Reforma em Bruzundanga
Marcus Melo - FSP
Em Bruzundanga, conta-nos Lima Barreto, "de há muito que os políticos
práticos tinham conseguido quase totalmente eliminar do aparelho
eleitoral este elemento perturbador -o voto". Para evitar "o trabalho
infernal na apuração" os mesários "lavravam as atas conforme entendiam e
davam votações aos candidatos, conforme queriam".
O "elemento perturbador" -o voto- também foi objeto de intensa
preocupação por parte dos parlamentares na reforma política atual. Como
fraudes não são viáveis, os parlamentares voltaram-se para insular ainda
mais os representantes dos representados com a criação de um fundo
bilionário de campanha. Com ele busca-se mitigar os custos reputacionais
brutais que acumularam. Ele reflete o fosso aberto entre a sociedade e
seus representantes: e terá que ser tanto maior quanto mais desmedido
for o hiato entre os dois. Ele não é o "custo da democracia", mas o
custo da disrepresentação.
A proposta inicialmente previa um sistema misto alemão para 2022 e lista
fechada em 2018, como regra de transição. Mas esse dispositivo
conflitava com muitos interesses e o distritão surgiu como solução para a
lista fechada.
Mas ele contrariava sobretudo o PT por seu impacto negativo sobre as
siglas partidárias e por favorecer candidaturas individuais.
Para o PMDB, a combinação distritão-fundo era ótima e o PT entendeu que
era o preço a pagar para garantir o essencial, o fundo. Com a proibição
das doações empresariais o partido estava no mato sem cachorro, ou
melhor: no mato sem caneta para assinar contratos, autorizações e
nomeações. E o contrafactual importa: teria havido reforma sem o choque
dessa proibição?
Mas esqueceram de combinar com os russos. Tinha russo na opinião
pública, no centrão, na mídia. A nossa hiperfragmentação partidária
chegou a um ponto em que gerou "veto players" para as mudanças.
Inclusive as indesejáveis.
O plano acabou não dando certo. A elevada incerteza política atual criou
um viés pró status quo. E a Bruzundanga não é mais a mesma! Os russos
da opinião pública multiplicaram-se e adquiriram certa musculatura.
Conseguiram mitigar os estragos mas não infligir uma derrota: o fundo
acabou sendo criado, mas com rubricas existentes. A cláusula de barreira
e veto às coligações proporcionais passaram. Salve!
A reforma política aprovada por Congresso disfuncional -com exceção do
timing e do fundo- é a ideal para muitos especialistas. Na realidade,
eles já previam esse resultado: reformas com custos concentrados e
benefícios difusos só são viáveis quando diferem no tempo seus efeitos.
Ou compensam os perdedores. A crise de representação exige mudanças já,
mas elas só começam em 2022! E tem um fundo no meio do caminho!
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