sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Você pode não acreditar, mas a desordem estimula a criatividade 
Só que a ordem favorece a harmonia, o relaxamento, a eficiência e o bem-estar. Uma coisa é uma coisa...
Jaime Rubio Hancock - El País
Um amigo meu compartilhou há algumas semanas no Facebook a famosa foto do escritório de Albert Einstein no dia de sua morte, entusiasmado pelo fato de que alguém tão inteligente quanto o físico fosse tão desorganizado. "A ordem está em sua mente", escreveu meu amigo, ao qual respondi que senti vontade de retirar todos aqueles bilhetes e limpar a pobre mesa, que não tinha culpa de nada.
As pessoas desorganizadas tendem a dizer que em sua desordem há um sistema e que elas sabem onde está cada coisa. Além disso, muitas afirmam que esse caos as ajuda a pensar e a trabalhar. Em troca, eu penso que são umas preguiçosas que não querem tirar cinco minutos para organizar os livros e guardar os papéis em seu lugar, por isso decidi telefonar ao psicólogo Miguel Silveira para que me desse razão. "Com efeito", ele respondeu, contrariando-me, "há pessoas que sabem onde está cada coisa dentro de sua desordem".Embora isso não seja algo que aconteça sempre, como acrescenta a psicóloga Amaya Terrón. "Outra questão é que a ordem de cada um é tão subjetiva que, onde uma pessoa vê desordem, é possível que haja certas normas no que aparentemente é um caos."

Desordem e criatividade

Além de existir essa ordem interna, ter as coisas fora do lugar "pode estimular a criatividade, porque o sistema é aberto e se presta a surfar buscando saídas, criações, soluções, caminhos". Embora "as pessoas criativas costumem ser desorganizadas, isso não significa necessariamente que todas as pessoas desorganizadas sejam criativas". Quer dizer, atirar os livros no chão não vai nos transformar em gênios. "A consequência da desordem não é a criatividade", conclui Terrón.
Silveira não é o único a estabelecer um vínculo entre desordem e criatividade: um estudo de 2013 mostrou que um ambiente desordenado favorece respostas mais criativas dos participantes do que outro limpo e arrumado. Em compensação, o mesmo experimento deixou claro que as pessoas organizadas praticam alimentação saudável, são mais propensas a doar dinheiro e preferem o clássico à novidade.
Em um artigo publicado no "New York Times", Katheleen D. Vohs, uma das autoras desse trabalho, também apontou que a tendência a escritórios minimalistas pode representar um freio para a criatividade. Não se trata apenas de que não seja possível a desordem, mas de que cada vez temos menos espaço próprio.
Definitivamente, e para minha contrariedade, é preciso ter cuidado com a "ordem perfeita, onde tudo é previsto e perfeitamente adaptado quanto ao espaço e o tempo, e portanto onde a improvisação e a criatividade quase não têm lugar", disse Silveira, acrescentando que essa perfeição excessiva "não só é sinal de rigidez mental ou esclerosamento da atitude da ordem. Assemelha-se ao excessivamente normatizado e pautado, e costuma ser acompanhada de uma tendência obsessiva e um tanto excêntrica, e portanto de deficit de normalidade comportamental".
Terrón acrescenta que há graus nessa necessidade de ser organizado. "É quando se radicaliza que podemos considerá-la prejudicial à pessoa: ela já não tem mania de ordem porque lhe dá felicidade, mas o faz para fugir da ansiedade que provoca não fazê-lo ou ver o ambiente desordenado."
Limpo a garganta. Movo ligeiramente o caderno para que não fique alinhado à mesa. Derrubo o copo de clipes.

As vantagens da ordem

Mas nem tudo é ruim na ordem: ela favorece "a harmonia, o relaxamento, a eficiência no rendimento e o bem-estar consigo mesmo", acrescenta Silveira. Para nosso cérebro, parece agradável e por isso ele busca padrões, estruturas e normas. Tal como mostra a teoria dos vidros quebrados, a limpeza e a ordem promovem os comportamentos legais e morais, enquanto um ambiente desordenado pode levar ao contrário.
De fato, o caos também pode representar um problema. Por exemplo, no trabalho ou com o parceiro ou a parceira. "Se um dos dois é muito organizado e o outro caótico, isso dará lugar a conflitos e choques de interesses e eventualmente desembocará em um descarrilamento."
Quer dizer, há limites, tanto em um sentido quanto no outro. "Se a desordem e a desorganização forem elevados, também favorecerão o caos, o estresse e a confusão", explica Silveira. E isso complica tudo: "As relações pessoais, o trabalho, o estado mental."
Como diz Eric Abrahamson, autor de "A Perfect Mess" (Uma bagunça perfeita), em uma entrevista publicada em "The Globe and Mail", passar 20 horas organizando sua mesa não vai lhe devolver 20 horas de eficiência. Segundo Abrahamson, talvez seja mais útil deixar que a desordem se amontoe em vez de lidar com ela constantemente, desde que não se ultrapassem certos limites. Quer dizer, trata-se de admitir que vamos perder a batalha contra a entropia e sempre (ou quase sempre) haverá algo fora do lugar.
Terrón, que é mais cética no que diz respeito ao vínculo entre ordem e desordem, concorda. Mas acrescenta que "é possível que as pessoas que têm obsessão pela ordem dediquem tanto tempo a esta que não tenham tempo nem recursos para a criatividade". A chave está em encontrar o equilíbrio. "Certa dose de desordem é conveniente para dar um toque de improvisação, de informalidade e de frescor à vida", explica Silveira. E, ao contrário: "Certa ordem externa facilita a ordem e a disciplina mentais, ou seja, uma ordem interna das ideias e dos sentimentos." Entre outras coisas, porque "não há remédio senão aplicar um método" para pôr em prática qualquer ideia.

Rotinas ou a ordem no tempo

Quer dizer, por mais que a desordem possa ser estimulante, também precisamos de espaços de trabalho e hábitos mais ou menos estruturados, que representem uma ordem temporal, para usar o termo de Abrahamson. Em "Daily Rituals" (Rituais cotidianos) há uma citação do compositor John Adams, quando diz que "as pessoas mais criativas que conheço têm hábitos de trabalho muito rotineiros e não particularmente glamourosos". Outra citação no mesmo livro, do poeta W. H. Auden: "A rotina, em um homem inteligente, é um sinal de ambição."
A rotina pode ajudar a automatizar muitos processos e a liberar a mente "para fazer o trabalho que lhe é mais próprio", acrescenta o filósofo William James, que nunca foi capaz de levá-la a cabo, segundo se conta também em "Daily Rituals". Além disso, o livro não só reúne experiências de pessoas estruturadas, como também fala de gente como o pintor Francis Bacon, que tinha um ateliê muito desordenado.
De toda forma, não somos 100% ordenados ou desordenados. "Isso pode mudar inclusive para certos âmbitos. Uma pessoa pode ser muito ordenada no trabalho e mais desorganizada no que se relaciona à higiene ou ao sono", acrescenta Silveira. Mas quem é muito desordenado costuma sê-lo em tudo.
Silveira me tranquiliza quando acrescenta que não estou condenado ao frio e quadriculado mundo da obsessão pela ordem. "Pode-se modificar ou moderar esse comportamento e treinar a criatividade com método e supervisão." O objetivo é treinar-se para encontrar soluções para diferentes problemas "e abrir comportas e novas vias e conexões".
Começarei aos poucos e deixarei a caneta aqui. Não, é melhor aqui. Sim, agora está bem. Creio. Não sei. Eu a vejo fora do lugar.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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