sábado, 28 de fevereiro de 2015

O Estado Islâmico impõe sua "política educacional" em Mosul
Allan Kaval - Le Monde
AP
26.fev.2015 - Membros do Estado Islâmico (El) destroem esculturas antigas no museu de Mosul 26.fev.2015 - Membros do Estado Islâmico (El) destroem esculturas antigas no museu de Mosul
O Estado Islâmico (EI), mesmo repelido pelas milícias xiitas e contido pelas forças curdas com o apoio da coalizão internacional, continua capaz de conduzir ataques devastadores no norte do Iraque, dando prosseguimento a seu projeto totalitário nos territórios sob seu controle.
Enquanto levas de refugiados sunitas expulsos pelos ataques e pelos combates de regiões dominadas pelos jihadistas chegam trazendo novos relatos sobre o terror instaurado pelo califado autoproclamado, surgem de Mosul notícias de uma outra guerra, a do Estado Islâmico contra a cultura.
No dia 31 de janeiro, a agência Associated Press (AP) citou relatos anônimos de moradores da segunda maior cidade iraquiana, que se tornou a capital do EI em junho de 2014, segundo os quais os jihadistas teriam expurgado, durante o mês de janeiro, o acervo da biblioteca central e da biblioteca da universidade de Mosul de volumes considerados não conformes ao islamismo, queimando publicamente parte deles.
Os jihadistas, que pouparam as obras de teologia islâmica consideradas conformes à sua interpretação da religião, teriam visado particularmente os livros de filosofia, ciências e poesia, bem como livros infantis, segundo a AP, que também são considerados subversivos.
Segundo Dara Sinjari, professor da Universidade de Mosul hoje refugiado no Curdistão iraquiano, apreensões similares foram efetuadas no dia 30 de janeiro em livrarias e sebos da cidade, dando continuidade a uma onda de medidas repressivas contra escritos, cuja repercussão chegou até nós de maneira esparsa ao longo do último mês.
"Não é mais autorizado vender outras coisas que não sejam obras islâmicas, e estas ainda devem corresponder à visão deles do islamismo", explica Sinjari, que consegue manter um contato regular por telefone com seus colegas que ficaram na cidade, apesar das dificuldades de comunicação.
No dia 26 de fevereiro, o grupo jihadista divulgou um vídeo de propaganda mostrando a destruição de esculturas no museu da cidade, o segundo mais importante do Iraque, ação denunciada pela Unesco como destruição do "patrimônio cultural" do país.

Novos exames obrigatórios

Assim como todos que transmitem informações sobre a situação dentro de Mosul, seus interlocutores são obrigados a se isolarem na periferia da cidade para captar a rede móvel iraquiana, cortada pelo EI no centro da cidade desde novembro.
Desde julho de 2014, ou seja, um mês após a tomada da cidade, foram relatadas queimas de livros por alguns veículos da mídia iraquiana.
As últimas até o momento, a maior parte obras relativamente recentes, parecem completar a política educacional do EI que, aspirando a verdadeiras prerrogativas estatais, retomou o controle do ensino universitário.
Assim, por decreto, o EI fechou em outubro de 2014 faculdades de ciências políticas e de belas-artes, os departamentos de educação física, de hotelaria, de arqueologia e de filosofia e impôs, através de seu Ministério da Educação, novos exames obrigatórios em matéria de educação islâmica.
Os homens do EI, no entanto, sabem diferenciar entre as obras recentes que possam atrapalhar seu projeto ideológico e as antiguidades valiosas contidas em Mosul. Ao contrário do que a notícia da AP possa ter dado a entender, as obras mais preciosas não teriam sido destruídas.
Segundo Lamia al-Gailani, arqueóloga afiliada à Escola de Estudos Orientais e Africanos de Londres, o Museu de Mosul, transformado em escritório de coleta de impostos, não continha mais peças importantes desde 1991.
O padre Najeeb também se mostra tranquilo: "Os manuscritos siríacos estão em segurança em Erbil e não estão mais em Mosul há anos".
Ele, que pertence à ordem dos dominicanos, presentes em Mosul desde 1750 e expulsos da cidade na última primavera, se dedica há muito tempo à preservação e à digitalização dos manuscritos antigos conservados outrora por seus antecessores, em um monastério que hoje serviria de prisão e de centro de tortura para a administração do califado.

Tráfico de antiguidades

O destino das obras preciosas conservadas na biblioteca central de Mosul, cujos manuscritos mais antigos vindos de arquivos das grandes famílias da cidade datam do século 13, continua muito incerto.
Embora eles certamente tenham seu valor comercial, continua sendo muito difícil estabelecer formalmente o grau de participação dos novos controladores de Mosul no tráfico internacional de antiguidades que ameaça o imenso patrimônio arqueológico iraquiano desde 2003 e o afundamento do país no caos.
Mosul, entregue a uma violência endêmica desde a ocupação americana do Iraque, e posteriormente conquistada pelos jihadistas em junho de 2004, se encontra em queda contínua.
Isolada do mundo, sujeita à lei do terror, extraída de suas populações minoritárias, prometida a uma devastação total em caso de reconquista e agora privada de seus livros, a antiga Nínive hoje é só uma lembrança de uma cidade que há muito tempo não existe mais.

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