sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Governo da Venezuela aposta em 'estratégia da tensão' contra seus opositores
Paulo A. Paranaguá - Le Monde
Carlos Garcia Rawlins/Reuters
"Libertem Ledezma. Não mais presos políticos", diz o cartaz da venezuelana "Libertem Ledezma. Não mais presos políticos", diz o cartaz da venezuelana
A brutal prisão do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, no dia 19 de fevereiro, é a parte visível de uma escalada repressiva na Venezuela. Ele se juntou, na sinistra prisão militar de Ramo Verde, a uma outra figura da oposição, Leopoldo López, encarcerado há um ano. Outros políticos já detidos, metade deles prefeitos de oposição, são alvos de processos.
Após a destituição sumária de Maria Corina Machado, em março de 2014, outros deputados se encontram na mira do capitão Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional. Segundo a ONG Foro Penal Venezuelano, desde o início do ano três detenções de opositores têm sido registradas por dia, em média.
Desde a morte do tenente-coronel e ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013), o peso dos oficiais reservistas ou ativos envolvidos nos golpes chavistas de 1992 não parou de aumentar no governo e nas empresas públicas, em detrimento dos civis, como Rafael Ramírez, ex-diretor da indústria petroleira. Os militares não estão mais presentes nas ruas unicamente em dias de eleições, mas sim em caráter permanente, para evitar, por exemplo, manifestações de descontentamento nas filas diante de supermercados com prateleiras vazias.

"O inimigo do interior"

Em janeiro, as forças armadas foram autorizadas, por decreto, a atirar contra manifestantes nas ruas. Em 2014, a onda de protestos provocou 43 mortes. A inteligência militar foi reformada para se tornar um corpo de "comissários políticos" com a função de vigiar a lealdade ao chavismo em todos os níveis, mas também uma arma contra os opositores civis, segundo a ONG Controle Cidadão. A Venezuela reativou a antiga "doutrina de segurança nacional" das ditaduras militares e da Guerra Fria, voltada contra "o inimigo de dentro".
O temor de uma convulsão social tem petrificado o governo, e assim, o aumento do preço da gasolina (quase gratuita), tantas vezes anunciado, tem sido seguidamente adiado, por medo das reações. O imobilismo em matéria econômica, nesse momento de instabilidade, contrasta com o fervor da propaganda, denunciando golpes e repetidos atentados, como se ela apontasse bodes expiatórios. No entanto, nenhuma distração consegue desviar os venezuelanos de suas preocupações diárias: falta de artigos de primeira necessidade e de medicamentos, alta dos preços (68,5% de inflação), insegurança.

Transição pacífica

O endurecimento da máquina repressiva tem um intuito preventivo, contra a possível revolta da população e contra a vitória anunciada da oposição nas eleições legislativas previstas para o final de 2015. Segundo o instituto Datanalisis, o mais citado pelo próprio governo, os chavistas caíram para 17,3% das intenções de voto, contra 45,9% dos opositores.
O líder do Ação Democrática (AD), partido socialdemocrata, Henry Ramos Allup, falou o óbvio: "Os golpes de Estado são feitos por aqueles que dispõem de armas, de balas, de batalhões, ou seja, as forças armadas, inteiramente controladas pelo atual governo; nós, os civis, não damos golpes de Estado."
"O Estado de direito não existe mais na Venezuela há um bom tempo, pois esse governo tem violado sistematicamente a Constituição e a separação dos poderes", disse o opositor socialdemocrata. Daí a legitimidade de se considerar uma "transição" para restaurar as instituições e colocar de volta nos trilhos uma economia arruinada pelo caos e pela corrupção.
A possibilidade de uma transição se apresenta justamente com as legislativas. Uma nova maioria de oposição deverá negociar e entrar em um acordo com os outros poderes, estreitamente controlados pelos chavistas. Tal coabitação resultaria em uma eleição presidencial antecipada em 2016, após uma renúncia do presidente Nicolás Maduro ou o referendo revogatório previsto pela Constituição para o meio de mandato. Essa transição pacífica pressupõe o restabelecimento de um diálogo entre o governo Maduro e os opositores, com a mediação das diplomacias do Vaticano e da América do Sul. As conversas iniciadas em abril de 2014 não duraram muito por falta de resultados.

Um golpe para acabar com os adversários?

No entanto, a estratégia da tensão permanente escolhida por Nicolás Maduro e seu pau-mandado Diosdado Cabello não permite prever uma solução otimista para a crise venezuelana. Nas legislativas de 2010, a oposição acabou sendo minoritária na Assembleia, apesar de um número de votos superior.
O "poder eleitoral" (considerado o quarto poder da República), inteiramente sujeito ao chavismo, poderia realizar uma nova divisão das circunscrições ou uma modificação das regras, e uma suspensão das eleições não deve ser descartada. Jesús Torrealba, porta-voz da Mesa de Unidade Democrática (MUD), a coalizão eleitoral da oposição, acredita que "o setor mais irresponsável e criminoso do governo está apostando em um golpe, para acabar com seus adversários".
A atitude das principais chancelarias latino-americanas é um segundo motivo de preocupação. "O silêncio e a impotência dos outros sul-americanos estão se tornando patéticos", lamenta o brasileiro Alfredo Valladão, professor na Sciences Po de Paris. Aparentemente, há quem espere que a Venezuela seja incluída na nova agenda bilateral dos Estados Unidos e de Cuba. Afinal, dois dias antes da prisão do prefeito de Caracas, o presidente Maduro achou que seria uma boa ideia viajar para Havana, para um encontro com seu principal aliado.

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