sábado, 31 de janeiro de 2015

A nova estratégia americana na Síria
De olho numa ameaça maior e um inimigo que se espalha rapidamente pela região, os EUA deslocaram seu alvo de Bashar al-Assad para o Estado Islâmico
O Globo
A disseminação de grupos extremistas da jihad islâmica no Oriente Médio levou os EUA a uma mudança de estratégia em relação à Síria. Desde 2011, no início da insurgência contra Bashar al-Assad, na esteira da Primavera Árabe — que derrubou os regimes de Tunísia, Líbia e Egito —, Washington fez da deposição do ditador sírio uma de suas bandeiras de luta na região. Porém, apoiado por Irã, China e principalmente Rússia, que possui base militar no país, al-Assad resistiu às pressões por sua saída e a Síria mergulhou numa guerra civil que parece não ter fim, deixando milhares de mortos e mais de três milhões de refugiados.
Bashar al-Assad faz parte de uma dinastia que desde 1971 governa o país com mão de ferro, apoiada nas Forças Armadas e milícias leais. O regime iniciado por seu pai, Hafez al-Assad, reprime liberdades civis, embora mantenha uma gestão laica. Desde o início das revoltas, os insurgentes reivindicam eleições livres, liberdade de imprensa e respeito aos direitos humanos. O governo reagiu atacando violentamente as manifestações. A Liga Árabe, tentando mediar o conflito, esboçou uma proposta de acordo de paz, mas Assad rejeitou, afirmando que combatia terroristas.
Os EUA, a UE e outras potências ocidentais apoiaram o movimento contra o regime sírio, aplicando sanções econômicas. Bashar al-Assad foi inclusive acusado de usar armas químicas contra os rebeldes e a população civil, provocando o êxodo de milhões de pessoas. Segundo a ONU, as milícias pró-regime perpetraram massacres de civis. Estima-se que 190 mil pessoas já morreram no conflito, das quais mais da metade são civis.
No intricado xadrez político da região, além das forças leais a Bashar al-Assad, que incluem Hezbollah, alauitas, uma minoria cristã, e elites sunitas, os rebeldes da Frente Islâmica, principal grupo insurgente, também enfrentam divisões internas, que diluem sua força. São cerca de dois mil grupos combatentes independentes entre si, e até um braço da al-Qaeda — a Frente al-Nosra. Somam-se a isso rivalidades étnicas entre sunitas e xiitas, e interesses estratégicos de atores importantes da região, como o Irã e a Arábia Saudita.
É esse complexo quebra-cabeça que levou os EUA a mudarem sua conduta no conflito. Embora continue sustentando, na retórica diplomática, que uma solução de paz duradoura na Síria passa pelo fim da dinastia Assad, na prática, Washington passou a apoiar uma mudança bem mais gradual. Um sinal disso é o acordo secreto que permitiu que caças americanos usassem o espaço aéreo sírio para atacar posições do Estado Islâmico no Iraque. Os EUA concluíram que a queda de Assad, presidente de um governo repressivo, porém laico, criará um vazio institucional perigoso num momento em que cresce na região a influência do ultrarradicalismo jihadista do Estado Islâmico. A ameaça é de tal ordem que EUA, Assad, Irã, Hezbollah e os rebeldes sírios se uniram contra um inimigo comum e maior, sem prejuízo de suas divergências.

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