As relações tóxicas da política com negócios
Na reconstrução do sistema político e no
combate à corrupção deve -se acabar com os partidos de aluguel e reduzir
o tamanho do Estado, fonte do dinheiro usado nas falcatruas
O Globo
O impacto dos vídeos de delações da cúpula da Odebrecht é de fato
grande, por expor pessoas de carne e osso com suas expressões de
nervosismo ou de tranquilidade, enquanto relatam, num tom de voz que
demonstra tensão ou não, histórias de falcatruas tramadas nos governos
do PT, em administrações estaduais do PSDB e com políticos diversos,
muitos do PMDB, sem que faltem representantes de diversas outras
legendas.
Um dos momentos emblemáticos das delações gravadas é quando Marcelo
Odebrecht relata acertos financeiros com Antonio Palocci e, depois, na
saída do ministro-chefe da Casa Civil de Dilma, com Guido Mantega, da
Fazenda. O testemunho é de um alto executivo, frio e objetivo, numa
conversa de negócios. Percebe-se que, para Marcelo, tratava-se mesmo de
um negócio. Só que de compra de um governo inteiro — Lula e Dilma — e de
parte do Congresso Nacional.
O relato dele de como comprou o “Refis da crise" — programa de
renegociação de débitos tributários, lançado para compensar efeitos nas
empresas da crise mundial agravada em fins de 2008 —, aceitando o pedido
de R$ 50 milhões feito por Mantega, que escreveu a cifra num papel, com
medo de “grampo" (quanta ironia), é um dos grandes símbolos desses
tempos.
E que vêm de longe, como demostram citações a Maluf, a Brizola, até
menção a Fernando Henrique. Estas não têm valor jurídico, mas de
esclarecimento à sociedade.
A forma como o PT se entregou às trapaças desse toma lá dá cá é
assombrosa. Mas não fica muito atrás a defesa de interesses da
empreiteira em Furnas e Cemig por Aécio Neves e tucanos mineiros. Bem
como as propinas ordenhadas de obras em São Paulo, esquema em que são
citados Geraldo Alckmin, José Serra, Aloysio Nunes e Paulo “Preto”, tido
como operador de caixa 2 do PSDB paulista. O contato da Odebrecht com
os tucanos pode não ter sido tão estreito quanto o relacionamento com
Lula e PT — em que houve mesada por 13 anos para o irmão do
ex-presidente, reforma no sítio de Atibaia, mãozinha nos negócios do
filho Luís Cláudio Lula da Silva, e ainda milhões à disposição do grande
líder petista. Mas também os acertos com tucanos nada teve de
republicano.
O motivo da maior proximidade com o PT é evidente: tratava-se do
governo federal, com aparelhos em estatais, destacando-se a Petrobras,
praticamente quebrada pela quadrilha de funcionários de carreira
apadrinhados pelo lulopetismo e aliados (PMDB e PP, principalmente).
Parece peça de ficção um ministro da Fazenda (Mantega) ficar
responsável por captar dinheiro de uma empreiteira, de forma ilegal, e
aceitar, em troca do apoio em cifras à campanha de reeleição da chefe,
Dilma, relançar o tal Refis com alterações pedidas por Marcelo Odebrecht
— entre outros “negócios”, também azeitados pela empresa junto a
políticos peemedebistas no Congresso. Com destaque para o senador Romero
Jucá (RR).
É um material para a História, um exemplo grave da relação incestuosa
que a política passou a ter com os negócios, numa mistura tóxica que
degrada a República. Para protegê-la é imperioso partir-se para uma
reforma política sensata — cláusula de desempenho para partidos e fim de
coligações em pleitos proporcionais —, e reduzir-se o gigantismo do
Estado e suas empresas. São estas as causas básicas da corrupção
endêmica.
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