Ministério Público vê fraude na organização do grupo J&F
Família tem bens de luxo que estão em nome de empresas sem atividade
Vinicius Sassine - O Globo
O Ministério Público Federal (MPF) aponta um “inegável caráter
fraudulento” na organização societária das empresas do grupo J&F,
que criou CNPJs distintos daqueles dos empreendimentos produtivos para
distribuir lucros e dividendos à família controladora. No documento em
que pede a ampliação do bloqueio de bens da família Batista, obtido pelo
GLOBO, a Procuradoria da República no Distrito Federal afirma que os
controladores usufruem bens de luxo — carros importados, iates e
aeronaves — que estão em nome de empresas sem atividade operacional. O
MPF fala ainda em risco de insolvência, por haver novas investigações
sobre o grupo.
Os
bens foram comprados a partir de repasses de empreendimentos produtivos
que acumulam “dívidas milionárias” com Fisco e Previdência Social,
“beneficiados por desvios e/ou irregularidades na gestão de recursos
públicos”. Esta é uma das razões usadas para embasar o pedido à Justiça
de decretação da indisponibilidade do patrimônio da família.
PF deve abrir novo inquérito para apurar fraudes da J&F com financiamento do BNDES
LANCHAS, JET SKIS E AVIÃO
Na
última sexta-feira, o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal em
Brasília, atendeu ao pedido do MPF e da Polícia Federal (PF) e ampliou o
bloqueio de bens dos Batista, inicialmente de R$ 60 milhões. As
investigações da Operação Bullish, que apuram fraudes em contratos do
grupo com o BNDES, apontam prejuízos na ordem de R$ 1,2 bilhão, podendo
chegar já na atual fase das investigações a R$ 1,6 bilhão, o que
justificaria um bloqueio maior, segundo o MPF. Foram incluídas empresas
criadas para distribuição de lucros e dividendos à família.
“A estrutura organizacional do grupo, na forma da engenharia
societária evidenciada, adquire inegável caráter fraudulento”, afirma o
procurador da República Ivan Marx, responsável pela Operação Bullish, no
pedido enviado à Justiça. “É através dessas empresas, sem atividade
operacional, que o grupo distribui recursos para seus sócios e
acionistas, oriundos das empresas produtivas que acumulam as dívidas
milionárias contraídas inclusive com o Fisco e Previdência Social,
enquanto a família controladora desfruta livremente dos bens e recursos
disponíveis aos demais CNPJs.”
O
pedido foi feito no fim de junho. A decisão da 10ª Vara Federal ocorreu
três meses depois, num momento em que a delação premiada dos executivos
do grupo J&F é alvo de questionamentos. A Procuradoria-Geral da
República (PGR) pediu a rescisão do acordo, com anulação de benefícios
dados e preservação das provas e depoimentos, após constatar omissão de
informações. Joesley e Wesley Batista estão em prisão preventiva.
O pedido de ampliação do bloqueio de bens detalha o patrimônio da
família que já estava indisponível. Em nome de seis empresas, estão
registrados uma aeronave Embraer, no valor de R$ 30 milhões; quatro
lanchas; sete jet skis, com valor individual de R$ 25 mil a R$ 52 mil;
46 carros de luxo, sendo quatro Porsche Cayenne e uma BMW; e quatro
imóveis em áreas nobres de Brasília, avaliados em mais de R$ 10 milhões;
entre outros.
À exceção de poucos bens, o patrimônio está em nome de pessoas
jurídicas da família controladora. Isso, segundo o MPF, “reforça o
intuito de dificultar o rastreio e impedir que as constrições recaiam
diretamente sobre o patrimônio do núcleo familiar”.
Risco de insolvência
Com relação a um risco de
insolvência, citado para justificar o pedido de ampliação do bloqueio, o
MPF cita o rastreamento do dinheiro do BNDES destinado a participações
acionárias; prejuízos com fundos de investimento; ações indenizatórias
de investidores estrangeiros; perda de valor de mercado; escassez de
crédito; boicote do mercado; e fraudes em balancetes contábeis.
Um laudo da PF apontou pelo menos cinco irregularidades nos aportes
do BNDES no grupo J&F. São eles: desvio de finalidade no emprego dos
recursos, erros de cálculo na formação do preço das ações, abandono da
forma de cálculo para conversão de debêntures, mudança rápida na
percepção de risco do negócio e dispensa de garantias em operação com
debêntures.
Procuradas, a J&F e a JBS classificaram de “insinuação leviana” a
suspeita de fraude. “O grupo não criou empresas não operacionais para
distribuição de lucros e dividendos à família. Não há fraude alguma.
Todas as operações societárias foram feitas de acordo com a lei. A
estrutura societária respeita as características de cada grupo familiar e
nunca foi motivo de qualquer questionamento ou dúvida”, afirmaram em
nota.
Sobre irregularidades em aportes do BNDES, as duas empresas dizem que
isso ainda é objeto de discussão no Tribunal de Contas da União. “Todas
as operações com o BNDES foram abertas, de acordo com a mais rigorosa
transparência e dentro dos melhores padrões de governança.
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