quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Ninho de escândalos
O Estado de S.Paulo
Não é novidade que uma excessiva proximidade entre empresas e governo gera uma relação promíscua entre ambos, com graves danos ao interesse público. No entanto, esses graves danos receberam recentemente contornos mais nítidos. Os fatos relativos à atuação pouco decorosa entre diretores da Petrobrás, executivos de empreiteiras e dirigentes de partidos políticos ajudam a dar uma dimensão mais acurada do mal que causa ao País essas relações antiéticas e, sobretudo, ilegais. Diante de tanta corrupção - desprezo pelo bem público e apreço pelo privado, seja ele pessoal ou partidário -, não é hora de desperdiçar nenhuma medida que possa contribuir para melhorar o ambiente institucional.
Uma das medidas moralizadoras que o País tem em mãos para diminuir esse mal é a proibição do financiamento de partidos políticos por pessoas jurídicas. Sobre o tema há uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na qual se pede o reconhecimento da inconstitucionalidade desse tipo de contribuição aos partidos políticos. A ação se baseia no fato de que o financiamento por pessoas jurídicas viola o preceito constitucional da igualdade, pois os financiadores ganham peso maior nos negócios do Estado. A maioria dos ministros do STF já votou em sentido favorável ao pedido da OAB, aprovando a derrubada do financiamento por pessoas jurídicas. O processo, no momento, está parado, em razão de um pedido de vistas feito pelo ministro Gilmar Mendes.
Em entrevista ao Estado, um dos autores da ação no Supremo Tribunal Federal, o procurador regional da República Daniel Sarmento, comentou que "a representação se baseou em duas ideias. A primeira é a de que a democracia pressupõe que os cidadãos tenham igualdade na influência sobre decisões do Estado. O nosso sistema é o contrário disso". Como já se afirmou neste espaço, em editorial, "as empresas não têm direito a voto". E as suas contribuições para as campanhas influenciam o voto de quem detém o direito a ele - o cidadão. Permitir que empresas façam doações às campanhas eleitorais é atribuir-lhes um protagonismo político a que elas não têm direito.
O segundo motivo que fundamenta a ação no STF - e que vem ganhando relevância a cada novo episódio do petrolão - é a moralidade pública. "Há preocupação também com o princípio republicano que tem a ver com corrupção", afirmou Sarmento. "Essa corrupção é crime, mas também é corrupção em outro sentido, o de corromper a lógica do sistema político que começa a ser a do atendimento de financiadores. Mesmo quando isso eventualmente não envolva crime", esclareceu o procurador da República.
A história do PT no poder, que vem sendo mais bem contada a cada dia, mostra como um partido pode ir corrompendo as relações institucionais, transformando-as em ocasiões para barganhas, negociatas, propinas. Depois de anos enviesando o funcionamento do Estado e das estatais nesse triste rumo, não é fácil de restituir às relações institucionais o seu sentido original. Para voltar a aprumá-las é necessário um sério empenho e, por essa razão, seria um equívoco desperdiçar as possíveis medidas disponíveis para moralizar o ambiente político, entre elas - e de fácil acesso - está a proibição do financiamento político pelas pessoas jurídicas.
O fim desse tipo de financiamento não significará, como às vezes erroneamente se repete, um estímulo ao financiamento ilegal. Sarmento considera que "vai se reduzir significativamente o valor oficial das campanhas. Então, isso vai tornar muito mais perceptível o abuso. A política brasileira funcionará perfeitamente bem sem ter de aumentar os gastos públicos com ela. Com os recursos que já são gastos com Fundo Partidário, verbas públicas, o direito de antena que os partidos têm, mais a doação de pessoas físicas". Não há fantasmas a serem temidos.
"Um dos ninhos de onde provém boa parte dos escândalos é o financiamento de campanha", afirmou Sarmento. Não é pouca coisa descobrir onde se originam os males. Agora cabe ao STF aproveitar essa oportunidade para, cumprindo o seu papel institucional, pôr fim a esse ninho de escândalos.

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