terça-feira, 29 de julho de 2014

Hamas volta ao centro do jogo diplomático, apesar de enfraquecido
Hélène Sallon - Le Monde
Matty Stern/EFE
Kerry tenta convecer Netanyahu a decretar trégua humanitária imediata Kerry tenta convecer Netanyahu a decretar trégua humanitária imediata 
O presidente americano Barack Obama pegou em seu telefone, no domingo (27) à noite, para pedir pessoalmente ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que instaure uma trégua humanitária imediata e incondicional como condição prévia para um acordo permanente de cessar-fogo com as facções palestinas da Faixa de Gaza. Mas também para acabar com as cáusticas críticas contra seu secretário de Estado, John Kerry, acusado de "traição" por alguns nomes em Israel, depois de ter submetido, na sexta-feira, um projeto de cessar-fogo que suscitou "consternação" dentro do gabinete de segurança. Certos membros do gabinete se apressaram para deixar vazar os termos da proposta, considerada como "uma completa capitulação" frente ao Hamas e seu reconhecimento implícito como parceiro político legítimo.
O texto oferece ao Hamas garantias sobre a redução do bloqueio do enclave palestino sem ratificar em troca o pedido israelense de uma desmilitarização das facções palestinas. "Israel pode não se resignar a que o Hamas saia reforçado desse conflito, mas é um fato. Ele necessariamente sai como o vencedor", acredita uma fonte diplomática ocidental.
De fato, a reviravolta da situação foi impressionante. Em abril, incapaz de tirar o enclave da asfixia econômica, o movimento islâmico havia cedido o poder à Autoridade Palestina, nos termos de um acordo de reconciliação.
A partir de agora, "os termos do cessar-fogo o colocam como único meio de governança política. É ele que negocia o destino político e econômico de Gaza", explica essa fonte. Ainda que Israel se decida por uma operação ampliada para aniquilar as capacidades militares do Hamas, isso não significaria um afastamento do braço político. "Benjamin Netanyahu sabe que colocar a Autoridade no lugar do Hamas não é possível, ela não tem cacife para isso", diz essa fonte. "Isso pressuporia uma guerra longa e meses, ou até anos, de reocupação."
A abertura da Faixa de Gaza é vista agora como a única solução para uma estabilidade a longo prazo. O Hamas aparecerá, independentemente do que aconteça, como aquele que terá arrancado essa vitória. Para a opinião pública palestina, ele agora aparece como o único representante da causa palestina, em detrimento da Autoridade Palestina, e recuperou sua aura de movimento de resistência, contestada pelos movimentos jihadistas palestinos.
"Israel não pode aceitar que essa legitimização do Hamas seja feita sob mediação americana, e não por mediação egípcia. Isso muda tudo", observa Ofer Zalzberg, analista do International Crisis Group. Não adiantou John Kerry se justificar, falando em divergências de "terminologia" sobre esse "pré-projeto", que teria se baseado na iniciativa egípcia aceita no dia 17 de julho por Israel. Para Tel-Aviv, isso foi mais uma deserção do chefe da diplomacia americana.
Parcialidade
Desde que assumiu o cargo, há 19 meses, desacordos e rancores se acumularam entre Israel e o secretário de Estado americano, fosse sobre a questão iraniana, fosse sobre as negociações de paz com a Autoridade Palestina. "John Kerry teve dificuldades com Israel desde o fracasso das negociações em abril: tanto ele quanto a UE se cansaram do comportamento de Israel", diz uma fonte diplomática ocidental. A imagem de John Kerry posando no sábado em Paris, ao lado de seus colegas franceses e europeus, junto com os representantes do Qatar e da Turquia, padrinhos do Hamas, lhe valeram acusações de parcialidade, tanto da parte de Israel quanto da Autoridade Palestina, a grande ausente do projeto. A ausência do Egito também foi vista como um afastamento do mediador egípcio, considerado como próximo dos interesses israelenses em razão de sua animosidade demonstrada em relação ao Hamas.
Ciente de seu interesse em não agravar excessivamente suas relações com o aliado americano, Israel aceitou, após diversas tréguas humanitárias pontuais, se abster de qualquer ofensiva durante os três dias de festividades muçulmanas do Eid al-Fitr, que começa na segunda-feira. Enfraquecido militarmente e por querer oferecer um descanso à população, o Hamas havia pedido por essa nova trégua, até fechando os olhos para o fato de Israel continuar com a destruição dos túneis.
Mas será difícil conseguir um cessar-fogo permanente. Apesar de ter sofrido um duro golpe em suas capacidades operacionais, o Hamas está tentado a investir o resto de suas forças na luta para manter sua capacidade de impor suas condições nas negociações. "A união sagrada em torno do braço político poderá se desfazer de novo. Desde que o Hamas assumiu o poder em 2008, seu braço armado conseguiu mais autonomia e rejeitou a lógica da negociação", ressalta Dominique Thomas, especialista em movimentos islâmicos. Israel, por sua vez, pede para voltar aos termos da iniciativa egípcia, que deixa totalmente em aberto os termos de futuras negociações, o que o Hamas já recusou categoricamente.

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