terça-feira, 29 de julho de 2014

Turbulências globais evidenciam os limites do poder dos EUA
Marc Bassets - El País
AFP
Americanos querem que Obama tenha imagem de líder mundial Americanos querem que Obama tenha imagem de líder mundial
Quando algum lugar do planeta se incendeia, o mundo costuma olhar para os EUA em busca de uma resposta. Mas, neste verão de conflitos simultâneos, nos quais os riscos para a paz se multiplicam da Europa à Ásia, passando pelo Oriente Médio, Barack Obama parece um presidente sobrecarregado, sem capacidade de atender a todos os alarmes. Os sismógrafos de Washington registram sinais preocupantes. Poucos presidentes americanos haviam enfrentado,  nas últimas décadas, uma sucessão semelhante de crises não causadas diretamente por eles. O habitual é que o presidente - o líder do mundo livre, como se dizia em tempos não muito distantes - tente modelar o mundo a seu gosto, e não o contrário.
Strobe Talbott, presidente do laboratório de ideias Instituto Brookings, vê ecos "inquietantes e preocupantes" do verão de 1914, quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial. O senador veterano John McCain, um falcão em política externa, disse, em uma entrevista à rede CNN, que jamais havia visto um mundo "tão agitado". E o "Wall Street Journal" argumentou, na semana passada, que "a amplitude da instabilidade não era vista desde os finais dos anos 1970".
Em 1979, com Jimmy Carter na Casa Branca, os EUA perderam seu aliado chave no Oriente Médio, o xá da Pérsia, na revolução iraniana, e a União Soviética invadiu o Afeganistão. "Não creio que a analogia mais adequada seja a dos anos 1970", diz Danielle Pletka, vice-presidente para política externa e defesa do laboratório de ideias conservador Instituto Americano de Empresas. "Olhando para trás, isto me leva à época do entreguerras, os anos 1930, e os anos anteriores à Primeira Guerra Mundial, 1913 e 1914. Há tanta instabilidade, tantos atores nocivos, tantas reivindicações nacionalistas, tão poucas partes dispostas a apoiar uma estrutura global, que, realmente, isso representa um enorme desafio para a segurança da população americana", afirma.
Na Ucrânia, a derrubada - provavelmente involuntária - do avião da Malaysia Airlines, em 27 de julho passado, não silenciou as armas, mas levou a uma escalada retórica entre Washington e Moscou - Obama acusa Putin de ter armado e treinado os rebeldes acusados do ataque - e a uma escalada bélica no leste do país. A nova guerra entre Israel e a organização Hamas, que controla o território de Gaza, iniciada há quase três semanas, deixou mais de 1 mil mortos palestinos e 43 do lado israelense (40 deles militares). A violência na Líbia - um país onde os EUA contribuíram para a mudança de regime em 2011 - obrigou a evacuar a embaixada americana na capital, Trípoli.
Mais de 160 mil pessoas, segundo alguns cálculos, morreram em três anos de guerra civil na Síria, conflito em que Obama resiste a se envolver, apesar de ter ameaçado, em setembro de 2013, uma intervenção, que suspendeu no último momento. No vizinho Iraque, os avanços dos jihadistas sunitas forçaram os EUA a enviar novamente militares para ajudar o governo do xiita Nuri al Maliki.
No Afeganistão, a retirada prevista para o final de 2016 ameaça acender de novo a guerra e deixar a via livre para os taleban. E, na região Ásia-Pacífico, a China se dedicou, nos últimos meses, a escaramuças com países como Japão, Vietnã e Filipinas, pelo controle da área de influência da potência emergente asiática. "Vivemos em um mundo complexo e em uma época desafiadora", disse Obama em uma entrevista coletiva em meados de julho. "E nenhum desses desafios oferece soluções rápidas ou fáceis. Mas todos exigem a liderança americana. Como comandante em chefe, confio que se mantivermos a paciência e a determinação superaremos esses desafios".
Brian Katulis, pesquisador sênior no laboratório de ideias progressistas Centro para o Progresso Americano, elogia a reação do governo Obama às crises como "pragmática, cautelosa e judiciosa". "O presidente Obama foi muito cuidadoso durante todo o seu mandato ao não reagir com excesso", diz Katulis, que descreve a situação atual como um momento de "transformação fluida". "A filosofia de Obama é que tentaremos trabalhar com tantos parceiros e aliados quanto seja possível, mas não assumiremos sozinhos a carga, como tentou fazer o governo Bush com consequências muito negativas para os EUA", continua.
O que Katulis chama de filosofia de Obama coincide bastante com a opinião da maioria dos americanos, partidários, segundo pesquisas recentes, de que os EUA cuidem de seus próprios assuntos e se abstenham de intervir na Ucrânia, na Síria ou no Iraque. Ao mesmo tempo, querem que seu presidente seja um líder mundial. "Não estou certo de que ambas as posições sejam incoerentes", disse Alan Murray, presidente do Centro de Pesquisa Pew. "As pessoas não querem guerra, mas têm a sensação de que o presidente mostra fragilidade", diz. E isso não agrada.
Pletka, que é identificada com o movimento neoconservador, que contribuiu para o projeto da guerra do Iraque de 2003, acredita que há um vínculo direto no recuo de Obama - a retirada do Iraque, a paralisia diante da guerra na Síria, a rejeição a atuar unilateralmente - e os conflitos deste verão. "Não é segredo", diz, "que muitas pessoas acreditam que o presidente abdicou de sua responsabilidade e se retirou, sem pensar muito no que ocorreria, quer se trate da retirada do Iraque, que resultou em um desastre completo lá, da indiferença com as chacinas na Síria durante três anos, da inação diante da expansão da Al Qaeda, da indiferença diante da anexação russa da Crimeia, da inação diante da atitude predatória chinesa nos mares da China do Sul e Oriental... e poderíamos continuar assim durante um bom tempo."
Quando se pergunta a Pletka se não havia instabilidade, talvez mais que agora, nos anos da guerra do Iraque e do presidente Bush, replica: "Com o governo Bush, que conflitos havia, se não eram os que nós escolhíamos?" E acrescenta: "Se me propuser trocar o mundo de 2007 pelo de 2014, a escolha é fácil, como imagino que seria para a maioria das pessoas no Oriente Médio e no Leste Europeu". É tudo culpa de Obama? "Às vezes", comenta Katulis, "penso que se um asteróide se chocasse com um planeta a 100 milhões de anos-luz daqui os críticos de Obama diriam que é por alguma coisa que ele fez".
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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