segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Ministério Público vê fraude na organização do grupo J&F
Família tem bens de luxo que estão em nome de empresas sem atividade 
Vinicius Sassine - O Globo 
O Ministério Público Federal (MPF) aponta um “inegável caráter fraudulento” na organização societária das empresas do grupo J&F, que criou CNPJs distintos daqueles dos empreendimentos produtivos para distribuir lucros e dividendos à família controladora. No documento em que pede a ampliação do bloqueio de bens da família Batista, obtido pelo GLOBO, a Procuradoria da República no Distrito Federal afirma que os controladores usufruem bens de luxo — carros importados, iates e aeronaves — que estão em nome de empresas sem atividade operacional. O MPF fala ainda em risco de insolvência, por haver novas investigações sobre o grupo.
Os bens foram comprados a partir de repasses de empreendimentos produtivos que acumulam “dívidas milionárias” com Fisco e Previdência Social, “beneficiados por desvios e/ou irregularidades na gestão de recursos públicos”. Esta é uma das razões usadas para embasar o pedido à Justiça de decretação da indisponibilidade do patrimônio da família.
PF deve abrir novo inquérito para apurar fraudes da J&F com financiamento do BNDES
LANCHAS, JET SKIS E AVIÃO

Na última sexta-feira, o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal em Brasília, atendeu ao pedido do MPF e da Polícia Federal (PF) e ampliou o bloqueio de bens dos Batista, inicialmente de R$ 60 milhões. As investigações da Operação Bullish, que apuram fraudes em contratos do grupo com o BNDES, apontam prejuízos na ordem de R$ 1,2 bilhão, podendo chegar já na atual fase das investigações a R$ 1,6 bilhão, o que justificaria um bloqueio maior, segundo o MPF. Foram incluídas empresas criadas para distribuição de lucros e dividendos à família.
“A estrutura organizacional do grupo, na forma da engenharia societária evidenciada, adquire inegável caráter fraudulento”, afirma o procurador da República Ivan Marx, responsável pela Operação Bullish, no pedido enviado à Justiça. “É através dessas empresas, sem atividade operacional, que o grupo distribui recursos para seus sócios e acionistas, oriundos das empresas produtivas que acumulam as dívidas milionárias contraídas inclusive com o Fisco e Previdência Social, enquanto a família controladora desfruta livremente dos bens e recursos disponíveis aos demais CNPJs.”
O pedido foi feito no fim de junho. A decisão da 10ª Vara Federal ocorreu três meses depois, num momento em que a delação premiada dos executivos do grupo J&F é alvo de questionamentos. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a rescisão do acordo, com anulação de benefícios dados e preservação das provas e depoimentos, após constatar omissão de informações. Joesley e Wesley Batista estão em prisão preventiva.
O pedido de ampliação do bloqueio de bens detalha o patrimônio da família que já estava indisponível. Em nome de seis empresas, estão registrados uma aeronave Embraer, no valor de R$ 30 milhões; quatro lanchas; sete jet skis, com valor individual de R$ 25 mil a R$ 52 mil; 46 carros de luxo, sendo quatro Porsche Cayenne e uma BMW; e quatro imóveis em áreas nobres de Brasília, avaliados em mais de R$ 10 milhões; entre outros.
À exceção de poucos bens, o patrimônio está em nome de pessoas jurídicas da família controladora. Isso, segundo o MPF, “reforça o intuito de dificultar o rastreio e impedir que as constrições recaiam diretamente sobre o patrimônio do núcleo familiar”.
Risco de insolvência
Com relação a um risco de insolvência, citado para justificar o pedido de ampliação do bloqueio, o MPF cita o rastreamento do dinheiro do BNDES destinado a participações acionárias; prejuízos com fundos de investimento; ações indenizatórias de investidores estrangeiros; perda de valor de mercado; escassez de crédito; boicote do mercado; e fraudes em balancetes contábeis.
Um laudo da PF apontou pelo menos cinco irregularidades nos aportes do BNDES no grupo J&F. São eles: desvio de finalidade no emprego dos recursos, erros de cálculo na formação do preço das ações, abandono da forma de cálculo para conversão de debêntures, mudança rápida na percepção de risco do negócio e dispensa de garantias em operação com debêntures.
Procuradas, a J&F e a JBS classificaram de “insinuação leviana” a suspeita de fraude. “O grupo não criou empresas não operacionais para distribuição de lucros e dividendos à família. Não há fraude alguma. Todas as operações societárias foram feitas de acordo com a lei. A estrutura societária respeita as características de cada grupo familiar e nunca foi motivo de qualquer questionamento ou dúvida”, afirmaram em nota.
Sobre irregularidades em aportes do BNDES, as duas empresas dizem que isso ainda é objeto de discussão no Tribunal de Contas da União. “Todas as operações com o BNDES foram abertas, de acordo com a mais rigorosa transparência e dentro dos melhores padrões de governança.

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