sábado, 28 de fevereiro de 2015

Como o “The Guardian” passou de jornal local a mídia global 
Grupo escolherá um novo diretor de Redação para acompanhar suas profundas mudanças 
Alexis Delcambre e Alexandre Piquard - Le Monde
"Não somos mais um maravilhoso pequeno jornal local, mas sim uma empresa digital de envergadura global". Foi assim que Liz Forgan, presidente do Scott Trust, a empresa de fins não lucrativos detentora do "The Guardian", resumiu a trajetória do jornal britânico comandado por Alan Rusbridger, seu redator-chefe desde 1995, que deixará o cargo no próximo verão.
Na última quarta-feira (25), os cerca de 650 jornalistas do Guardian Media Group ouviram os quatro candidatos internos à sucessão de Rusbridger, para a qual 26 postulantes se apresentaram. O Scott Trust deve nomear, até o final de março, o novo diretor de Redação do grupo.
Ao jornal de quase 200 anos de idade se juntaram, ao longo dos anos, um semanário ("The Observer"), um site poderoso (theguardian.com) e, recentemente, suas versões americanas e australianas. Agora se pode trabalhar para o "The Guardian" longe do bairro de King's Cross, em Londres: quase sessenta funcionários vivem em Nova York e outros mais de trinta em Sydney.
"Nós viajamos muito de avião", dizia sorrindo em dezembro de 2014 Wolfgang Blau, diretor de estratégia digital, em uma entrevista concedida ao "Le Monde". Recrutado na Alemanha, ele é um dos quatro candidatos internos à sucessão de Rusbridger, e o único homem.
Os leitores do "Guardian" também estão em todos os continentes. Em setembro de 2014, seus sites receberam 42 milhões de visitantes (segundo a Comscore, fora o tráfego móvel), ou seja, a quarta maior audiência mundial para um veículo de mídia anglófono, atrás do "Huffington Post", da CNN e do Mail Online, e à frente do "New York Times".
A audiência americana do site agora é igual à registrada no Reino Unido.
Nos Estados Unidos o "Guardian" começou a se destacar a partir da era George W. Bush, nos anos 2000, quando internautas americanos se voltaram para ele para ter acesso a um tratamento mais "liberal" – no sentido anglo-saxônico – de assuntos internacionais.
O que era um acaso da história se tornou uma estratégia.
"A internet favorece os gigantes e os nanicos, deixando pouco espaço para os atores de porte intermediário", alega Wolfgang Blau.
"Mas os jornais muitas vezes se encontram nessa última categoria. Para enfrentar a concorrência, é preciso ser um ator global com uma audiência maciça, o que representa dez ou vinte veículos de mídia em nível mundial."
Essa visão é atendida por uma doutrina editorial, o "open journalism", um jornalismo de acesso e diálogo livres com os leitores.
O "Guardian" é um dos últimos sites a conceder um espaço central aos comentários de internautas e a investir em uma plataforma de debate, o "Comment is free".
De maneira emblemática, a dimensão "global" é um aspecto essencial no perfil do próximo editor-chefe.
"Nós queremos nomear um excelente jornalista, dotado de uma experiência global e digital", resumiu o Scott Trust, acrescentando que ele poderia vir de "qualquer país."
Todos os quatro candidatos internos que falaram na quarta-feira diante de seus pares preenchem esses requisitos.
Emily Bell dirigiu as atividades digitais do "Guardian" e depois o Tow Center, um centro de pesquisas em jornalismo digital criado na Universidade de Columbia, em Nova York.
Ex-redator-chefe do "Zeit Online", Wolfgang Blau também foi jornalista no Vale do Silício californiano, antes de ir para Londres em 2013.
Janine Gibson lançou a versão americana do "Guardian" em 2011.
Atual redatora-chefe do "Guardian US", Katharine Viner criou a versão australiana em 2013.
A expansão internacional também é alvo de debate entre os candidatos. Gibson defende uma continuidade dessa expansão; Blau, por sua vez, defende uma "moratória" para se concentrar no desenvolvimento do "Guardian" americano.
Essa expansão tem um custo. As atividades do "The Guardian" e do "The Observer" perderam 30 milhões de libras (mais de R$130 milhões) no exercício de 2013-2014 e o mesmo tanto no anterior. E isso apesar de um faturamento estável da versão impressa, de 140 milhões de libras, que é um desempenho razoável; o do digital cresceu 25%, indo a 69,5 milhões de libras (33% do total).

Absorver as perdas

Para enfrentar essas perdas, o grupo tem contado com suas outras atividades, entre elas sua participação de 32,9% no grupo de mídia e serviços Top Right (ex-Emap).
A empresa também vendeu algumas de suas participações externas e, sobretudo, no início de 2014, sua participação no site de anúncios de carros AutoTrader, garantindo-lhe um lucro de 550 milhões de libras. Em 2012, ela havia cortado sessenta postos de jornalistas.
As reservas do grupo hoje chegam a 842 milhões de libras, de onde ele espera tirar receita suficiente para absorver suas perdas.
A estratégia global do "Guardian" é uma aposta econômica, mas também um desafio editorial. Além da dificuldade de se administrar uma redação dividida em diferentes fusos horários, ainda há aquela de se oferecer um conteúdo que permaneça pertinente em cada país.
Para isso, o jornal conta com equipes locais. O desafio é especialmente grande para a seção de política, e menos para tecnologia e ciência, ressalta Blau.
"Idealmente, gostaríamos de ter o máximo possível de conteúdo produzido localmente, mas isso não é viável", ele diz.
O "Guardian" ressalta que a maior parte das grandes questões do momento "não são mais nacionais", alega Blau, citando o futuro da democracia, o aquecimento global, a imigração, o Estado Islâmico e a influência de plataformas como o Google e o Facebook.

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