sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Peña Nieto quer enterrar caso Iguala 
Famílias das vítimas rejeitam a "verdade histórica" oficial 
Jan Martínez Ahrens - El País
Os 43 estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa deixaram o mundo dos desaparecidos e entraram oficialmente no dos mortos. Desde quarta-feira (28), as autoridades mexicanas os consideram falecidos e afirmam, já sem dúvida, que foram detidos, assassinados e incinerados. E tudo por causa de uma terrível confusão: os bandidos da Guerreiros Unidos os tomaram por integrantes de um cartel rival, Los Rojos (Os Vermelhos).
Essa conclusão, rejeitada pelas famílias, que exigem uma "demonstração científica", abre caminho para o encerramento de um caso que convulsionou o país e cuja persistência nas primeiras páginas, alimentada pelas dúvidas sobre a investigação oficial, o havia transformado em um hóspede incômodo para o Executivo. Um foco de erosão e protesto diante do qual o presidente Enrique Peña Nieto, cujo nível de aceitação popular atinge mínimos históricos, decidiu virar a página: "Estou convencido de que este instante, este momento da história do México, de pena, tragédia e dor, não pode nos deixar presos, não podemos parar aí."
Neste novo capítulo, desempenhou um papel fundamental a recente detenção de Felipe Rodríguez Salgado, conhecido como Cepillo (Escova). Esse bandido da Guerreiros Unidos foi o homem que, segundo confissão própria, recebeu a instrução de seu chefe para liquidar os estudantes. O núcleo de sua declaração chocante fala por si só: "O Chucky [seu chefe] me telefonou e me disse que iam me entregar dois pacotes com detidos e que eram dos Vermelhos. Eram entre 38 e 41, não os contei; alguns estavam amarrados ou algemados, e outros agredidos e ensanguentados. Ao chegar ao depósito de lixo de Cocula, tiramos os estudantes das caminhonetes. Percebi que alguns, os que estavam embaixo, já tinham morrido, creio que por asfixia. Restavam vivos uns 15 ou 18 estudantes. Disse ao Pato que se encarregasse de tudo, de entrevistá-los e executá-los, e que destruísse tudo. O Pato já tinha deitado quatro detidos e disparou em suas nucas."
Com essa confissão explosiva na mão, o governo mexicano decidiu pôr um ponto final nas especulações sobre o caso. Para isso, ofereceu um resumo das investigações efetuadas (487 relatórios periciais, 386 declarações, 99 detidos, 95 telefones celulares grampeados, 14 batidas...) e esboçou um quadro final, "uma verdade histórica" do que ocorreu, e que, na essência, corresponde à reconstrução conhecida desde novembro passado.
O relato começa na tarde de 26 de setembro, quando os normalistas entraram em Iguala (Estado de Guerrero) para arrecadar fundos para suas atividades. Sua chegada a uma localidade submetida ao império da Guerreiros Unidos não passou despercebida. Os bandidos alertaram seus chefes, entre eles o próprio prefeito e sua esposa. A polícia municipal, um terminal do narcotráfico, iniciou então uma feroz perseguição, que deixou sobre o asfalto seis mortos e permitiu a captura de 43 estudantes aterrorizados. Para apagar as pegadas, os pôs nas mãos dos agentes de Cocula, igualmente corruptos. Os bandidos estavam convencidos de que entre os normalistas havia membros do cartel rival, os Vermelhos, e quando lhes foram entregues se passou da caça ao extermínio.
Apesar dos depoimentos, a intenção governamental de virar a página será difícil de cumprir. O próprio promotor-geral reconheceu que, enquanto não forem detidos todos os envolvidos, a investigação continuará aberta. Entre os fugitivos estão os chefes de polícia de Iguala e Cocula e também os subchefes da Guerreiros Unidos que deram a ordem de matar os estudantes. Seus depoimentos são chaves para solucionar as últimas dúvidas. A fundamental: por que os bandidos tomaram os estudantes por um cartel rival?
Também não será fácil para o governo, em pleno ano eleitoral, restaurar a confiança. Os escândalos imobiliários o debilitaram diante da opinião pública, e as famílias dos falecidos rejeitam as teses oficiais. Com os ânimos crispados, a fogueira dificilmente se apagará. 
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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