nos damos ao trabalho", disse. O também estudante Bader, 15, acrescentou: "Nunca vimos a polícia aqui." Em 13 de junho, a noite do ataque, houve dois roubos em conjuntos habitacionais, disseram os promotores e testemunhas. Durante o segundo roubo, um jovem que se encaixava na descrição de Darius – usando calças de moletom e uma camiseta vermelha – foi visto tentando roubar um apartamento, mas conseguiu escapar. Ele já tinha sido pego roubando antes, dizem os moradores. Daya disse que estava voltando para casa de um jogo de basquete quando viu cerca de 20 homens indo em direção ao acampamento dos ciganos, segurando tacos. Ela disse que os homens vinham da Cité des Poètes e também de um conjunto habitacional próximo. Pelo menos um estava armado, disseram os promotores. Quando a avó de Darius tentou impedir a gangue, os integrantes bateram nela, disseram testemunhas. Então eles atravessaram os trilhos do trem e o levaram para o porão de um apartamento, onde bateram nele quase até a morte. Depois que Darius foi levado, sua mãe recebeu um telefonema dos sequestradores, que usaram o celular de Darius, e pediram um resgate de 15 mil euros, ou mais de US$ 12 mil. Eventualmente, o valor foi reduzido para 5.000 euros. O jornal francês Le Monde reportou que os sequestradores haviam ameaçado decapitar Darius. Ion Vardu Sandu, 49, um mecânico cigano cuja oficina fica ao lado do acampamento cigano e que emprega jovens do bairro, disse que a família de Darius havia oferecido devolver as joias que ele havia roubado. Em vez disso, ele encontrou o corpo quase sem vida de Darius do lado da estrada. "Ele mal estava respirando e seus olhos estavam fechados", disse Sandu. "Não foi um crime racista. Esse Darius era o ladrão número 1 na Romênia. Ele vem aqui e rouba e cria uma imagem ruim para todos nós." Depois que Darius foi atacado, os 150 ou mais ciganos que moravam perto dos conjuntos habitacionais fugiram. Hoje o acampamento cigano de quase 40 casas improvisadas está abandonado. Pilhas de lixo e roupas continuam por lá, junto com brinquedos, embalagens intocadas com comida pronta e sacos de baguete. Os investigadores dizem que tiveram dificuldades em capturar os responsáveis, em parte porque os ciganos, condicionados pela perseguição, deram testemunhos contraditórios, por temerem ser processados. Os ciganos, que foram segregados e enviados para campos de concentração junto com judeus pelos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial, há muito lutam para superar o legado de perseguição. Descendentes de indianos, os ciganos há gerações continuam pobres e praticamente nômades, vivendo às margens da sociedade. Uma maioria dos cerca de 20 mil ciganos franceses, que não têm cidadania, vêm da Romênia e da Bulgária, dois dos mais novos e mais pobres membros da União Europeia, cujos cidadãos conquistaram o direito total de ir e vir para viver e trabalhar na UE este ano. 
Governo condena ataque
 Apesar de Hollande ter condenado o ataque, seu governo socialista acelerou a destruição dos acampamentos dos ciganos, e alguns críticos culpam-no por legitimar um clima de ódio contra os ciganos, inflamado pela extrema-direita. Seu primeiro-ministro recentemente nomeado, Manuel Valls, disse no ano passado que apenas uma minoria de ciganos podem se integrar, sugerindo que os demais deveriam ir embora. Em maio, o partido de extrema-direita de Marine Le Pen, a Frente Nacional, ficou em primeiro lugar nas eleições para o Parlamento Europeu, fazendo uma campanha anti-imigração que ressoou fortemente na economia paralisada da França. O partido alertou que o país corria o risco de ser inundado de ciganos, e no ano passado, seu fundador, Jean-Marie Le Pen, chamou a população cigana de Nice de "malcheirosa" e "causadora de urticária". Darius havia fugido de um hospital psiquiátrico na Romênia antes de ir para a França, disseram as autoridades, e ele parece se encaixar no padrão de muitos jovens ciganos que vivem no país. Os defensores dos ciganos dizem que depois de fugir da Romênia, ele se juntou à sua mãe e avó na França. Seu pai continua na Romênia. Darius não frequentou a escola e foi preso por suspeita de roubo pelo menos uma vez, sem ter sido acusado, disseram os promotores. Sua mãe está desempregada. Manon Fillonneau, um monitora de direitos humanos para o Centro Europeu de Direitos dos Ciganos em Paris, disse que a violência e a intimidação contra os ciganos tem se intensificado, incluindo relatos de um ataque de ácido no centro de Paris e coquetéis Molotov lançados contra trailers de ciganos perto de Lille, no norte da França. Crianças como Darius estão sendo evitadas pelas escolas públicas que temem legitimar os acampamentos ciganos onde elas vivem, disse ela. "Estamos perdendo uma geração de crianças", disse ela. Em Cité des Poètes, os jovens também disseram que se sentem abandonados pelo Estado francês. Cerca de 900 projetos de moradia foram construídos dos anos 70 aos 90 com a intenção de abrigar as populações de imigrantes da classe trabalhadora, muitos da África subsaariana e do norte da África. O desemprego nos projetos habitacionais chega a 30%, diz Benoît Ménard, do gabinete da prefeitura em Pierrefitte-sur-Seine. Um terço da população nasceu fora da França, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas. A Cité des Poètes está passando por uma extensa reforma, com a instalação de varandas modernistas cor-de-laranja em alguns prédios e jardins. Mas os moradores dizem que as reformas são apenas maquiagem. "Não há cinema, piscina, quadra de futebol", disse o estudante Bader, sentado ao lado de seus amigos. "As pessoas não têm emprego nem dinheiro, então roubam ou vendem drogas. Elas não procuram fazer nada mais. Aqui não temos nada." 
Tradutor: Eloise De Vylder

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