sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

China restringe ainda mais internet e dificulta vida de designers, estudantes e cientistas
Andrew Jacobs - NYT
How Hwee Young/Efe
Jovem usa computador em cibercafé de Pequim Jovem usa computador em cibercafé de Pequim
Jing Yuechen, a fundadora de uma startup de internet aqui na capital chinesa, não tem interesse em derrubar o Partido Comunista. Mas atualmente ela se vê xingando a asfixiante ciberpolícia do país enquanto tenta –sem sucesso– navegar por sites de compartilhamento de fotos como Flickr e tem dificuldade em manter contato pelo Facebook com amigos que ela fez durante viagens à França, Índia e Cingapura.
O Gmail se tornou quase impossível de usar aqui, e nas últimas semanas as autoridades arruinaram o Astrill, o programa do qual Jing e inúmeros outros dependiam para contornar as restrições à internet, que analistas de segurança ocidentais chamam de o Grande Firewall.
Mas ao interferir com o Astrill e várias outras "redes privadas virtuais" (ou VPN, na sigla em inglês), o governo complicou a vida dos astrônomos chineses que buscam os mais recentes dados científicos do exterior, designers gráficos que compram clip art no Shutterstock.com e estudantes que se candidatam online a universidades americanas.
"Se fosse legal protestar e atirar ovos podres na rua, eu certamente faria isso", disse Jing, 25.
A China há muito conta com algumas das mais onerosas restrições à internet no mundo. Mas até agora, as autoridades vinham tolerando a proliferação de VPNs como uma tábua de salvação para milhões de pessoas, de arqueólogos a investidores estrangeiros, que realmente dependem muito de acesso mais livre à internet.
Mas nesta semana, após várias empresas de VPN, incluindo a StrongVPN e a Golden Frog, se queixarem de que o governo chinês bloqueou seus serviços com sofisticação sem precedente, um alto funcionário reconheceu pela primeira vez a mão do governo nos ataques e prometeu implicitamente mais do mesmo.
A medida para incapacitar algumas das VPNs mais usadas provocou uma torrente de ultraje entre artistas de vídeo, empreendedores de tecnologia e professores universitários, que reclamam que em sua busca pela chamada "soberania na internet" –o eufemismo de Pequim para filtragem online– o Partido Comunista está emperrando a inovação e a produtividade necessárias para reanimar a economia chinesa em um momento de desaceleração do crescimento.
"Eu preciso permanecer ligado no restante do mundo", disse Henry Yang, 25, o editor de notícias internacionais de uma empresa estatal de mídia, que usa o Facebook para acompanhar apresentadores como Diane Sawyer, Ann Curry e Anderson Cooper. "Me sinto como se fôssemos rãs sendo cozidas lentamente em uma panela."
Empresas multinacionais também estão alarmadas com as crescentes restrições online. Especialmente preocupante, elas dizem, são as novas regulações que forçariam empresas de tecnologia e telecomunicações estrangeiras a dar ao governo "portas dos fundos" para seu hardware e software, e obrigá-las a armazenar dados dentro das fronteiras da China.
Assim como seus pares chineses, os proprietários de empresas ocidentais se queixam de sua incapacidade de conseguir acesso a muitos serviços do Google desde meados do ano passado. Há poucas semanas, o governo bloqueou o acesso ao Gmail em smartphones por meio de serviços de e-mail de terceiros, como Apple Mail ou o Microsoft Outlook.
A recente incapacitação de várias VPNs amplamente usadas dificulta para que funcionários de empresas usem programas colaborativos como o Google Docs, apesar de algumas pessoas terem encontrado soluções alternativas –por ora.
"Um resultado infeliz do controle excessivo sobre e-mail e tráfego de internet é a desaceleração do comércio legítimo, algo que não é do interesse da China", disse James Zimmerman, presidente da Câmara de Comércio Americana na China. "Para atrair e promover empreendimentos comerciais de classe mundial, o governo precisa encorajar o uso da internet como meio crucial para compartilhamento de informação e ideias, para promoção do crescimento econômico e desenvolvimento."
As autoridades chinesas há muito dispõem da habilidade de interferir nas VPNs, mas seu interesse em incapacitar esses programas cresceu juntamente com a busca pelo governo da chamada cibersoberania, especialmente desde que o presidente Xi Jinping chegou ao poder há dois anos. Lu Wei, a autoridade de propaganda que Xi nomeou como czar da internet, não tem se contido na promoção da noção de que a China tem o direito de bloquear uma grande quantidade de conteúdo online.
Um cofundador da Greatfire.org, que monitora a censura online na China, sugeriu que o governo decidiu que o crescente uso de VPNs entre os chineses comuns justificava um ataque mais agressivo ao software.
"Esse é apenas o próximo passo lógico", disse o cofundador, que pediu anonimato para evitar escrutínio do governo. "As autoridades estão ávidas em estabelecer a cibersoberania na China. Se você olhar para o que ocorreu desde meados do ano passado, é estarrecedor."
As autoridades do governo negam qualquer papel no bloqueio do Google e rejeitam as acusações de que autoridades chinesas estejam por trás de um ataque ao Outlook duas semanas atrás, assim como incidentes anteriores de hacking aqui envolvendo Yahoo e Apple.
Mas tais alegações têm, em geral, caído em ouvidos surdos, especialmente dada a campanha estridente de Pequim contra "forças estrangeiras hostis" que diz estarem buscando minar o país por meio da internet.
Na terça-feira (27), entretanto, um alto funcionário do Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação reconheceu que o governo está visando as VPNs para promover um "desenvolvimento saudável" da internet do país e anunciou que um software desse tipo é basicamente ilegal na China. "O país precisa de novos métodos para lidar com novos problemas", disse Wen Ku, um diretor do ministério, em uma coletiva de imprensa, segundo o "Diário do Povo".
A grande maioria dos usuários chineses de internet, especialmente aqueles não fluentes em inglês e outras línguas estrangeiras, tem pouco interesse em saltar o firewall digital. Mas aqueles que desejam acesso a uma internet não filtrada são as mesmas pessoas com as quais Pequim conta para transformar a economia manufatureira de bens de baixo custo em uma alimentada por inovação empresarial.
Para ilustrar essas contradições, o governo central anunciou nesta semana uma série de programas que buscam atrair mais talentos estrangeiros por meio do relaxamento das exigências de visto e outros incentivos.
"Nós temos que nos focar nas metas estratégicas do país e atrair talento de alto nível para iniciarem empreendimentos inovadores na China", disse Zhang Jianguo, diretor da Administração Estatal de Assuntos de Especialistas Estrangeiros, que lamentou a escassez de cientistas e empreendedores de tecnologia no país.
Essas metas, entretanto, não serão auxiliadas pelos mais recentes ataques ao acesso à internet, dizem os críticos. Avery Goldstein, um professor de estudos chineses contemporâneos da Universidade da Pensilvânia, disse que as crescentes restrições online não apenas dissuadem estrangeiros de se mudarem para cá, como também levam jovens chineses ambiciosos estudando no exterior a procurarem oportunidades de emprego em outros lugares.
"Se não puderem obter a informação para realização de seu trabalho, os melhores dos melhores simplesmente decidirão não voltar para casa", ele disse.

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