terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Partidos radicais de esquerda preocupam Bruxelas
Claire Gatinois - Le  Monde
Pantelis Saitas/EFE
Na Grécia, o partido Syriza promete cancelar o programa de austeridade no país Na Grécia, o partido Syriza promete cancelar o programa de austeridade no país
A Europa está suando frio. A perspectiva de eleições legislativas antecipadas se aproxima na Grécia, e o partido da esquerda radical Syriza, que promete cancelar o programa de austeridade e apagar a dívida, está muito próximo do poder. A alguns milhares de quilômetros de Atenas, na Espanha, o partido de extrema esquerda eurocrítico Podemos está se armando para as legislativas de 2015, com chances de vitória. No final de novembro, as pesquisas de intenção de voto davam a liderança ao partido de Pablo Iglesias, à frente do Partido Popular (de direita), do primeiro-ministro Mariano Rajoy, e do Partido Socialista. Em Portugal, no Chipre e na Irlanda, os movimentos de extrema esquerda também têm atraído eleitores cansados do rigor imposto "de cima" por Bruxelas, e nostálgicos de um Estado-providência generoso.
Seria o início de uma revolução? Mais uma reação de fúria, encarnada em "uma crítica radical do sistema ao qual está associada a Europa e que faz parte dessa ascensão populista que vem tomando conta do Velho Continente", diz Dominique Reynié, diretor da Fundação para a Inovação Política.
Esse populismo assume formas diversas. Enquanto a crítica às "elites de Bruxelas" se traduz nos países do Norte (Suécia, Dinamarca, Finlândia…) em um populismo de extrema direita, ela se manifesta no Sul através dessa esquerda radical que parecia estar enterrada. "Existem duas reações para a crise", analisa Yves Bertoncini, diretor do instituto Notre Europe. "Um voto 'anti-solidariedade' sobre o tema 'Não vamos pagar por esses inúteis do Sul' e um voto 'anti-austeridade' nos países ajudados pela troika, constituída pelo Banco Central Europeu, FMI (Fundo Monetário Internacional) e pela Comissão de Bruxelas."
Um quarto de século após o colapso do bloco comunista, a ascensão desses partidos de extrema esquerda pode parecer anacrônico. Mas muitos desses movimentos como o Podemos se formaram recentemente, deixando de lado os temas mais obsoletos para se focar na "opressão exercida pela Europa e pelo FMI" contra o Estado-providência e pelo bem-estar dos trabalhadores.

"Luta de classes"

"A crise lembrou que uma forma de luta de classes não morreu", acredita Jean-Yves Camus, pesquisador especializado em radicalidades políticas. Ele diz que está havendo uma volta dos explorados contra os exploradores, os que lucram contra os que são negligenciados pela globalização, os banqueiros contra os trabalhadores... Na Espanha, o Podemos se alimenta de uma oposição à uma Alemanha superpotente que estaria tentada a "colonizar" Madri. "Dizemos a Merkel que temos nossa dignidade e que não vamos nos dobrar", repete o líder do partido Pablo Iglesias.
Esses partidos têm prosperado seguindo uma retórica abandonada pela esquerda moderada, para grande consternação de alguns eleitores. "Não há mais utopia. Para os socialdemocratas, não existe mais um projeto de emancipação econômica coletiva, mas somente individual. Na melhor das hipóteses ela propõe uma utopia social, com projetos como o casamento gay. A esquerda radical é contra e está tentando fazer com que os eleitores entendam que o programa atual pode ser outra coisa além de uma simples adaptação ao mundo", explica Camus.
Em muitos países também paira o sentimento de que os socialistas se venderam. E fracassaram. Para enfrentar os desafios daquilo que os especialistas chamaram de "pior crise desde 1929", os partidos de esquerda constituíram uma espécie de união sagrada com os de direita para aprovar medidas impopulares cuja eficácia ainda não foi comprovada. Na Grécia e em Portugal, foram os primeiros-ministros socialistas que, em nome do pragmatismo, assinaram os acordos com a "troika". Além disso, houve os escândalos de corrupção que, ao mancharem os partidos do governo, incitaram os eleitores desgostosos a votar em movimentos "anti-sistema".
"O futuro da esquerda europeia somos nós!", proclama Anne Sabourin, representante do Partido Comunista da França no GUE (sigla em francês para Partido da Esquerda Europeia), que forma um grupo de extrema esquerda no Parlamento Europeu.
Essa escalada está estremecendo Bruxelas. O presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, manifestou seus temores, afirmando que ele "não gostaria que forças extremas chegassem ao poder" em Atenas e que ele "prefere rever rostos familiares em janeiro". Foi uma gafe, uma vez que a Europa não deve se intrometer em processos eleitorais. "Ele poderia ter se abstido", observa Bertoncini. "A expressão da preferência da comissão pode ser contraproducente."
De acordo com especialistas, essa esquerda radical não é tão assustadora como se imagina. Apesar de um discurso virulento contra Bruxelas, esses partidos não prometem, ao contrário da extrema direita, "destruir a Europa". A ideia deles é transformá-la. Em uma nota intitulada "Euroceticismo ou eurofobia: protestar ou sair?" o Notre Europe observa que, das 42 cadeiras ocupadas por partidos eurocéticos de extrema esquerda, "nenhuma é contra nem a UE, nem a integração europeia, mas eles querem mudar sua natureza. O grupo em geral se descreve como antiliberal e pró-social."
"Não somos contra a Europa, mas, sim, a favor de uma Europa diferente", afirma Sabourin, irritada com o terrorismo veiculado em torno da esquerda radical. "O Syriza não é um partido perigoso, ele não quer sair da zona do euro. Os mercados ficarão descontentes, é verdade. Mas a Europa não está aí para satisfazer os mercados, aos quais ela deu poder demais. É preciso retomar o controle sobre o desenvolvimento dos países, dentro de uma cooperação europeia!"
A raiz histórica da esquerda radical a impede de manter um discurso nacionalista ou xenófobo. "O DNA desses partidos é o internacionalismo", diz Camus. Será que essa posição privaria a esquerda radical de parte dos eleitores, atraídos pelos posicionamentos mais duros da extrema direita? "Ela vive no mito da mudança da Europa", lamenta Aurélien Bernier, autor de "La Gauche radicale et ses tabous: pourquoi le Front de gauche échoue face au Front National" ["A esquerda radical e seus tabus: por que a Frente de Esquerda fracassa diante da Frente Nacional", Ed. Seuil, 2014], que gostaria que o movimento se posicionasse mais radicalmente contra a UE e sua moeda.

"A direita populista tem mais aceitação"

De fato, o caso "LuxLeaks", que revelou que o atual presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, havia orquestrado um amplo esquema de evasão fiscal em Luxemburgo quando ele era primeiro-ministro do país, pode ter revoltado os deputados da GUE, mas somente os eurófobicos de direita (uma centena de parlamentares) conseguiram reunir votos o suficiente para entrar com uma moção de censura contra ele.
Em escala europeia, "a direita populista tem mais aceitação", constata Sabourin, "pois seu discurso é mais simples, ou até simplista. Estamos conduzindo batalhas mais complicadas. Mas não vamos fazer populismo só porque é mais eficaz junto às mídias!"
Segundo analistas políticos, essa atitude poderia condenar a esquerda da esquerda a só ter um sucesso efêmero. "Com a atenuação da crise e da austeridade, o movimento retrocederá. A direita radical tem uma raiz mais estrutural associada à crise de identidade", prevê Bertoncini.
Há quem imagine que, para sobreviver, os partidos da esquerda radical em breve poderão, cedo ou tarde, ficar tentados a flertar com as ideias nacionalistas. A Frente Nacional de Marine Le Pen não se aproximou da extrema esquerda nos assuntos econômicos? Reynié teme esse cenário, lembrando a seguinte frase de Léon Blum: "Um socialista sem internacionalismo só pode acabar mal."

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