sábado, 31 de janeiro de 2015

Como dados ruins alimentaram a epidemia de ebola na África
Rachel Glennerster, Herbert M'cleod e Tavneet Suri - TINYT
Zoom Dosso/AFP
O surto de ebola no oeste da África teve início em Serra Leoa em maio de 2014, seguido por uma explosão de casos em Freetown, a capital, no último trimestre. A epidemia agora soma mais de 10.500 casos por toda Serra Leoa, com sinais de que sua disseminação está diminuindo.Os primeiros dias da crise foram caracterizados por um senso de medo, ansiedade e alarme, regional e global. Em Serra Leoa, em setembro, um bloqueio nacional de três dias liderado pelos militares alimentou o medo no oeste da África e além. Muitos voos que partiam de países africanos não afetados foram restringidos. Estudantes africanos foram impedidos de frequentar algumas escolas americanas e ocorreram inúmeros relatos de discriminação contra africanos por todo o globo. Imagens de funcionários de saúde em trajes protetores plenos se tornaram um símbolo ubíquo do pânico.
Relatos enganosos, especulação e projeções ruins por parte das agências internacionais, ministérios de governo e pela mídia sobre o surto do ebola exacerbaram o problema. O medo causado pelos relatos dramáticos, que acentuavam o negativo, minou a confiança, tornou mais difícil encorajar as pessoas a buscarem atendimento, e afastou a atenção das áreas urbanas de Serra Leoa, onde dados sugerem que os efeitos econômicos do ebola se concentravam.
Dados válidos, críveis e oportunos são essenciais durante uma crise global. Sem dados confiáveis, os esforços para auxiliar as pessoas afetadas e reconstruir as comunidades afetadas podem ser mal direcionados e ineficientes.
Um exemplo de como os dados apresentados eram enganadores foi a escolha da OMS (Organização Mundial da Saúde) de relatar que de abril a agosto a taxa de mortes pelo ebola tinha subido 90%, quando a taxa real de mortos por essa epidemia com base nos casos confirmados, mesmo no início na Guiné, em março de 2014, era de cerca de 70% –ainda longe de tranquilizador, mas melhor do que uma morte quase certa. Alertar as pessoas da probabilidade de morte não é uma boa forma de encorajá-las a buscar atendimento.
Tanto a OMS quanto os CDC (Centros para Controle e Prevenção de Doenças, na sigla em inglês) julgaram mal a forma como a doença evoluiria. Inicialmente lentas em avaliar a gravidade do surto, a OMS e os CDC posteriormente exageraram os casos prováveis. Os CDC projetaram que até 1,4 milhão de pessoas poderiam ser infectadas na Libéria e Serra Leoa até janeiro de 2015. (Até 27 de janeiro, 19.140 casos foram relatados nos dois países.)
Alegações imprecisas e implausíveis sobre o impacto econômico reduziram ainda mais a confiança da população, o que teve suas próprias consequências econômicas.
Por exemplo, em agosto, um alto funcionário do governo de Serra Leoa teria dito que o PIB (produto interno bruto) de seu país tinha caído 30%, um número que era implausível, considerando que a crise tinha apenas poucos meses e que mesmo durante a devastadora guerra civil de Serra Leoa, o PIB real caiu apenas 5% em média por ano.
Em outubro, o Banco Mundial estimou que os custos associados ao ebola para o oeste da África como um todo poderiam chegar a US$ 32,6 bilhões, uma estimativa que foi revisada para baixo neste mês para no máximo US$ 6 bilhões. Quando a população antecipa tempos ruins, elas reduzem os gastos supérfluos e economizam mais, intensificando os efeitos do choque.
Enquanto isso, a imprensa local e internacional estava repleta de relatos de alta de preços dos alimentos, enquanto pesquisas pelo Centro Internacional de Crescimento e Inovações para Redução da Pobreza realizadas nos mercados por toda Serra Leoa (realizadas mensalmente de agosto a dezembro de 2014) mostravam que os preços estavam se mantendo de acordo com o ano anterior.
Um problema dos cenários apocalípticos é que quando dados confiáveis são finalmente divulgados –como ocorreram neste mês– os números reais podem parecer pequenos e insignificantes em comparação às previsões anteriores.
Eles não são. Em Serra Leoa, as área urbanas em particular foram seriamente atingidas. O percentual de arrimos de família "sem trabalho na semana anterior" subiu de 25% em julho/agosto para 33% em novembro. Essa redução no emprego está ocorrendo em um dos países mais pobres do mundo, com poucas redes de segurança formais. Pouco mais de um quarto dos arrimos de família trabalha em atividades não agrícolas. Nas empresas desse setor, as receitas caíram 40% ao longo desse período e a taxa de falências nos últimos seis meses triplicou.
A economia informal é particularmente vulnerável ao medo incitado pelos dados ruins. Quando o futuro é incerto, as pessoas cortam pequenos luxos, como a compra de guloseimas na rua ou ir ao cabeleireiro, mas essas atividades são o esteio do setor de empreendimentos não agrícolas. Esse setor também foi atingido duramente pelas restrições do governo aos transportes, mercados, bares e restaurantes.
Por que as projeções foram tão ruins? Em parte, porque é difícil coletar bons dados em uma crise. Mas também, nós acreditamos, porque manchetes dramáticas dão melhores histórias. As agências enfrentam incentivos assimétricos: será que enfrentarão mais críticas por subestimar ou por exagerar o impacto de uma emergência? Ao lutarem para levantar fundos para uma crise em um mundo cansado de alarmes, a tentação é focar na faixa superior das estimativas plausíveis.
Mas o foco coletivo no pior cenário pode tornar as pessoas fatalistas, minando os esforços para prevenir a doença de se disseminar. Também tem um efeito negativo sobre a economia e torna mais difícil para aqueles que buscam levantar dinheiro para futuras crises. Fontes e avaliações independentes de dados são vitais para nosso entendimento e resposta a crises.
Atualmente há sofrimento real em Serra Leoa e muito o que a comunidade internacional pode fazer, mas precisamos ter uma visão clara e equilibrada dos problemas se quisermos ajudar de forma eficaz.

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