TSE pede investigação sobre interferência do crime organizado na política
Relatório afirma que quadrilhas agiram em 19 zonas eleitorais do Rio, além dos estados do Amazonas, São Paulo e Maranhão
Jeferson Ribeiro - O Globo
O risco de o crime organizado ampliar sua infiltração na política levou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a
acionar os órgãos de investigação e inteligência do governo federal
para coibir a iniciativa dos criminosos. A preocupação é com as eleições em
todo país, mas no primeiro semestre a Justiça Eleitoral encaminhou para
a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e para a Polícia Federal um
relatório com base na disputa de 2016 no Rio em que aponta a influência
de facções criminosas e milícias em 19 zonas eleitorais de sete
cidades, incluindo a capital. O crime, porém, já esticou seus tentáculos
em outros estados como São Paulo, Amazonas e Maranhão.
O
relatório do TSE, ao qual O GLOBO teve acesso com exclusividade, lista
todos os candidatos eleitos nessas áreas e tem por base, principalmente,
as zonas eleitorais onde a realização das eleições só ocorre mediante
reforço de policiamento e regiões que historicamente registram conflitos
entre criminosos e forças de segurança. Essas áreas envolvem o voto de
9% do eleitorado fluminense, aproximadamente 1,1 milhão de pessoas.
Os maiores riscos de influência do crime organizado nas eleições,
segundo o relatório, estão em 11 zonas eleitorais da capital, uma em
Duque de Caxias, duas em Resende e Itatiaia, uma em São Gonçalo, uma em
São João de Meriti e três em Niterói.
O Rio é o exemplo mais grave da preocupação do TSE também pelo
histórico. Em 2008, uma CPI da Assembleia Legislativa (Alerj) revelou a
atuação das milícias e como seus integrantes foram eleitos com a ajuda
dos criminosos. A investigação parlamentar levou à perda de mandatos e
prisão do ex-deputado estadual Natalino Guimarães e seus sobrinhos e
ex-vereadores Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, e Carminha
Jerominho. Eles foram acusados pela CPI de integrarem o grupo que ficou
conhecido como Liga da Justiça, grupo de milícias da Zona Oeste da
cidade.
No
ano passado, em mais uma demonstração da influência do crime na
política fluminense, a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense
abriu investigação sobre 13 mortes que teriam motivação política. Os
assassinatos ocorreram em Seropédica, Duque de Caxias, Magé, Paracambi,
Queimados, Nova Iguaçu, Nilópolis, Japeri e São João de Meriti. As
investigações correm em sigilo, mas no caso de ao menos duas vítimas os
homicídios comprovadamente tinham a ver com a disputa eleitoral.
A promotora de Justiça Simone Sibílio, que tem vasta experiência em
investigações do crime organizado, alerta para a união entre milicianos e
traficantes e lembra que o crime tem necessidade de cooptar o poder
público para ampliar seus lucros:
— O que a gente observa no Rio hoje é que as organizações criminosas
do tipo milícia, que eram arqui-inimigas do tráfico de drogas, coexistem
pacificamente.
O temor da Justiça Eleitoral é que a restrição do financiamento
eleitoral ao fundo público aprovado pelo Congresso e a doações de
pessoas físicas criem condições adicionais para que o crime organizado
financie candidaturas ou para que seus integrantes disputem cargos
diretamente. Na avaliação do TSE, o crime pode se tornar o provedor de
caixa dois das candidaturas. Parte dessa crença vem das auditorias sobre
as doações da eleição municipal. Das 730 mil doações, 300 mil
apresentaram problemas junto à Receita Federal porque os doadores não
tinham renda compatível para doações.
Apesar do alerta do TSE em relação ao Rio, há vestígios da
infiltração do crime na política em outros estados do país. No Amazonas,
a Operação La Muralha, que investigava o tráfico de drogas, levou à
prisão o ex-vereador de Tonantins, Radson Alves de Souza. Ele fazia
parte de um grupo de Tabatinga (AM), que cedia suas contas bancárias
para fornecedores de drogas da fronteira do Brasil com a Colômbia
lavarem dinheiro. Souza recebia 4% de todos os valores que passavam por
suas contas. Ao todo, ele movimentou R$ 1,8 milhão, mais de R$ 820 mil
somente em 2015, ano da investigação.
FACÇÃO CRIMINOSA NO AMAZONAS
Em outro
processo, uma gravação teria flagrado um diálogo entre um ex-secretário
de Segurança do Amazonas e o chefe da facção criminosa Família do Norte.
Na conversa, o criminoso revela a intenção de eleger dois deputados
estaduais no ano que vem. O áudio, porém, é clandestino e talvez não
seja aceito pela Justiça como prova. O procurador que comandou as
investigações da La Muralha, Victor Santos, contudo, confirma o
interesse dos criminosos.
— O que eu posso dizer de forma segura é que a Família do Norte
durante o período das interceptações da La Muralha tinha um plano muito
específico para inserir seus integrantes no mundo político e financiar a
eleição de determinados candidatos.
Em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, também já há, na
avaliação do Ministério Público, políticos eleitos com o apoio do PCC.
O caso mais notório seria do prefeito de Embu das Artes, Ney Santos
(PRB), que é investigado por ligação com o tráfico de drogas e com o
crime organizado. O MP chegou a pedir a prisão dele, que só tomou posse
na prefeitura em fevereiro deste ano após conseguir um habeas corpus no
Supremo. Na sua declaração de bens à Justiça Eleitoral, Santos revelou
ter R$ 1,6 milhão em dinheiro vivo. Sua defesa nega o envolvimento com o
crime.
Para o promotor de Justiça Lincoln Gakyia, que investiga a facção
criminosa há anos, Santos é membro da organização, mas ele é um exemplo
isolado, o que não permite dizer que a facção criminosa quer entrar na
política como grupo.
— A gente não detectou ainda esse movimento. Já houve no passado
tentativas de lançar alguns candidatos de alguma maneira para “defender
os presos”. Mas ainda é uma iniciativa isolada — afirma Gakyia.
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