segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Crescimento lento da economia chinesa adia o 'declínio' dos Estados Unidos
Bill Emmott - Prospect
O presidente Barack Obama foi audacioso em repetir, em seu discurso de vitória, uma das frases favoritas do ex-presidente Ronald Reagan, que “o melhor está por vir” para os EUA. E foi preciso ainda mais audácia para repetir algumas de suas próprias frases antigas sobre o bipartidarismo, após uma campanha de eleição tão amarga. Pode-se até dizer que ele derrotou seu rival republicano, Mitt Romney, de uma forma mais limpa do que a maior parte dos especialistas esperava, então é compreensível um pouco de otimismo excessivo. Ainda assim, é perfeitamente possível que Obama possa estar certo.
Não é assim que parece para os 23 milhões de americanos desempregados, nem para as centenas de milhões da “classe média espremida”, que viram sua renda estagnar ou declinar nos últimos anos, enquanto os ricos adquiriam novas casas de luxo. Tampouco será essa sensação se, em algum momento durante o segundo mandato de Obama, a China superar os EUA como a maior economia do mundo, o que pode muito bem acontecer quando forem usadas medidas que ajustam a produção econômica de acordo com o poder de compra interno. 
Tal momento seria puramente simbólico. Mas os símbolos importam, tanto para a credibilidade internacional quanto para a confiança doméstica. O crescimento chinês mais lento, ou o crescimento americano mais rápido, podem adiar esse dia para o primeiro mandato do próximo presidente, mas ainda assim provavelmente acontecerá em breve. Quando acontecer, o momento será estudado por jornalistas e analistas em torno do mundo, pois se encaixa com uma narrativa conveniente: que os EUA estão em declínio, acompanhados pelo resto do Ocidente. O século americano, proclamado pelo fundador da revista “Time”, Henry Luce em 1941, teria terminado quase três décadas mais cedo.
Em uma interpretação literal do discurso de vitória de Obama, ele prometeu provar que essa narrativa está errada. Mas, como sempre, há uma boa base para o cinismo. Para começar, é um erro entender os discursos dos políticos literalmente. Além disso, uma característica estranha do sistema presidencial americano é que atribui um vasto poder a uma única pessoa e, simultaneamente, aleija esse poder por meio dos freios e contrapesos da Constituição. Por melhor que a eleição tenha sido para o Partido Democrata, ainda deixa o Congresso emperrado, com a Câmara dos Deputados firmemente nas mãos republicanas, e o Senado ainda dominado pelos democratas.
Ainda assim, aqui vai uma previsão: o segundo mandato de Obama será um período durante o qual a narrativa do inexorável declínio americano, no mínimo, será seriamente questionada. Na melhor das hipóteses, porém, será provado que há um profundo engano nesta narrativa quanto ao verdadeiro estado do mundo. Pois o século americano não acabou.
Hoje, há dois dados dominando a politica americana da mesma forma que obcecaram os mercados financeiros por mais de um ano. Esses dados são, primeiro, a dívida pública do país, de US$ 11,4 trilhões, e, segundo, a expiração em janeiro do prazo dos cortes de impostos e concessões que o ex-presidente George W. Bush estabeleceu e Obama estendeu. Quando isso é combinado com os cortes de gastos implementados como parte do acordo do ano passado entre o Congresso e a Casa Branca para aumentar sua capacidade de endividamento, há uma ameaça de levar a uma queda súbita de cerca de 4% do produto interno bruto, mergulhando o país de volta na recessão. Os EUA se lançariam ao que todos chamam de “abismo fiscal”.
Não resta muito tempo para evitar esse abismo. Para isso, é preciso que haja um acordo não pelos congressistas recém-eleitos, e sim pelos antigos, em uma sessão legislativa que os americanos chamam de “sessão do patinho feio”. O medo que tal acordo não seja fechado e que os EUA estejam paralisados por sua polarização parece ter causado uma substancial pausa no investimento de capital.

A economia norte-americana não está indo muito mal pelos padrões europeus: seu índice anual de crescimento de cerca de 2% facilmente estaria no topo dos índices de crescimento da Europa Ocidental. No entanto, está mal para seus próprios padrões históricos: nesta altura da recuperação de uma recessão, a economia crescia a índices anuais de 3 a 4%.
Uma das principais razões para isso é que esta não foi uma recessão ou uma recuperação “normal”. É uma recuperação após uma enorme quebra financeira, que se seguiu a uma bolha de crédito e endividamento. O setor privado está se ajustando gradualmente a essa quebra. Os consumidores estão acabando com a dívida, enquanto as empresas se tornaram conscientes dos perigos impostos pela alavancagem excessiva. Portanto, nunca se esperou uma recuperação entusiasmada nem pelo consumidor, nem pelo investimento de capital após o choque do Lehman.
As empresas vêm concluindo que a variedade de resultados econômicos à frente é extraordinariamente ampla e arriscada. Enquanto os políticos e ideólogos argumentam sobre as consequências potencialmente inflacionárias do “relaxamento quantitativo” do Conselho do Federal Reserve, ou seja, imprimir dinheiro comprando bônus do Tesouro e outros bens, os conselhos corporativos vêm se preocupando mais sobre o perigo de um novo mergulho e com a deflação que pode resultar dele.
O ganho econômico que poderia advir da extinção deste temor seria substancial. Um acordo de sucesso no Congresso que impedisse uma contração fiscal drástica provavelmente liberaria uma onda de novos investimentos empresariais.
Essa bela oportunidade precisa ser somada a duas outras tendências significativas da economia americana. Uma é que a revolução de energia está avançando, enquanto novas técnicas para extração tanto de xisto quando de petróleo levou à queda do preço do gás natural doméstico e uma explosão na produção tanto do petróleo quanto do gás nos EUA. O segundo é o fluxo continuado de inovação tecnológica ocorrendo no Vale do Silício e pelo resto país. Isso significa que a economia dos EUA tem maior chance de surpreender positivamente do que negativamente.
Então, será que se chegará a um acordo para reduzir o medo? Essa é a questão que está obcecando Washington. Nos últimos dois anos, desde que as eleições de 2010 deram o controle da Câmara aos republicanos, os EUA parecem ingovernáveis. Ainda assim, será preciso uma visão extremada dos políticos dos dois lados para continuarem assim depois da sólida vitória de Obama. Não será do interesse político de ninguém brincar no abismo.
Então, alguma espécie de acordo deve ser feito, uma combinação de novas concessões tributárias, preservando programas de gastos. Para não perderem a pose, os congressistas republicanos vão insistir que nenhum imposto de fato seja aumentado, mesmo que sejam encontradas formas de aumentar a receita tributária e que pequenas empresas não sejam atingidas demais por qualquer insistência por parte dos democratas em mudar o peso da taxação para os ricos.
O próximo ano será daqueles que os políticos nos EUA chamam de “ano de trabalho”, implicando que anos eleitorais como 2012 não são um bom momento para que as coisas sejam resolvidas. Esta também será a única chance de fato para Obama durante seu segundo mandato de alcançar um maior legado legislativo. Os principais componentes desse legado são uma reforma fiscal de longo prazo e a reforma da imigração.
É provável que seja mais fácil se chegar a acordo sobre imigração do que a um acordo de reforma fiscal, por causa da realidade demográfica que desapontou os republicanos em 2012: eles não conseguiram conquistar o apoio dos hispânicos, o maior grupo recente de imigrantes. Os estrategistas do partido imediatamente vão começar a encontrar formas de conquistar mais votos latinos nas eleições no meio do mandato, em 2014, e nas eleições presidenciais de 2016.
Se o país conseguir, mesmo dentro daquele ano de trabalho de 2013, atingir alguma forma de reforma fiscal, aprovar a reforma de imigração e, graças à reanimação do investimento das empresas, estiver com índices de crescimento do PIB em torno de 3% começará a mudar a forma das pessoas pensarem, no mundo todo.
Tal mudança nas percepções forçaria um repensar de todas as premissas da moda sobre o declínio americano. Isso já aconteceu inúmeras vezes. Nos anos 70, os conflitos urbanos e a derrota no Vietnã levaram muitos a descartarem os EUA. Já nos anos 80, foram escritos tratados sobre o declínio americano e algo que então era visto como a supremacia japonesa inevitável, até a bolha financeira do Japão explodir em 1990.
Isso está prestes a acontecer novamente. Ainda assim, toda vez em que houve uma mudança nas percepções, o mundo se tornou um lugar mais complicado. As fortes divisões entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento há muito se foram. Isso mudou o equilíbrio mundial de poder. Mas isso se deve graças, essencialmente, às ideias americanas do capitalismo baseado no mercado espalhando desenvolvimento econômico pela Ásia, África e América Latina.
Nunca houve, é claro, uma era dourada de hegemonia americana, quando liderar era simples. E certamente não há agora. Os EUA podem muito bem ser menos ingovernáveis do que parecem, mas o mundo está mais ingovernável do que qualquer um de nós gostaria.
O mais perigoso para Obama é a China, especialmente seus confrontos territoriais com o Japão, no Mar do Oriente da China, e com as Filipinas, Vietnã e outros, no Mar do Sul da China. Esse é o maior perigo não porque a China queira um conflito com os EUA, mas porque até mesmo a ameaça de um confronto entre as duas superpotências do mundo poderia ter consequências econômicas dramáticas. A esperança deve ser que a nova liderança chinesa busque amenizar essas disputas.
Muitas vezes, o segundo mandato presidencial favorece a politica externa, porque os presidentes então estão com pouco capital político interno e têm muito desejo de estabelecer um legado de grandes estadistas. Para Obama, cuja vitória em 2008 foi rapidamente seguida do Prêmio Nobel da Paz antes que ele tivesse feito qualquer coisa pela paz, as perspectivas são diferentes. Seu segundo mandato pode ver as dificuldades internas dos EUA se tornarem menores e sua economia mais forte, confirmando o status do país como único líder mundial. Mas de fato exercer essa liderança de uma forma que justifique seu Nobel será extraordinariamente difícil.
Tadutor: Deborah Weinberg

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