domingo, 1 de junho de 2014

Imigrantes nos EUA ouvem duas histórias totalmente opostas sobre si mesmos
Anand Giridharadas - INYT 
Saul Loeb/AFP
10.abr.2013 - Milhares de manifestantes se reúnem em frente ao Congresso dos Estados Unidos, em Washington, em protesto contra a deportação de imigrantes que residem em condição ilegal no país 10.abr.2013 - Milhares de manifestantes se reúnem em frente ao Congresso dos Estados Unidos, em Washington, em protesto contra a deportação de imigrantes que residem em condição ilegal no país
Os imigrantes nos Estados Unidos ouvem duas histórias diametralmente opostas sobre si mesmos atualmente: de que eles são a raiz dos problemas do país, e de que são os únicos que podem resolvê-los.
Um dia eles ouvem o governador de Michigan propor destinar vistos para 50 mil imigrantes altamente capacitados para ajudar a revitalizar Detroit, cujos moradores vêm abandonando a cidade em rebanho há décadas.
No outro dia ouvem que o presidente Obama deportou mais imigrantes ilegais do que qualquer outro presidente.
Um dia ouvem grupos empresariais, liderados pelo ex-diretor da America Online Steve Case, fazendo lobby por mais vistos para pessoas inteligentes e motivadas dispostas a construir um futuro nos Estados Unidos. "Se você quer mais empregos, você deve querer mais imigrantes", era o título de um dos artigos de defesa escritos por Case.
E no outro dia ouvem sobre os xerifes, caçando trabalhadores sem documentos para mandá-los para fora ou sobre grupos "justiceiros" de fronteira, que decidiram lidar com o problema da travessia ilegal da fronteira com as próprias mãos.
Essa ambivalência em relação aos imigrantes em um país definido por eles se deve em parte à distinção entre aqueles que entram no país legalmente e aqueles que não.
Também pode ser uma função da geografia econômica, uma vez que as regiões que se beneficiam amplamente do trabalho de baixo custo ou da importação de habilidades necessárias veem os imigrantes de forma muito diferente daquelas que não se beneficiam.
Mas isso também mostra como os EUA esperam tantas coisas – e tão contraditórias – dos imigrantes.
Queremos que eles trabalhem mais duro do que nós, que injetem nova energia na república, mas que não tomem nossos empregos. Queremos que eles misturem a cultura deles no nosso caldeirão, mas que não mudem quem somos. Queremos que eles ajudem a sustentar a autoimagem dos EUA como uma nação que acolhe as massas cansadas e aglomeradas, mas não queremos que as pessoas cansadas e aglomeradas usem os benefícios sociais e aumentem nossa dívida. Queremos que eles provem para nós e para o mundo que qualquer pessoa com determinação pode ascender a partir de uma origem pobre, mas preferiríamos que eles já fossem engenheiros com um emprego quando chegassem aqui.
Essas atitudes contraditórias pairam sobre Washington à medida que o Congresso e Obama trabalham em ímpetos intermitentes de atividade em uma importante lei de imigração.
Ela tem como objetivo lidar com muitos tipos de situações de imigrantes ao mesmo tempo: aqueles que estão ilegalmente no país, aqueles que vêm para estudar e têm dificuldades de permanecer e abrir empresas; e aqueles cujos crimes ameaçam seus vistos.
Esses são, em certa medida, desafios tecnocráticos. Mas por trás deles há uma conversa mais ampla e difícil sobre se os EUA continuam comprometidos com sua fórmula notável de se manter vigorosos e grandes permitindo-se passar, mais uma vez e sempre, para outras mãos.
Se o objetivo for a coesão social, esta não é a fórmula mais fácil. Difícil ser tão aberto para o mundo e manter um fio de nacionalidade: o fio que, nas palavras do poeta William Stafford, "passa por entre/as coisas que mudam. Mas ele não muda."
Aqueles que são a favor da imigração irrestrita podem estar negando a dificuldade de seguir este fio.
O escritor Martin Amis colocou a questão que flutua sobre os EUA uma vez da seguinte forma: "somos uma coleção de imigrantes, ou somos um país com uma alma e uma identidade?" Se sua resposta for a última, como o país deveria admitir pessoas novas de uma forma que preencha, em vez de diluir, esta condição?
Oponentes fervorosos da imigração podem da mesma forma estar negando a ironia central disso tudo: que em um país povoado por ondas após ondas de imigrantes, importar novos habitantes, apartados de suas próprias histórias, pode ajudar a manter a característica da nação - com continuidade.
Alguns dias atrás em Ellis Island, o histórico porto de imigrantes, um grupo chamado Coalizão Étnica Nacional de Organizações conferiu prêmios, muitos para norte-americanos que estão no país pela primeira ou segunda geração.
Em seus discursos e rituais militares, foi o encontro mais desavergonhadamente patriótico ao qual compareci em um bom tempo. Mas foi de um patriotismo especialmente norte-americano: não o patriotismo do território ou da terra natal, ou do solo ou culturas superiores, mas um patriotismo de abertura – animado pela fé na capacidade de absorver qualquer um, transformá-lo em um norte-americano, e torná-lo um de seus melhores cidadãos.
Tradutor: Eloise De Vylder

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