Trégua da Copa
MERVAL PEREIRA - O Globo
Mesmo
sendo o Brasil "o país do futebol", os resultados das Copas do Mundo
nunca influenciaram as eleições para presidente da República, que de
quatro em quatro anos coincidem com os campeonatos desde 1994.
Sendo
este ano realizado no Brasil, sabia-se que, desta vez, seria um pouco
diferente, pelo impacto do resultado dos jogos no ânimo dos brasileiros,
e também pela organização do campeonato em si.
A presidente
Dilma lançou equivocadamente um slogan, "a Copa das Copas", como se o
governo tivesse o condão de transformar pela propaganda a competição em
mais uma realização petista. Mesmo sendo evidente que, se dentro do
campo os muitos gols e partidas emocionantes podem transformá-la numa
das melhores Copas já disputadas, fora dos estádios o que justificaria o
epíteto nada tem a ver com o governo: a simpatia do povo brasileiro, a
alegria dos estrangeiros pelas praias ensolaradas, a comemoração pelas
ruas do país numa confraternização que é característica do brasileiro.
Não
será a Copa das Copas pela organização, nem pelos estádios, embora tudo
tenha funcionado a contento dentro de um esforço extraordinário de
segurança que transformou os arredores dos estádios e as principais vias
das sedes em verdadeiras praças de guerra.
Melhor assim do que o
contrário, mas o funcionamento do que era falho só foi razoável porque
saímos da normalidade, e isso muito se deve às críticas quanto aos
atrasos e ao desleixo com que a organização da Copa foi tratada pelos
governantes.
Depois da democratização, não houve governo que
quisesse se aproveitar das campanhas da seleção para ganhar
popularidade. Durante a ditadura militar, sim, governos tentaram
interferir até mesmo na escalação da seleção. A vontade do então
presidente Médici de escalar Dario na seleção de Saldanha é uma das
versões que persistem sobre a Copa de 1970, que teve no México uma
atuação perfeita para trazer o tri sob o comando de Zagallo.
Desgastes
diversos, com autoridades e jornalistas, e sua ligação com o Partido
Comunista Brasileiro levaram Saldanha a ter que deixar o comando da
seleção. Também é conhecida a tentativa, no governo Geisel, de convencer
Pelé a voltar à seleção em 1974, o que ele rejeitou sabiamente.
Os
governos do PT montaram a Copa do Mundo no Brasil com um olho na
popularidade e outro na eleição deste ano. O que deveria ser a apoteose
de um projeto iniciado há sete anos, quando a Fifa escolheu o país do
futebol para sediar a Copa, transformou- se em um pesadelo para o
governo e para a Fifa enquanto a bola não rolava, e mostrou que o povo
brasileiro não é exatamente o que pensavam que era: acrítico diante da
possibilidade de ver os principais craques do mundo da bola ao vivo em
suntuosos estádios.
O povo brasileiro vai dando um exemplo de
como é possível separar as coisas sem perder a naturalidade. Adora
futebol, está apoiando a seleção brasileira, mas nada indica que tenha
ânimo de esquecer seus problemas apenas por causa do futebol.
Por
isso, o governo volta a cometer um erro primário se interpretar a pausa
que a Copa está dando aos brasileiros, que resultou no desanuviamento
do ambiente político, como sinal de que os problemas da vida real estão
superados. Tudo indica que, passada a trégua proporcionada pela festa do
futebol, qualquer tentativa de usar o patriotismo inerente ao povo
brasileiro em galardão político pode ser rechaçada pela população.
A
pesquisa Datafolha que recolocou a presidente Dilma no patamar que
todas as demais pesquisas lhe dão, entre 38% e 40%, demonstra a
resiliência de sua candidatura, sinal de que, especialmente no Nordeste,
a máquina partidária e de propaganda do governo tem condições de
mantê-la como favorita mesmo em situações adversas, como a que vivemos
na economia nos últimos quatro anos.
A partir de agora, a
propaganda oficial está proibida, e o noticiário político terá que
tratar igualmente os candidatos, o que dará mais espaço aos de oposição e
reduzirá a exposição da presidente, que busca a reeleição. A gordura
que ela conservou durante os primeiros meses de campanha ainda é
suficiente para colocá-la em posição de liderança na corrida sucessória,
mas, depois da efêmera pacificação que a Copa está dando ao ambiente
político, a realidade do dia a dia voltará a ser encarada pelo
eleitorado.
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