domingo, 8 de outubro de 2017

Corregedor da Federal de SC relatou pressão de reitor diante de apuração
Em carta enviada em julho à Polícia Federal, o corregedor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Rodolfo Hackel do Prado, disse que vinha recebendo "os mais diversos tipos de pressão por não aceitar ser subserviente ao gabinete do reitor" da instituição.
Ele se referia a Luiz Carlos Cancellier, que morreu aos 59 anos na última segunda (2) após despencar do quinto andar no vão central de um shopping de Florianópolis.
O corregedor pediu o afastamento do reitor, que estava, segundo ele, agindo em conluio com professores para "frustrar" investigações. Conforme documentos obtidos pela Folha, as supostas pressões sobre o corregedor e o depoimento de outra professora foram o fundamento do pedido de prisão e de afastamento feito pela PF e acolhido pela Justiça Federal.
O reitor e seis professores da UFSC foram alvo da Operação Ouvidos Moucos, deflagrada em setembro para apurar supostas irregularidades na concessão de bolsas de ensino a distância. Cancellier não era suspeito de desvio de recursos, mas de tentar intervir em uma apuração interna.
Preso provisoriamente por um dia e solto por outra decisão judicial, o reitor, segundo familiares e amigos, cometeu suicídio. Em seu bolso, foi encontrado um bilhete com os dizeres, conforme reprodução divulgada por familiares: "A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!". A morte causou reação em círculos acadêmicos e políticos. Segundo críticos da operação, houve arbitrariedades.
A investigação da PF confirma uma série de movimentos do reitor para ter acesso à íntegra de uma apuração que fora aberta pelo corregedor em janeiro passado.
Em paralelo, havia o inquérito aberto na PF para apurar as conclusões de um levantamento feito pela CGU (Ministério da Transparência) a partir de denúncia protocolada no canal do cidadão da UFSC em 2014. Cancellier assumiu a reitoria em maio de 2016.
A CGU apontou descontrole de gastos e dúvidas sobre o destino de recursos do programa de ensino a distância do curso de física. Em dezembro de 2016, informações no mesmo sentido chegaram à Corregedoria, que resolveu abrir apuração deste ano. Em julho de 2017, o corregedor levou informações à PF por meio de uma carta.
PROFESSORES
Dois professores disseram ter sido orientados a pagar metade de suas bolsas para outros professores, por meio de depósito em suas contas correntes, de forma a criar uma caixinha que cobriria gastos de bolsas atrasadas. E-mails foram apresentados para confirmar a orientação.
Em depoimento, a professora Taísa Dias, então coordenadora do programa de ensino a distância do curso de administração, relatou à PF "situações estranhas", como a interferência de um professor na concessão de bolsas, uma dívida de bolsas anteriores e "pressões" para que usasse determinados recursos em desacordo com o contrato público para quitação de outras bolsas.
Taísa disse que não podia fazer pagamentos diversos do contratado porque poderia cometer ato de improbidade.
Ela então procurou Cancellier para contar o que estava ocorrendo. Segundo a professora, o reitor "perguntou quanto tempo a mesma [Taísa] tinha de UFSC" e "deu a entender que [ela] ainda tinha muito tempo de convivência com os colegas e que seria bom tomar cuidado pois estava em estágio probatório". Além disso, segundo Taísa, o reitor pediu que ela "guardasse a pastinha" em que levava os documentos.
Taísa também apresentou à PF um e-mail enviado a Cancellier, ao corregedor e a professores para que fosse "reforçada a gravidade em que a questão se encontra".
Segundo relatório da PF, o reitor não tomou atitude para apurar os relatos –daí o nome da operação, "ouvidos moucos", uma pessoa que não escuta a outra. À Polícia Federal o corregedor da UFSC afirmou que vinha sofrendo pressões do gabinete do reitor. Disse que perdeu cerca de 30% de sua gratificação, por meio de portarias de exoneração e nomeação em outro cargo comissionado.
Segundo ele, houve "tentativas informais" do gabinete de reitor de ter acesso à apuração, até que, em maio, recebeu um memorando para que enviasse para lá os autos, que tramitavam em caráter sigiloso.
Em 14 de julho, Cancellier assinou despacho no qual ordenou a transferência do processo para seu gabinete. O reitor argumentou que era necessário dar celeridade e concluir a apuração, que estaria prejudicando o andamento do programa de bolsas. Prado se recusou a enviar os documentos. Em anexo, mandou à PF cópia de um ofício da CGU que concordava com a sua decisão.
OUTRO LADO
O advogado do ex-reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier, Hélio Rubens Brasil, diz que o professor tentou ter acesso à investigação da Corregedoria porque queria informar à Capes o andamento da apuração e que "tudo que ele fez foi dentro da lei". A Capes, fundação vinculada ao Ministério da Educação, era a origem dos recursos do projeto de bolsas para educação a distância.
"Ele [Cancellier] não estava sendo acusado de nenhum desvio, de nenhum ato de corrupção, de nada disso, e todos esses fatos que estavam sendo investigados eram anteriores a 2015, quando ele não era reitor ainda", disse.
"O que a decisão judicial dizia que pesava contra ele era que ele teria tentado, veja bem, tentado, obstruir uma investigação interna na universidade. Isso, no meu entender, não é nem delito, até porque ele é autoridade máxima da universidade e todos tinham que prestar contas a ele, inclusive corregedoria, ouvidoria e qualquer órgão da universidade."
"Ele precisava das informações do corregedor para enviar para a Capes. Até para dizer 'estamos investigando, agora libera a verba dos outros cursos'. Porque se não [faz isso], ele poderia ser processado por omissão, por não ter gerido as verbas para continuação dos cursos que estavam em andamento", disse o advogado.
"A investigação estava tratando de dois cursos, física e administração. Só que havia mais de dez cursos que dependiam das verbas de Brasília para continuar tendo o programa. O que houve foi que a Capes contingenciou a verba, segurou a verba. Aí ele [Cancellier], como reitor, ligou para lá para saber o motivo pelo qual não estava vindo a verba. Foi quando lhe disseram que havia uma investigação. Ele não sabia de nada. E então ele foi à corregedoria para saber."
Em nota publicada em seu site, o escritório de advocacia de Hélio Brasil afirmou que a morte de Cancellier deveria servir "de reflexão para todos, especialmente àqueles ávidos por holofotes que, entorpecidos por ego e vaidade, extrapolam suas funções institucionais, e aos demais que divulgam e replicam notícias de maneira açodada e equivocada, destruindo carreiras, reputações e vidas".
Cancellier foi homenageado em sessão solene fúnebre na UFSC na última terça-feira (3). Um de seus amigos, o professor da UFSC e desembargador do Tribunal de Justiça de SC Lédio Rosa de Andrade disse emocionado em discurso que "em nome da liberdade de imprensa, se exerce a liberdade de empresa privada para impor desejos privados à coletividade. Em nome da liberdade de julgar, neofascistas humilham, destroem e matam".
"Porcos e homens se confundem. Fascistas e democratas usam as mesmas togas. Eles estão de volta, temos que pará-los. Vamos derrubá-los novamente", disse o juiz. Presentes à sessão estenderam uma faixa no plenário: "Democracia de luto em luta. Aqui mais uma vítima do estado de exceção".
Em nota quando da deflagração da operação, a Capes informou que tomou conhecimento das investigações da corregedoria da UFSC em maio passado. A partir daí, "a presidência da Capes determinou, imediatamente, a estruturação de uma comissão para acompanhar o programa com visita no local e solicitação de documentação complementar". A Capes afirmou que a gestão de Cancellier "aprimorou", por meio de portaria, "a regulamentação das diretrizes para a concessão de bolsas" e "retomou as visitas técnicas de verificação do programa".
-

CRONOLOGIA

30.Janeiro.2014
> Canal eletrônico do Ministério Público Federal recebe denúncia sobre irregularidades na aplicação de recursos federais recebidos pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) sobre o curso de ensino à distância de Física
> MPF aciona a CGU (Controladoria Geral da União)
17.Fevereiro.2016
> CGU envia ao Ministério Público Federal de SC relatório sobre apurações nos anos de 2014 e 2015
> Relatório aponta, entre outros itens, descontrole e ausência de sistema de gestão e fiscalização do contrato, o que teria permitido "que desvio de recursos viessem ocorrendo ao longo dos anos"
10.Maio.2016
> O professor Luis Carlos Cancellier de Olivo toma posse como reitor da UFSC
Maio.2016
> Prevista desde 2014 e sob pressão da CGU, a Corregedoria da UFSC é criada. Toma posse o professor Rodolfo Hickel do Prado
> Corregedor afirma que passou a ter suas atividades "dificultadas pela atual gestão da reitoria"
Julho.2016
> O corregedor foi avisado por telefone por uma pró-reitora que por ordem do reitor seria exonerado da função comissionada CD3 e seria nomeado em função FG1, "que correspondia a quase 10% do valor da função original". Caiu de CD3 para CD4, uma perda de cerca de 30% do valor original.
09.Agosto.2016
> Polícia Federal abre inquérito, acionada por ofício do MPF
Novembro.2016
> Professora Taísa Dias se reúne com o reitor Cancellier e comunica uma série de problemas nas bolsas
Janeiro.2017
> Corregedoria recebe denúncia anônima sobre "possíveis desvios na área de ensino à distância no curso de Administração". Prado abre um procedimento
20.Janeiro.2017
> Corregedor da UFSC, Rodolfo Rickel do Prado, chama a professora Taísa Dias para obter esclarecimentos sobre a situação das bolsas
> Corregedor diz que o reitor pediu pessoalmente "que não levasse adiante a apuração em questão"
24.Março.2017
> Taísa Dias manda e-mail para o reitor Cancellier e outros, incluindo o corregedor, "para que, ciente desde novembro dos fatos que envolvem o curso, tenha reforçada a gravidade em que a questão do mesmo se encontra apesar de todos os esforços dessa coordenação para que isso não atinja mais aos alunos, servidores e professores envolvidos."
04.Maio.2017
> O corregedor se reúne com representantes da Capes, em Brasília, e solicita uma série de esclarecimentos.
> Na volta do reitor, o corregedor é informado que ele queria ter vista dos autos.
24.Maio.2017
> Em memorando, Gabinete do Reitor pede acesso à investigação preliminar de caráter sigiloso que tramitava na Corregedoria. O corregedor se nega a dar acesso à íntegra
25.Maio.2017
> O reitor viaja para reunião na Capes com o presidente, Abílio Baeta Neves
> A Capes anuncia a liberação de mais dinheiro para o programa de estudo à distância
> O corregedor novamente é cobrado por diversos membros da direção da UFSC sobre acesso aos documentos
> O corregedor decide procurar "os órgãos de persecução penal e formalizar a notícia das apurações"
14.Julho.2017
> Por ofício, Cancellier decide avocar o procedimento na Corregedoria. Ele alega que "o seu chefe de gabinete, Áureo Mafra de Moraes, teria 'competência concorrente' com a Corregedoria-geral para instauração de sindicâncias, realização de investigações preliminares e realização de processos administrativos disciplinares"
19.Julho.2017
> Em carta à PF, o corregedor da UFSC informa sobre as pressões que vem sofrendo e diz que o reitor também é "alvo das investigações, uma vez que citado o seu nome como suposto beneficiário no pagamento de bolsas e outras irregularidades"
14.Setembro.2017
>A PF deflagra a Operação Ouvidos Moucos e pede a prisão temporária por cinco dias de sete professores, incluindo Cancellier, e o afastamento cautelar do exercício do cargo/função pública de seis professores
02.Outubro.2017
> O reitor morre após cair em vão de shopping em Florianópolis. Familiares e amigos apontam suicídio. Seu advogado disse que foi um achado um bilhete: "A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade"

Nenhum comentário: