quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Russos não veem os alimentos mais caros como crise
Celestine Bohlen - NYT
Acostumados com crises econômicas, os consumidores pouco se espantam com a atual desvalorização do rublo, os preços mais altos nas lojas e a escassez de bens importados.
No início de 1992, os preços aqui explodiram em uma média de 350%, enquanto a Rússia pós-comunista fazia um pouso forçado para se tornar uma economia de mercado livre. Seis anos depois, em agosto de 1998, os preços novamente giraram descontroladamente depois que o governo russo desvalorizou o rublo e declarou moratória de suas dívidas.
Em comparação, a queda do valor do rublo deste ano parece controlada, o que pode explicar o relativo estoicismo entre os consumidores enquanto avançam lentamente ao longo de caminhos cobertos de neve, rodando as lojas e se preparando para a longa temporada de férias.
Isso não quer dizer que a inflação -agora acima de 10%- não esteja na mente de todos. Vários gerentes no comércio disseram a mesma coisa: os preços vêm subindo a cada entrega. Em uma loja na aldeia vizinha de Akhtyrka, a balconista aconselhou um casal de clientes idosos a voltarem mais tarde, depois que tivesse atualizado a lista de preços.
Para os consumidores e varejistas, a mais recente crise econômica da Rússia veio em etapas. O primeiro impacto foi sentido no verão passado, quando a Rússia retaliou contra o Ocidente por sanções relacionadas com a Ucrânia impondo uma proibição de importação de alimentos dos Estados Unidos, da União Europeia e de vários outros parceiros comerciais.
O segundo golpe veio depois que o valor do rublo deu um mergulho profundo em meados de dezembro, antes de se recuperar um pouco. Um terceiro é esperado quando o aumento das taxas de juros sufocar o crédito.
Aqui em Khotkovo, uma cidade de 23.000 habitantes que fica 60 quilômetros a nordeste de Moscou, perceber o impacto das sanções auto-impostas é como provar uma negativa. Uma variedade de produtos –desde o arroz basmati até os queijos importados- simplesmente desapareceu, deixando os consumidores com escolhas mais reduzidas e de menor apelo.
Uma loja na praça principal que é especializada em comida de Belarus, vizinha ocidental da Rússia e uma espécie de aliada, conseguiu evitar o primeiro tiro. A Belarus nunca impôs sanções, mas agora a queda no valor do rublo está criando um impacto, disse o gerente da loja, que não quis dar seu nome.
Ele estimou que os preços tinham aumentado entre 10% e 15% no mês passado; como os outros, ele não se atreveu a arriscar uma previsão para 2015.
Após uma década de crescimento econômico sustentado, os consumidores russos estão mais resistentes do que eram em 1992 ou 1998, e quando vão às compras para as suas festas tradicionais da véspera de Ano Novo, muitos não estão ligando para os preços mais elevados.
Donas de casa na fila de um açougue disseram que estavam dispostas a se contentar com menos. Marina, que não quis dar seu sobrenome, disse que os preços da carne -agora em $ 600 rublos por quilo (cerca de R$ 28)- provavelmente tinha subido pelo menos 25%, mas isso não iria impedi-la de servi-la na tradicional festa de Ano novo. "A gente se vira", disse ela.
Vários lojistas disseram que estavam usando estoques antigos, o que explicaria anomalias como bolinhos finlandeses ou café italiano nas prateleiras. Outros explicam que os importadores descobriram maneiras de contornar a proibição, trazendo produtos europeus através de Belarus, onde são rotulados novamente e trazidos para a Rússia pela fronteira. Países como o Brasil, também aumentaram as exportações para a Rússia, embora em geral a preços mais elevados.
Desde que a proibição de alimentos importados foi introduzida no verão passado, o governo russo aproveitou a oportunidade para incentivar os produtores locais a preencherem a lacuna. A medida já surtiu algum efeito: em outubro, a produção de carne doméstica subiu 12%, de acordo com estatísticas do governo.
Até esta crise, os consumidores russos não tinham conhecimento de sua dependência de alimentos importados. Agora, na medida em que sua moeda perde valor e deixa os bens ocidentais fora do alcance, eles saúdam os esforços do governo para aumentar a produção doméstica.
"Nós estávamos vivendo em uma espécie de sonho", disse um homem que se identificou apenas como Alexei e é dono de um empório de alimentos na periferia da cidade. "Eles deveriam ter feito esse esforço há muito tempo, em vez de dependerem do petróleo e do gás".
Tradutor: Deborah Weinberg

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