sábado, 28 de fevereiro de 2015

O que fazer com as imagens de decapitações do Estado Islâmico?
Jacques Merlino - Le Monde
AFP
O atual debate sobre a possível imprudência da mídia durante a cobertura dos atentados de janeiro é interessante. Mas ele está muito longe daquilo que me pareceria ser o grande debate a atravessar todos os canais de televisão, e sobre o qual ninguém tem dado um pio: deve-se apresentar ao grande público as imagens aterrorizantes das decapitações efetuadas em nome do Daesh [acrônimo árabe para o Estado Islâmico]?
Essa questão não me surgiu de imediato. Primeiro por que eu não havia visto essas imagens e não tinha vontade nenhuma de vê-las. Depois porque me parecia evidente que elas só deveriam permanecer acessíveis a um pequeno número de autoridades políticas, militares e intelectuais. Na minha cabeça, querer uma divulgação mais ampla só poderia emanar de mentes perversas. Que outro sentido aquilo poderia ter?
Depois, em uma atitude que eu não saberia definir, eu vi essas imagens. As imagens da execução dos 21 coptas egípcios assassinados na Líbia e duas outras sequências, gravadas no Iraque. Eu as vi há vários dias e ainda estou assombrado por elas, lamentando-me por ter feito isso e me esforçando para refletir sobre o destino que convém dar a esses documentos de uma violência quase insuportável.
A resposta surgiu em uma noite de conversa com um cineasta de origem polonesa, judeu de nascimento e cuja família escapara do gueto de Varsóvia quando ele só tinha 4 anos de idade. Se em 1943 tivéssemos qualquer tipo de responsabilidade em mídia televisiva e recebêssemos imagens gravadas em Dachau ou Auschwitz, mostrando as execuções, as câmaras de gás e o cortejo de horrores que as acompanhavam, o que deveríamos ter feito? Guardá-las para mais tarde ou mostrá-las? A essas perguntas que levantamos a todos aqueles que nos cercam, desde essa conversa, a resposta tem sido unânime: elas deveriam ser mostradas. Sem hesitação. E não precisa dizer por que, basta esperar que algo chocante assim pudesse mudar o curso da guerra.

"O que fazer com essas imagens?"

O caso de agora seria diferente? Acho que não, e sei que as palavras utilizadas com recato para descrever essas execuções são totalmente impotentes para descrever a realidade. Relatar que um jornalista foi decapitado lembra vagamente a ideia de guilhotina, ou senão de um grande golpe de sabre, algo direto e limpo. Mas a realidade é outra. Primeiro há toda uma cuidadosa montagem, com enquadramentos precisos, mudanças de eixo e de planos. Vítimas de macacão laranja e assassinos de uniforme preto, com o punhal junto ao peito. Um longo discurso antes da execução e o horror de uma garganta cortada, ao longo de vários minutos. Em alguns casos, foi aberto um buraco aos pés da vítima para drenar o sangue. E em todos a cabeça, separada do corpo, foi colocada como um troféu sobre o peito do homem executado.
Há outras variações, com dez ou quinze prisioneiros ajoelhados mortos ao mesmo tempo com um tiro na cabeça e chutados para dentro de uma vala comum. Imagens que são encontradas fácil e rapidamente, sem contextualização e que podem ser utilizadas de inúmeras maneiras, inclusive as piores.
Imagens tranquilas, de uma tranquilidade aterrorizante, com os carrascos em pé, enfileirados, esperando o fim do sermão para pegar pelos cabelos o homem à sua frente, forçando-o a lhes mostrar o pescoço. E cortar, cortar, com o sangue escorrendo, como se corta o pescoço de uma cabra.
Tudo isso é feito em ordem e disciplina, não muito longe de nosso país, e enquanto discutimos sobre o [artigo da Constituição] 49-3... Enfim, é isso, o debate é simples: o que fazer com essas imagens? E a comparação com 1943 faz sentido?

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