terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Como um espião cubano preso nos EUA engravidou sua mulher em Cuba
Ernesto Londoño - NYT
TV Cuba/AFP
Hernández (terceiro da esq. para a dir., ao lado de Raúl Castro) é símbolo da aproximação Hernández (terceiro da esq. para a dir., ao lado de Raúl Castro) é símbolo da aproximação
Não foi um feito fácil conseguir um frasco de esperma congelado de Gerardo Hernández, um espião cubano que cumpria duas penas de prisão perpétua na Califórnia, e enviá-lo ao Panamá, onde sua mulher, desesperada para ter um filho, fez uma inseminação artificial. Mas a questão se tornou uma prioridade urgente durante o ano passado para o pequeno grupo de autoridades cubanas e norte-americanas que estavam trabalhando secretamente para negociar um degelo histórico nas relações entre os dois países.
A tarefa de facilitar a gravidez, uma das histórias secundárias mais estranhas dos anais das negociações secretas entre Washington e Havana, recaiu em grande parte sobre os ombros de um funcionário do Senado que se tornou essencial para estabelecer a base da mudança na política EUA-Cuba.
Hernández foi um dos três espiões cubanos que voltou para casa em 15 de dezembro para ser recebido como herói, como parte de um acordo que incluiu a libertação de Alan Gross, o subempreiteiro norte-americano preso em Havana por cinco anos. Fotos de Hernández, que esteve em prisões norte-americanas por 16 anos, e sua mulher grávida se tornaram o assunto do momento em Havana. Ele disse humildemente aos repórteres que o bebê era dele, mas não ofereceu detalhes.
Há inúmeros heróis anônimos que contribuíram para a mudança que os presidentes Barack Obama, dos EUA, e Raúl Castro, de Cuba, anunciaram na semana passada. Mas ninguém parece ter contribuído tanto quanto Tim Rieser, um poderoso porém modesto funcionário do Senado que é conselheiro do senador Patrick Leahy, democrata de Vermont, na área de política externa e também ajuda a elaborar o orçamento do Departamento de Estado todos os anos. Além de assumir a tarefa inesperada da diplomacia do esperma, Rieser trabalhou incansavelmente para melhorar o tratamento de Gross, que estava ficando desesperado e suicida.
"Tim foi uma das pessoas que assumiu a responsabilidade de lidar com o lado humano da situação, falando com Alan regularmente durante seus piores momentos", disse Ricardo Zúñiga, funcionário sênior da Casa Branca que foi um dos principais negociadores do acordo. "Ele nunca hesitou em seus esforços de pressionar o governo para fazer o máximo que podíamos, o mais rápido que podíamos, para buscar a libertação de Alan."

Início da pressão

Em 2010, autoridades cubanas começaram a pressionar o governo dos EUA para ajudar Hernández e sua mulher, Adriana Pérez, hoje com 44 anos, a conceber uma criança, quando um diplomata cubano constrangido levantou o assunto com um colega norte-americano em Washington. Era um tiro no escuro. O Departamento Federal de Prisões não permite visitas conjugais, e autoridades norte-americanas suspeitavam que Pérez também tinha sido treinada como uma espiã cubana.
Quando Leahy, um dos principais defensores da mudança de política em relação a Cuba, visitou Havana em fevereiro de 2013, autoridades cubanas pediram para que ele se encontrasse com Pérez. Leahy, sua mulher, Marcelle Pomerleau Leahy, e Rieser se encontraram com ela em um quarto de hotel em Havana. "Foi um encontro comovente", lembrou-se Patrick Leahy em uma entrevista. "Ela queria ter um filho antes que ficasse velha demais. Ela amava profundamente o marido."
Quando voltaram para Washington, Leahy estava convencido de que ajudar o casal era a coisa certa a se fazer em termos humanitários e também para melhorar as perspectivas de um avanço diplomático, algo que escapou das mãos de inúmeros governos ao longo das décadas. "Tim, precisamos descobrir como fazer isso", Leahy se lembra de dizer a seu funcionário.
Rieser sabe lidar com tarefas complexas. Ele foi um dos arquitetos da lei de 1992 que proibiu as minas terrestres. Ele também ajudou a esboçar a Lei Leahy, que foi aprovada em 1998 e proíbe os Estados Unidos de fornecerem assistência militar a exércitos estrangeiros que violam os direitos humanos sem responder por isso. Suas habilidades e sua autoridade no Capitólio também são tão respeitadas que um funcionário sênior do Departamento de Estado se refere a ele, afetuosamente, como "Secretário de Estado Rieser".
Quando o Departamento de Prisões disse a Rieser que uma visita conjugal estava fora de cogitação, ele perguntou sobre a inseminação artificial e descobriu que ela já tinha sido autorizada em outra situação. Ele conseguiu que altos funcionários do Departamento de Estado e do Departamento de Justiça assinassem o arranjo. "Então a questão passou a ser como fazer isso", disse Reiser em uma entrevista durante o fim de semana.
Uma vez que todos estavam de acordo, autoridades cubanas coletaram uma amostra de esperma de Hernández e transportaram-na para o Panamá. A tentativa inicial de engravidar Pérez fracassou. Uma segunda, cerca de oito meses atrás, foi bem sucedida. "Eu queria deixar claro para eles que nos importamos com o tratamento [que damos] a seu povo, da mesma forma que esperamos que eles tratem bem o nosso", disse Rieser, 62.

Contrapartida

Enquanto Rieser trabalhava para ajudar a realizar o desejo de Hernández, ele persuadiu autoridades cubanas a melhorarem as condições de prisão de Gross, que tinha entrado em greve de fome este ano e ameaçado cometer suicídio se não fosse solto em breve. Rieser conseguiu com que os cubanos desligassem a luz da cela de Gross à noite e lhe dessem acesso a um computador e impressora. Riser também teve permissão para falar com Gross por telefone muitas vezes ao longo dos últimos meses. "Se Alan Gross tivesse perdido a esperança, cometido suicídio, toda a coisa teria caído por terra", disse Leahy.
Quando Obama telefonou para Leahy depois que o acordo foi anunciado na semana passada para agradecer-lhe por sua persistência e aconselhamento, o senador disse que a maior parte do crédito cabia a um ex-defensor público pouco conhecido de seu gabinete, que nunca buscou os holofotes. "Eu não teria conseguido sem Tim Rieser", disse ele ao presidente.

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