O projeto Maia
Maia pode ser instrumento de muitos interesses, mas convém não esquecer que foi eleito por 53 mil votos minguados
Carlos Andreazza - O Globo
Rodrigo Maia
só é presidente da Câmara, reeleito em fevereiro deste ano, como
produto de mais um golpe na Constituição (parágrafo 4º do artigo 57) e
de um bico no regimento interno (artigo 5º) da Casa que comanda. Os
textos são expressos: numa mesma legislatura, num período de quatro
anos, ninguém pode ocupar o mesmo cargo, na Mesa Diretora da Câmara,
duas vezes seguidas.
Devedor de Michel Temer para que lá chegasse,
Maia concluiu o mandato de Eduardo Cunha — e lhe herdou os limites.
Tinha conhecimento disso ao se projetar como candidato a tampão. Só se
reelegeu porque o Supremo — essa corte estranha, que toma prerrogativas
constitucionais do Legislativo quando não pode, mas que faz corpo mole
quando um Poder distorce a leitura da Carta Magna de que deveria ser
guardião — deixou passar.
E aí está: Maia, empoderado por manobra
ilegal, muito à vontade para confessar ter extrapolado a função
protocolar de presidente da Câmara (de modo a derrubar a primeira
denúncia contra Temer) somente para exibir sua força — e isso com a
intenção de ameaçar o presidente da República. Ou terá querido dar
recado diferente ao dizer — em resposta ao advogado Eduardo Carnelós —
que, depois de tudo o que fizera por Temer, aquilo de que se julgava
vítima não era aceitável e que, a partir de então, cumpriria
exclusivamente seu papel institucional?
Oi?
Que “tudo” é
esse? O que fez Maia — por Temer — para além do que estritamente lhe
cabia? Sabe-se agora que pretende ser apenas o presidente da Câmara
acerca da segunda denúncia contra Temer. Ok. Mas: será essa doravante
uma condição estável, ou algo pode fazer com que mude e possa novamente,
aqui ou acolá, dar uma força ao presidente ou a qualquer outro
enrolado?
Noto, à margem, que o motivo do conflito foi a
publicação, no site da Câmara, de vídeos com a delação de Lúcio Funaro.
Material que a assessoria de Edson Fachin, diante do imbróglio,
formalmente comunicou estar sob sigilo, mas que continuaria disponível,
no mesmo lugar, como se não consistisse numa afronta a uma determinação
do Judiciário. Mesmo, porém, que não houvesse sigilo: nada obrigava a
Câmara a dar publicidade aos vídeos. Se o fez, a responsabilidade é de
seu presidente — e é natural que se leia no fato, na semana em que a
Casa trata da denúncia contra Temer, um gesto autoritário para efeito
político.
Sei que o homem é querido por gente influente, fonte
farta para o jornalismo de fofoca e interlocutor privilegiado do mercado
financeiro. Aécio Neves também o era. E isso serve de alerta a Maia.
Para que não se deslumbre; não se tenha em conta desproporcional. Leio,
por exemplo, que sua gestão à frente da Câmara é considerada excelente,
embora ninguém saiba explicar por que nem tampouco declinar por quem.
A
valoração sobre um bom comando da Casa — num juízo honesto
intelectualmente — deveria decorrer da percepção de que há uma agenda
positiva para o país se desenvolvendo ali. Mas isso há? Qual é a agenda
atual da Câmara para o Brasil? Qual é a diretriz de Maia para a Câmara?
Que perfil tem a instituição hoje que a difira daquela dirigida por
Cunha?
O esforço para o estabelecimento do teto de gastos públicos
remonta ao final de 2016, na vigência ainda do mandato-tampão, antes de
algum arrivista difundir a ideia de que Maia presidir o país seria a
solução. E de lá pra cá? Ele foi reeleito em fevereiro — e temos já oito
meses em que esteve diariamente nas manchetes não para o debate sobre
as reformas (nesse período, só a trabalhista prosperou), mas em futricas
relativas à sua relação com Temer, derivadas do surto de grandeza
segundo o qual, “CEO do Brasil”, pode polarizar com o presidente da
República.
É tudo muito cafona e pequeno. Há, contudo, método no
projeto de se manter em evidência seja como for, ascendendo
artificialmente — Parlamento como escada — enquanto a Câmara vai
paralisada. O plano é óbvio. Maia pode ser instrumento a interesses
vários, daí por que inflados os seus dotes, mas ainda é — e tem
consciência de que é — deputado federal de apertados 53 mil votos, cuja
eleição à presidência da Câmara se deu no vácuo oportunista de uma das
maiores crises da história da Casa e em cuja gestão se aprovou, sob a
anarquia do que se chamou de reforma política, o sonho maior do petismo:
o financiamento público de campanhas eleitorais.
Ele pode até dar
corda para que se especule a respeito, mas sabe que não tem densidade —
voto — para ser governador. Nem senador. Sabe também que a superfície
sobre a qual tenta encorpar o DEM é frágil e que, se bem-sucedido,
garantirá, no máximo, a vaga de vice na chapa presidencial do PSDB.
Com
seu investimento em aparecer, Maia quer apenas se reeleger, mas com
votação expressiva, entre as maiores do Estado do Rio de Janeiro, e
depois ser reeleito presidente da Câmara. Afinal, também ele tem motivos
para não arriscar eleitoralmente em 2018 — ou não está citado nas
delações da Odebrecht que podem lhe valer uma denúncia a qualquer
momento?
Como qualquer outro, quer — precisa — manter o foro
especial. Não está onde está por suas qualidades distintivas, mas por
ser representativo.
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