sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O Brasil sofre de homonímia 
Flavio Morgenstern - IL
Caca ou não, as análises políticas estão recheadas de equívocos. No sentido etimológico do termo, ou seja, aequi + vox, chamar pelo mesmo nome dois fenômenos distintos, causando ambiguidade ao se usar a mesma palavra para tratar de coisas completamente diferentes.
flavio1Basta ver como foram interpretados dois eventos recentes. Na terça (24), no Rio de Janeiro, um grupo uniformizado com a camiseta do PT fez um ato “em defesa da Petrobras” (frise-se que esta foi a propaganda do ato, e não o motivo-em-si do ato, categorizado metafisicamente). Um homem que os criticou foi cercado pelos militantes uniformizados e agredido com socos, chutes e voadoras.
Na quinta-feira anterior (19), o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o pior ministro da Fazenda da história do país, incapaz de ser defendido até mesmo pela estrepitosa militância do PT, foi vaiado nas dependências do rico hospital Albert Einstein, em São Paulo. Reconhecido por menos de meia dúzia de pessoas sentadas no café do hospital, ouviu de algumas pessoas frases como “não tem vergonha, não?” e “vai pro SUS”, esta de uma senhora idosa que mal levantou a voz – sem ninguém sequer erguer-se das cadeiras.
flavio2O caso veio a público, por alguma razão misteriosa, exatamente na mesma terça-feira, através de sites que fazem propaganda para o PT em forma de “noticiário”.
Ambos os eventos foram descritos por jornalistas e defraudadores do ofício por palavras como “hostilidade”, “expulsão”, “espiral de intolerância”, “agressão”, “ataque” e afins, como se ambos os casos fossem da mesma espécie ou do mesmo gênero – como se tivessem características em comum que os igualassem no mesmo escalão, sendo então sempre comparados quando se comentasse os fatos relevantes da semana.
A linguagem possui muitas camadas subcutâneas, em uma capilaridade turbulenta que costuma até entrar em confronto consigo própria. O que jornais costumam fazer ao narrar um fenômeno de rivalidade entre dois grupos de pessoas é utilizar o que o poeta Ezra Pound chama de “linguagem de diplomatas”: um vocabulário abstrato, frio, genérico, etéreo e nuvioso, para evitar palavras fortes que possam ser tomadas como ofensivas a uma e outra parte.
Se tal linguagem serve a diplomatas, é justamente porque estes querem esconder suas verdadeiras intenções, vontades e opiniões do interlocutor, aferrando-se à cortesia, polidez e decoro do ambiente e da situação. No jornalismo, esta busca por uma falsa “isenção”, aliada à sua irmã-gêmea malévola, a proditória “neutralidade”, tem como resultado tratar o leitor como um pseudo-amigo que deve ser tapeado com luvas de pelica, para continuar considerando amável o seu charlatão.
Ora, o que aconteceu no evento da Petrobras no Rio de Janeiro e no hospital Albert Einstein em São Paulo são coisas absolutamente distintas, que apenas parecem ter algum aspecto em comum caso sua descrição seja esbulhada da sua situação real e recriada ad hoc com termos genéricos, num místico e brumaceiro mundo de palavras que podem significar uma coisa, talvez outra, porventura ainda outra, quiçá até o seu oposto.
flavio3No entanto, é com tal nomenclatura feita para tapear o interlocutor que as notícias chegam: houve “hostilidade” no evento na Petrobras e “confronto entre manifestantes e grupo de ativistas” (ainda que as imagens mais chocantes mostrem uma manada de militantes uniformizados com camisetas do PT cercando um único homem com repetidas agressões físicas), mas Guido Mantega também teria sido “agredido”, “expulso” (muitas vezes com felizes aspas do original), “atacado” (acrescido de “por oposição”, como se alguém estivesse pedindo votos anti-PT, ou mesmo com uniformes do PSDB ou de qualquer partido), “posto para fora”, “enxotado”, “escorraçado”, “rechaçado” – ainda que apenas tenha ouvido palavras desagradáveis sobre sua gestão da economia do brasileiro (digamos, uma “caca”), e tenha escolhido sem força nenhuma se retirar do local.
flavio4Assim, ambos os eventos, que são tão similares entre si quanto uma furadeira é análoga a uma berinjela, são antepostos lado a lado, como se guardassem similitudes em parecença, substância e consequências até em nível ontológico. Como se chamar uma agressão em bando, com socos, chutes e voadoras de militantes petistas uniformizados, e algumas pessoas perguntarem se Guido Mantega não tem vergonha de estar ali (sua saída do ambiente em segurança indica a resposta), fosse simplesmente “hostilidade”, por igual.
Um portal de notícias pró-PT, financiado por ninguém menos do que Daniel Dantas, o banqueiro que é síntese do sistema econômico de empresa-Estado na gestão petista, ao comentar sobre Mantega, tascou que a “intolerância política no Brasil atinge níveis inaceitáveis de incivilidade, que prenunciam um neofascismo no País; agressões têm sido promovidas por forças políticas que se mostram incapazes de conviver numa democracia”. Outro site afirma que eram “nazistas” (num hospital judaico, na típica inversão de carrasco e vítima do nazismo feita pela esquerda).
Um brasileiro perguntar se um ministro que esculhambou o bolso de todos os brasileiros “não tem vergonha” de usar um caro hospital particular enquanto prega o SUS para o povão, e pedir que ele utilize o mesmo sistema que propagandeia em troca de poder político, é “neofascismo”. Mesmo que sejam judeus na platéia, isto é “nazismo”. Pois é uma “agressão” (verbal). Portanto, quem somos nós, não-petistas, pessoas normais, para criticar a agressão em bando dos petistas “pró”-Petrobras?
O editor da revista petista Fórum, quase uma voz oficial do partido, Renato Rovai, ameaçou: “E se Guido Mantega tivesse reagido?”. Afirmou que o “legítimo direito de defesa democrático permitiria ao ex-ministro Mantega partir para cima dos seus agressores com um litro de água e sabão exigindo que eles lavassem a boca para se referir a ele”. Não se conhece nenhuma “legítima defesa” no Código Penal que permita tal agressão física contra quem quer que questione ou mesmo chame de “safado” um ministro em público.
flavio5Porém, para Rovai, o “radicalismo” e as “ações bárbaras” dos “fascistas”, que teriam feito com que o ex-ministro fosse obrigado a engolir ”a vergonha e a dor de ser tratado de forma tão violenta”, indica que essa gente “precisa ser desmoralizada e confrontada, porque eles estão ultrapassando todos os sinais da sensatez, da civilidade, do respeito ao próximo e da democracia”, afinal, “ninguém é obrigado a levar desaforo para casa. Não se pode mais em nome de não arrumar confusão deixar que os fascistas sigam fazendo seu trabalho de humilhação e de desconstrução dos direitos civis e políticos conquistados nesses país (sic) a duras penas.”
Não se sabe que dura pena teria qualquer pessoa sofrido para que houvesse o “direito civil” ou “político” de algum político se tornar inquestionável em público e poder enfiar fisicamente um litro de água e sabão na boca de alguém que ouse “se referir a ele”, ou de se proibir um xingamento levíssimo a qualquer político. Pelo contrário: as duras penas sofridas até hoje foram para limitar os poderes de políticos.
Assim, já que se pode descrever o evento do Albert Einstein como “agressão” (ainda que, na verdade, apenas por metáfora não violenta a uma verdadeira agressão), e o evento na Petrobras também como “agressão”, para o editor da revista Fórum, se Mantega tivesse “partido para cima”, ele “estaria mais do que certo”, pois teria “reagido como fizeram os sindicalistas”.
Chamar um político que retrai o PIB de “safado”, agora, é o mesmo “fascismo” dos membros de um Partido político que quer se tornar o próprio Estado, e que recusa qualquer iniciativa de limitar ou diminuir o poder político do Partido-Estado, agredindo pessoas na rua trajando uniformes, em bando, no 10 contra 1.
Este é um fenômeno lingüístico conhecido como homonímia. Trata-se de dois ou mais conceitos completamente diferentes, mas que são referidos em uma língua pela mesma palavra – como a manga da camisa e a fruta.
São as palavras mais buscadas e trabalhadas pela “linguagem de diplomatas” de Ezra Pound, pois permitem que se diga algo levando alguém a acreditar que um dito é de tal matiz, quando na verdade é de outro. Identificando o discurso vazio, falseador, ludibriador e oco de tal linguagem, Pound conseguia identificar poetas ruins, que eram puro palavrório sem conteúdo.
Lula é um ás nesta arte: basta lembrar que ele chamou a corrupção na Petrobras, da qual seu partido e seus indicados são os protagonistas, de “caca” – algo que diz respeito à sua própria gestão. Deixe-se os sinônimos de “caca” à verbalização imaginativa do leitor.
Homonímia é já o segundo estratagema da “dialética erística” de Arthur Schopenhauer, que busca explicar os meios pelos quais se usa os desvãos do pensamento para mentir e tapear o oponente: “Usar a homonímia para tornar a afirmação apresentada extensiva também àquilo que, fora a identidade de nome, pouco ou nada tem em comum com a coisa de que se trata; depois refutar com ênfase esta afirmação e dar a impressão de ter refutado a primeira.”
A diferença aplicada por seres humanos do escol de Renato Rovai, os blogs progressistas e até os jornalistas que se engabelam para não soarem “radicais” é que, na técnica denunciada por Schopenhauer, eram adversários terçando palavras – agora, são “informadores” e “formadores de opinião” que se fingem de amigos para incutir a Torre de Babel em uma língua só.
flavio6Agressão? A única agressão cometida pela política nessa semana foi do PT. Ou melhor, do PT e dos aliados do PT. Na vizinha Venezuela do déspota Nicolás Maduro, que já trata o país como sua propriedade particular, a milícia fascistóide bolivariana assassinou um adolescente de 14 anos em um protesto contra o governo, visto que Maduro gerencia a economia inteira do país centralizando tudo em sua mão, sem cuidar nem de ter papel higiênico (num dos países com mais petróleo no mundo). O PT recusou assinar uma moção de repúdio da Câmara. Já os restos de aborto do grupo terrorista Estado Islâmico (ISIS) invadiram Tall Tamr, um vilarejo estratégico na Síria, e seqüestraram mais de 100 cristãos, entre homens (que acabam degolados na faca fria), mulheres (que viram escravas sexuais) e crianças (que já chegaram a ser crucificadas, enterradas vivas e atiradas de montanhas). É o grupo com quem Dilma Rousseff quer “diálogo”, e não ações militares, sendo ignorada vexaminosamente pelo mundo. E assim vai.
Por fim, resta a questão: por que todos os petistas insistem na obsolência e ainda chamam todos os seus adversários políticos, sejam liberais, social-democratas, conservadores ou (a maioria) pessoas de identidade política incerta ou inexistente, sempre de “fascistas”?
Ora, o fascismo foi resumido por Mussolini como “Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo Stato”. Ou seja, toda a sociedade deve ser gerida pelo Estado. Como sabemos desde antes de Ludwig von Mises escrever “Ação Humana”, não existe uma entidade “Estado” que atue por si – são políticos, burocratas e funcionários aboletados que gerem esta incompreendida tecnologia. Logo, o fascismo é a sociedade dos funcionários públicos e empresas estatais pulverizando e subjugando toda economia, política e vida privada ao Estado.
Quando o ex-presidente Lula faz um ato “em defesa” da Petrobras, não diz quem está “ameaçando” a empresa que a torne carecente de defesa. Todos sabem quem realmente a ameaça. O que está dizendo é que, não importa quanto se roube e quanto a empresa se torne cabidão e prebenda disputada por gestores estatais, a Petrobras, em sua visão, e dos militantes petistas, deve ser “defendida” e conservada neste modelo – ou seja, continuar sendo fonte de dinheiro fácil para empreiteiros e doleiros, de poder para políticos, de empregos para futuros militantes.
flavio7É o sentido etimológico de sinecura: sine cura, “sem cuidado” – os empregos de fácil extorsão de dinheiro da população transferidos para o Estado, desprovidos de rigorosa auditoria. Com muito dinheiro e sem trabalho, são os funcionários das estatais que se tornam os futuros militantes mais aguerridos.
É o primeiro passo para o fascismo. John T. Flynn, antevendo a ascensão fascista e como o presidente americano Franklin Delano Roosevelt seguia exatamente o mesmo caminho, escreveu, em As We Go Marching, que o fascismo é a cartelização do setor privado, que passa a ser gerido por sindicatos, a burocracia imensa com setores cada vez maiores da economia sendo geridos pelo Estado, a “regulamentação” dos “produtores” (no único ponto em que discordam dos socialistas, que enxergam outra categoria de “produtores”), a pseudo-ascensão dos “trabalhadores” sob um enorme Estado-Babá, com mecanismos de previdência, educação social e afins (como a Carta del Lavoro de 1927, da qual nossa CLT é praticamente plágio) e, claro, forte propaganda estatal conclamando ao “orgulho nacional”.
É fácil enxergar qual o partido político no Brasil mais entusiasmado em abandonar o antigo socialismo e aplicar pari passu o modelo fascista de gerir a sociedade. Basta ver quem mais critica a economia das trocas livres do liberalismo, quem mais quer um Estado gigante, quem mais busca um Estado policial para manter sua propaganda intacta até nos maiores desastres – e sempre manejando uma imprensa obediente, com docilidade comprada com dinheiro do pagador de impostos.
E é justamente este partido que chama a todos os seus adversários de “fascista”. Justamente o único que o é em sua inteireza.
Se faltava o caráter militarista dos fascistas originais, o primeiro passo claro para sua consolidação se deu nesta semana, com as brigadas de estrelas vermelhas agredindo cidadãos inocentes nas ruas, justamente quando “defendem” que a Petrobras continue sendo a fonte de manutenção política do Partido-Estado. E com a propaganda incitando mais crimes dos militantes contra os não-subjugados.
A manutenção de poder e a busca de uma ordem no cassetete proibindo qualquer crítica aos políticos começou. Basta ver quem quer a liberdade e quem quer que os políticos tenham poder completo sobre nós

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