quinta-feira, 30 de abril de 2015

Antes de eleição, partidos ignoram a principal mudança econômica no Reino Unido
Anatole Kaletsky - Prospect
Do que se trata realmente a próxima eleição geral no Reino Unido? "A economia, idiota." A famosa resposta do ex-presidente Bill Clinton sobre o que motivou os eleitores dos EUA em 1992 soa igualmente verdadeira para o Reino Unido em 2015. Mas, quando se trata de políticas econômicas específicas, as principais diferenças entre os partidos podem ser reduzidas a projeções sem sentido de déficit de longo prazo ou a questões relativamente banais como impostos sobre mansões e pequenas mudanças nas leis trabalhistas e bancárias que não poderão ter muito impacto, para melhor ou para pior.
Enquanto isso, a mudança mais importante no desempenho econômico do Reino Unido passou quase despercebida. O problema verdadeiramente extraordinário e inesperado que afligiu o país foi a estagnação sem precedentes da produtividade do trabalho e os salários reais, que estão aproximadamente 15% abaixo do que implicavam as tendências antes da crise de 2008 - uma queda de cerca de US$ 6 mil por ano para cada homem, mulher e criança. Enquanto a queda dos padrões de vida e da produtividade, que são dois lados da mesma moeda, certamente apareceram na campanha eleitoral, houve muito pouca discussão realmente séria sobre o significado das fracas estatísticas de produtividade.
Há três interpretações diferentes e parcialmente contraditórias da estagnação do PIB per capita (a melhor medida das tendências de longo prazo em produtividade e padrões de vida) desde 2008, uma estagnação nunca antes registrada na história britânica moderna, mesmo nos anos 1930. Essas explicações conflituosas implicam conclusões políticas muito diferentes para o próximo Parlamento.
A primeira interpretação vê o impasse na produtividade como uma evidência da mudança catastrófica na estrutura econômica britânica desde 2008 - uma súbita perda de ética do trabalho ou perícia nos negócios ou capacidade de competir. Essa foi a visão pessimista oficialmente adotada pelo Escritório de Responsabilidade Orçamentária dois anos atrás, e agora aceita como a única suposição responsável pela maioria do establishment político e da mídia britânicos.
Ela foi resumida com típica precisão por Emma Duncan, da "The Economist", em um programa da BBC sobre a eleição: "Produtividade é a grande questão sobre a qual nenhum político fala. Os trabalhadores britânicos são tão improdutivos que os franceses poderiam tirar todas as sextas-feiras de folga e ainda produzir mais. Nosso país é mal educado. Nosso P&D é terrível. Nossa infraestrutura é péssima."
A implicação política é clara e agora é aceita pelos três principais partidos. Até que a educação, a tecnologia e a infraestrutura do Reino Unido melhorem drasticamente, o país deve aprender a viver em sua condição recém-endireitada. Como disseminar o sofrimento entre a austeridade do setor público e o aperto de cintos privado é a única opção política.
Mas esse pessimismo na moda, que culpa pelo fracasso da produtividade o esclerosado "lado da oferta" da economia, não oferece uma explicação plausível de por que os trabalhadores, as escolas, os diretores de empresas e a infraestrutura britânicos de repente se tornaram tão disfuncionais em 2008. A educação, a infraestrutura e a tecnologia podem estar abaixo do padrão, mas o que exatamente aconteceu em 2008 para torná-las tão piores? Afinal, o Reino Unido gozou do maior aumento de produtividade no G-7 de 1992 a 2007.
Uma resposta dos pessimistas pelo lado da oferta é que a produtividade antes da crise foi simplesmente uma miragem. Mas por que acreditar na precisão do crescimento anualizado do PIB de 0,1% per capita de 2008 a 2014, enquanto se rejeitam como ilusão os 17 anos de crescimento de 2,5% de 1991 a 2007? Para não falar nos 40 anos anteriores, quando a produtividade cresceu em média 2,4% ao ano.
Muito estranhamente, só uma instituição poderosa confrontou seriamente essa questão: o Banco da Inglaterra. O governador Mark Carney, juntamente com muitos economistas acadêmicos, como Jonathan Portes e Simon Wren-Lewis, atribuiu a estagnação da produtividade principalmente à demanda fraca, mais que a um colapso súbito e inexplicável do potencial produtivo. A combinação de esmagamento do crédito e austeridade fiscal após a crise reduziu os salários, o consumo e o investimento das empresas. Estas, por sua vez, prejudicaram a produtividade ao incentivar a substituição de mão-de-obra barata por máquinas modernas.
O diagnóstico pelo lado da demanda sugere uma prescrição para os problemas de produtividade do Reino Unido contrária à análise convencional pelo lado da oferta. Em vez de aumentar a austeridade, o próximo governo deveria incentivar a demanda com impostos mais baixos, mais gastos públicos e maiores déficits.
Além disso, há uma terceira visão possível que reforça essa análise menos pessimista. A "crise" de produtividade pode ser amplamente uma ilusão estatística. As rápidas mudanças tecnológicas e estruturais na economia desviaram o consumo e o crescimento do emprego para muitas atividades que não existiam em períodos anteriores e outras que são organizadas de maneiras totalmente novas. Considere o e-mail, hoje um serviço gratuito que escapa a medições estatísticas e substituiu amplamente o correio convencional. Ou empreendimentos online como Twitter e Skype, que geram pouca receita mas empregam milhares de funcionários com bons salários, financiados principalmente pelo levantamento de capital de investidores. Ou empresas como a Amazon.com, que são organizadas para minimizar o valor agregado que elas mostram ao fisco e portanto também aos estatísticos do governo.
A explicação estatística otimista da desaceleração da produtividade supõe que a mudança tecnológica se acelerou desde a crise de 2008, em vez de desacelerar, que é o que implica o pessimismo pelo lado da oferta. Isso parece muito plausível, dada a evidência óbvia do aumento da tecnologia ao nosso redor, assim como o fato de que os países que supostamente sofrem a maior desaceleração de produtividade são aqueles com os maiores setores de serviços que experimentaram uma ruptura tecnológica - não apenas o Reino Unido, mas também os EUA.
Em que explicação devemos acreditar? Sem dúvida há alguma medida de verdade nas três, mas a primeira história sobre o lado da oferta em deterioração parece o aspecto menos importante do enigma da produtividade. Não há evidência de que o progresso tecnológico tenha desacelerado desde 2008, ou que os padrões educacionais tenham caído precipitadamente, ou que as infraestruturas tenham desabado repentinamente. Mas de modo irônico a explicação pelo lado da oferta da desaceleração da produtividade e do crescimento e as prescrições políticas associadas - austeridade e redução do déficit - tornaram-se o dogma semioficial na política britânica, adotado por todos os principais partidos.
Se você acredita nessa história, então a opção na eleição de maio é simples: vote nos conservadores se você quiser mais cortes de gastos públicos, nos trabalhistas se você preferir padrões de vida pessoais mais baixos ou liberais se o seu sadomasoquismo se estender aos gastos públicos e privados. Se, por outro lado, você não vir motivo para acreditar que as empresas e os trabalhadores britânicos perderam repentina e inexplicavelmente sua capacidade de inovar, criar, adaptar-se e competir, então você poderá decidir que nenhum de nossos políticos derrotistas merece seu voto.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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