quarta-feira, 18 de junho de 2014

Crise na Ucrânia traz à tona um "segundo fim" da Guerra Fria
Sylvie Kauffmann - Le Monde
Alexander Khudoteply
12.jun.2014 - Uma van pertencente ao líder rebelde Denis Pushilin explodiu em Donetsk, na Ucrânia 12.jun.2014 - Uma van pertencente ao líder rebelde Denis Pushilin explodiu em Donetsk, na Ucrânia
Alguém falou em desescalada? A crise ucraniana entrou em uma fase aguda sete meses atrás e nada permite entrever uma saída. É verdade, surgiram alguns sinais positivos, como a eleição do presidente Poroshenko e o início de um diálogo com o presidente Putin. Ao mantra do retrocesso do conflito -- entoado pelos europeus, quase que invariavelmente -- vem a resposta de uma escalada real, orquestrada por Moscou, Kiev ou Sloviansk.
A última semana ainda forneceu um perfeito resumo dessa dinâmica: iniciada com as conversas dos chefes da diplomacia alemã, polonesa e russa em São Petersburgo, que deveriam ter transformado o teste do encontro Putin-Poroshenko na Normandia, durante as comemorações do Desembarque, ela terminou com a irrupção de tanques russos na Bacia do Donets, com a morte de 49 militares ucranianos na queda de seu avião abatido pelos rebeldes e com as cenas de tumultos em frente à embaixada da Rússia em Kiev.
Exceto pela popularidade do presidente Putin, que tem andado em 80% em seu país, o balanço desses sete meses foi desastroso, tanto para a Ucrânia quanto para a União Europeia e a Rússia. Em que momento foi considerado que a desescalada não era mais o objetivo adequado e que era preciso passar para outra estratégia?
No dia 6 de junho, na Normandia, o presidente Obama falou em um prazo de "duas, três, quatro semanas" para deixar a Putin a possibilidade de escapar de uma terceira leva de sanções – mais pesadas que as decretadas após a anexação da Crimeia, em março. Os dirigentes europeus, que se encontrarão em Bruxelas nos dias 26 e 27 de junho, teriam então quase duas semanas pela frente, não para picuinhas sobre as sanções que os dividem, mas sim para refletir sobre a verdadeira questão, aquela que eles até agora contornaram cuidadosamente: qual relação estratégica a União Europeia deve estabelecer com a Rússia.
Mas qual ordem mundial?
Aqueles que pensam que é possível continuar como antes deveriam ouvir o que diz Fiodor Lukianov, brilhante analista político russo, diretor da revista "Russia in Global Affairs", muito bem relacionado no Kremlin. Na sexta-feira (13), em Roma, Lukianov fez, diante da assembleia anual do think tank European Council of Foreign Relations, uma elucidação fascinante sobre o pensamento putiniano, esse universo insondável que todos tentam analisar obsessivamente. O presidente russo, explica Fiodor Lukianov, não quer nada menos que a volta à estaca zero do fim da Guerra Fria.
Lembrem-se de que na euforia do colapso do bloco soviético, vimos emergir uma nova ordem mundial, baseada nos valores ocidentais. Na Europa, essa ordem assumiu os contornos da UE. "Era essa a nova ordem mundial", lembra Lukianov. "Gorbachev disse, Bush disse e nós dissemos. Durante um breve período de romantismo democrático, os russos acreditaram nisso. Depois a realidade mostrou que não era tão simples assim."
Duas décadas e três presidentes (Yeltsin, Medvedev e Putin) depois, os russos perguntam: "Mas de que ordem mundial vocês estão falando?". Para Fiodor Lukianov, nenhuma ordem mundial emergiu da guerra fria: em princípio, após uma guerra um acordo entre vencedores e vencidos estabelece novas regras, baseadas nas ideias dos vencedores, mas formalmente aceitas pelos vencidos. Só que "a guerra fria não era uma guerra de verdade, portanto não houve um acordo de paz de verdade." A UE estabeleceu suas próprias regras "e considera que elas devem ser aplicadas progressivamente a todo mundo". O problema é que a Rússia não concordou. "É esse o elemento-chave da política de Putin, talvez não formulado", ele diz, "voltar ao ponto de partida e renegociar o fim da guerra fria."
"E agora?"
Pouco importa que todo um arsenal de textos, tratados, cartas e outros memorandos rejam as relações entre os países europeus e a Rússia, herdeira da União Soviética. Quase todos esses textos, ressalta Lukianov, haviam sido negociados pela URSS. "A Carta de Paris foi assinada em 1990 por Gorbachev e pela URSS. Um ano depois, a URSS acabou. Os europeus logo abandonaram algumas das garantias dadas a Gorbachev sob pretexto de que a situação estratégica havia mudado, o que era verdade. Mas então, se ela mudou para você, por que ela não teria mudado para o país que sucedeu a União Soviética, e que é um país diferente?" Quanto ao memorando de Budapeste de 1994, que garantia a integridade territorial da Ucrânia em troca da cessão à Rússia de suas armas nucleares herdadas do exército soviético, somente seu setor nuclear interessava aos Estados Unidos, e "ninguém o ratificou".
Então por qual nova ordem mundial Putin quer substituir a antiga? Isso é mais complicado. O que é certo é que as regras não devem mais ser impostas pelos mesmos atores, que produziram muitos descontentes em todo o mundo.
Certos ministros europeus presentes em Roma engasgaram ao ouvirem dizer que não havia tido acordo no final da guerra fria e refutaram os argumentos do analista russo. Outros se preocuparam mais com o futuro: "E agora?" Agora, eles disseram, não podemos recuar no acordo de associação da UE com a Moldova e a Geórgia. Mas tampouco podemos deixar nossa vizinhança oriental se tornar um campo de confrontos com a Rússia. "Uma reflexão profunda de nossa parte é essencial", disse um deles. Certamente esse momento chegou.

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