terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Aumento de tentativas de suicídio na Catalunha pode estar ligado à crise
Jessica Mouzo Quintáns - El País
Ainda é um tema tabu para vítimas, conhecidos e terceiros, mas está cada vez mais presente na sociedade: o suicídio é atualmente a principal causa de mortes na Catalunha entre pessoas com menos de 34 anos, e as hospitalizações por tentativas também aumentaram. Os psiquiatras deduzem que em cada caso intervêm vários fatores, e a crise é um deles.
Embora as taxas de mortalidade por suicídio na Catalunha sejam inferiores às da Espanha e da Europa, o alerta foi ativado e o Departamento de Saúde implantou um plano de acompanhamento para pessoas em risco. Os médicos concordam em que prevenir e desestigmatizar as vítimas são fatores chaves na luta contra o suicídio.
Segundo a Análise de Mortalidade na Catalunha de 2012, 507 pessoas morreram por suicídio na comunidade, número que vem aumentando desde 2007. O número de mortes por essa causa cresceu 36% nos últimos cinco anos. "Há um ponto de inflexão em 2007, um aumento que precisamos ver como reduzir", explica a responsável pelo Plano de Saúde Mental, Cristina Molina. Embora 87% das pessoas que tentam o suicídio sofram de algum transtorno mental, principalmente depressão grave, os especialistas concordam em que a crise incidiu no aumento. "Vemos pessoas com mais problemas econômicos e sociais. Nos primeiros anos de crises econômicas há um surto. Já aconteceu nos anos 1990, mas as taxas atuais não são tão alarmantes", indica Santiago Durán, do Hospital de Sant Pau.
Segundo o relatório "Efeitos da crise econômica na saúde da população da Catalunha", realizado pelo Observatório de Saúde da Catalunha, em 2008 foram registradas 27,3 tentativas para cada 100 mil mulheres e 15,3 para cada 100 mil homens, cifras que em 2012 chegaram a 33,8 e 21,6, respectivamente.
O diretor da Agência de Qualidade e Avaliação Sanitária, Josep María Argimon, revela que os dados existentes sobre tentativas são inferiores aos reais. O registro inclui as tentativas que acabam em hospitalização, mas não "aquelas que se resolvem nas emergências".
Contudo, algumas vozes alertam sobre o perigo de se esconder atrás do fator crise o complexo mundo que se oculta por trás do suicídio. "Não está clara a relação com a crise. É preciso sermos muito prudentes com esse fator, que não nos sirva de justificativa, porque é menosprezar um problema de saúde que existe desde que há documentos escritos", adverte Carles Alastuey, secretário da Associação de Sobreviventes Depois do Suicídio (DSAS).
Ele e sua cunhada, Cecilia, criaram a entidade depois do suicídio de seu sobrinho Miquel, aos 19 anos. "O impacto dessa situação, a falta de cumplicidade social, o silêncio, os mitos e as ideias equivocadas em torno do assunto nos levaram a montar essa associação", explica Alastuey. "É preciso normalizar essa problemática pelo que é: um problema de saúde", explica. O secretário do DSAS alerta que o suicídio é "estigmatizado culturalmente por medo de um efeito atração que não existe" e critica a falta de campanhas de prevenção como as dos acidentes de trânsito, por exemplo.
À falta de campanhas, o Departamento de Saúde copiou dois programas pilotos de prevenção que são desenvolvidos há anos nos hospitais Sant Pau e Parc Taulí de Sabadell, e implementou o Código Risco de Suicídio. Esse protocolo consiste em monitorar as pessoas em risco para evitar que as tentativas sejam consumadas. "É uma estratégia que se baseia na detecção precoce", aponta Molina.
O programa consiste em acompanhar o caso depois de sua saída do hospital e assegurar-se de que em dez dias --72 horas se for um adolescente-- consulte seu especialista em atendimento básico. "Se atuarmos de maneira preventiva, mais de 80% das pessoas em risco vão aderir ao tratamento", aponta Molina. O plano também contempla um acompanhamento intensivo durante o primeiro ano.
A estratégia promovida pelo Departamento de Saúde, que já está implantada em 40% do território e em 2015 chegará ao restante da Catalunha, remonta a 2005. "Então se iniciou um plano mínimo para garantir que pacientes com uma tentativa anterior de suicídio tenham atendimento psicológico e psiquiátrico individual e em grupo. Trata-se de fazer um atendimento integral na crise, solucionar essa crise e depois devolver o paciente aos circuitos normais", explica o doutor Durán, do programa de prevenção do suicídio do Sant Pau.
Durán é um dos profissionais que, apesar de reconhecerem que hoje atendem mais pessoas com situações econômicas complicadas, defendem que o maior fator de risco é "ter tentado [o suicídio] anteriormente". "A causa fundamental continua sendo a patologia mental, como o transtorno bipolar, a depressão grave, a dependência do álcool ou a esquizofrenia", afirma.
O doutor Diego José Palao, diretor de saúde mental do Parc Taulí, concorda em priorizar o atendimento a pessoas que já tiveram uma tentativa. "Para cada 20 tentativas há um suicídio consumado. Esse continua sendo o fator de risco mais grave", indica. Palao acrescenta que com seu programa contra a depressão e a prevenção do suicídio, que iniciou em 2008, os suicídios na área de Sabadell "vêm diminuindo". "Trabalhamos com atendimento básico para que os casos de depressão não tenham lista de espera para o especialista. E com as pessoas com tentativas anteriores fazemos um acompanhamento telefônico de 12 meses para avaliar o risco, dar apoio e conseguir que não percam a relação com o serviço de saúde mental", explica.
Os especialistas insistem que o objetivo pendente é transmitir aos familiares de vítimas que há mecanismos de apoio e meios para atender às pessoas com comportamentos suicidas.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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