MP
recorre contra habeas corpus a black blocs. E uma entrevista absurda de
Siro Darlan, que parece ter a vocação para ser um “tirano do bem”
Reinaldo Azevedo - VEJA
O
procurador de Justiça Riscalla Abdenur, do Ministério Público do Rio,
entrou com recurso contra a liminar do desembargador Siro Darlan, da 7ª
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, que concedeu habeas corpus a 23
pessoas acusadas de formação de quadrilha armada. Abdenur pede que o
próprio Darlan reconsidere a decisão; caso contrário, que ela seja
submetida à 7º Câmara criminal em 48 horas — nesse caso, um grupo de
desembargadores tomará a decisão final.
Vamos Lá.
Desde o começo me pareceu que havia algo de estupidamente errado na
decisão de Darlan. Por quê? As evidências que vieram a público — e ele
confessou não ter lido o inquérito — eram e são por demais eloquentes.
Como se vê, o homem as ignorou. Antes de tomar sua decisão, postou no
Twitter uma mensagem que misturava Lupicínio Rodrigues com o Hino da
Proclamação da República que parecia bastante eloquente:
“O
pensamento parece uma coisa à-toa, mas como é que a gente voa quando
começa a pensar” (Lupicínio), emendando “Liberdade! Liberdade! Abra as
Asas sobre Nós!” (hino).
Senti no
ar o cheiro da carne queimada da lei misturado à fumaça da demagogia. E
eu estava certo, não é? Se vocês recorrerem à Internet, verão que doutor
Darlan não é um homem avesso aos holofotes. Muito pelo contrário. Ele
os aprecia muito. E concedeu anteontem uma espantosa entrevista à BBC Brasil, com ataques estúpidos ao Ministério Público do Rio. Entre outras barbaridades, disse o sr. Darlan:
“O
Ministério Público é uma inutilidade. Ele é muito eficiente quando lhe
interessa. Mas há situações em que o MP se omite. Hoje estamos com
prisões superlotadas porque o MP é eficiente na repressão do povo pobre,
do povo negro. 70% do sistema penitenciário do Rio de Janeiro está
vinculado a crimes de drogas, o que efetivamente não tem nenhuma
periculosidade. Vender droga ilícita é absolutamente igual ao camarada
que vende cachaça. São drogas. Mas a nossa sociedade resolveu
criminalizar a venda de determinadas drogas. E coincidentemente quem
vende é a população mais pobre. Isso coincide com o interesse de
exclusão social dessa população.”
Trata-se
de uma soma tão monumental de besteiras que deixarei para destrinchar
seu inteiro conteúdo em outro post. A fala não passa de uma grosseria
irresponsável. Para começo de conversa, não é o Ministério Público que
faz as leis. Ao órgão cabe atuar segundo a legislação que existe. E, até
onde sei, Darlan tem de fazer a mesma coisa. Ou ele foi eleito por
alguém para legislar, por exemplo, sobre a lei antidrogas? A propósito:
quem é ele para decidir que a sociedade, que paga o seu salário, está
errada em cultivar determinados valores? Doutor Darlan é juiz para
aplicar as leis que temos — consolidadas pelo estado democrático e de
direito — ou para fazer justiça com a própria toga?
O sábio
resolveu ser também juiz da imprensa. Afirmou: “Falar de liberdade de
expressão no Brasil hoje é bastante complicado. Porque os meios de
comunicação mais importantes não usam essa liberdade. Só é endereçado ao
público aquilo que interessa financeira, ideológica e socialmente aos
donos dos jornais e televisões.” Eu me atrevo a dizer que o doutor não
entende nada de imprensa e que, se essa instituição estivesse sob seus
cuidados, certamente não tardaria a haver censura no país sob o pretexto
de se garantir a liberdade de expressão.
Doutor
Darlan está indo muito além das suas sandálias. Alguns dos casos mais
graves e escabrosos envolvendo a vida pública brasileira — um deles
resultando até na deposição de um presidente — vieram a público em razão
do trabalho da imprensa. Infelizmente, não decorreu do esforço do Poder
Judiciário, que ele integra.
Li a
entrevista e cheguei à conclusão de que doutor Darlan não gosta das leis
que temos, não gosta da sociedade que temos, não gosta da imprensa que
temos etc. É evidente que ele tem o direito de gostar e de não gostar do
que bem entender. Ele só não pode inventar as próprias leis e exigir
que o Ministério Público faça o mesmo.
Menos,
doutor Darlan! Não tenha a tentação, meu senhor, de ser um tirano do
bem! Não existe tirania do bem! Seja servil às leis, doutor, e estará
prestando um enorme serviço ao Brasil.
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