terça-feira, 30 de dezembro de 2014

França e Itália formam dupla anti-austeridade da Europa
Karl Theodor Zu Guttenberg e Pierpaolo Barbieri - TINYT
Gabriel Bouys/AFP
Primeiros-ministro da Itália, Matteo Renzi, e da França, Manuel Valls Primeiros-ministro da Itália, Matteo Renzi, e da França, Manuel Valls
Juntos, os primeiros-ministros francês e italiano podem desafiar o consenso de Berlim e definir um novo caminho para a recuperação. Entre as muitas consequências da crise econômica que já dura anos na Europa está a cristalização da zona do euro em dois campos: um lado a favor da austeridade, liderado por Angela Merkel, da Alemanha, e pela França durante o governo de Nicolas Sarkozy; e um lado a favor do estímulo, que compreende praticamente todos os outros.
A crise continua, mas os dias da predominância neoliberal franco-alemã (conhecida na Europa como "Merkozy") se foram. Não só Sarkozy não é mais presidente, mas a fraca recuperação do continente levantou questões sobre a pertinência da austeridade berlinocêntrica. Fora da Alemanha, muitos têm sentido falta de um líder anti-Berlim.
De repente, há dois candidatos para esse papel: o primeiro-ministro Manuel Valls, da França, e o primeiro-ministro Matteo Renzi, da Itália. Eles são jovens e carismáticos na televisão, e têm se posicionado contra o consenso de Berlim. Como os europeus adoram um jogo de palavras, o par tem sido chamado, no "The Economist" e outros lugares, de "Vallenzi".
Estes jovens líderes estão no comando das segunda e terceira maiores economias da zona do euro, e seu desempenho pode determinar se os críticos estão certos na crença de que a região está a caminho de uma era de deflação e estagnação ao estilo japonês. Mas, embora os meios de comunicação europeus tenham focado nas semelhanças entre eles, o que é mais interessante são suas diferenças -- e se essas diferenças vão impedi-los de traçar um novo caminho para o continente.
Valls e Renzi parecem predestinados a formar um par político poderoso. Eles lideram duas das economias mais esclerosadas da União Europeia. Ambos são nominalmente primeiros-ministros de esquerda que parecem inspirados pela modernização das políticas social-democratas de Tony Blair na Inglaterra. Eles ascenderam argumentando a favor de uma reforma estrutural interna, combinada a mais estímulo econômico no nível supranacional. Eles argumentam a favor do crescimento antes da redistribuição. Eles também não foram tecnicamente eleitos, tendo sido nomeados por um presidente (Valls) e pelo maior partido no Parlamento (Renzi).
Mas suas diferenças são mais importantes. Onde Renzi é pragmático, flexível e disposto a assumir riscos em casa, Valls é cauteloso e ideológico.
Veja por exemplo as abordagens divergentes em relação aos orçamentos, que precisam ser aprovados pela Comissão Europeia. O primeiro princípio de Renzi foi mostrar que ele e seu governo podem ser bons administradores fiscais em seu país, acreditando que somente estabelecendo um orçamento legítimo ele pode pressionar por concessões para mais estímulos no nível da União Europeia.
Mas ele também envolveu sua abordagem na retórica sobre um New Deal para a Europa, um grande acordo no qual países como a Itália fariam reformas internas em troca de ajuda externa. Ele até deu um tom populista à sua mensagem: "a Itália respeita as regras, mas não a abordagem em que 0,1% importa mais do que a política." É um desafio para Berlim, mas um desafio a que Merkel pode achar difícil resistir.
O contraste com a França é gritante: o governo de Valls preferiu ignorar as exigências orçamentais anteriores, dizendo que já tinha feito tudo o que era possível. "Tentar fazer mais seria impossível", afirmou Valls de forma lacônica. A comissão não se convenceu, e criticou seu governo por "não agir de forma efetiva para 2014 nesse âmbito."
Os contextos internos na Itália e na França também tornam a coordenação entre os dois países muito mais difícil do que era entre Merkel e Sarkozy. Valls atua sob François Hollande, o presidente francês mais impopular da 5ª República, e o jovem primeiro-ministro é prejudicado por problemas econômicos preocupantes que só foram aprofundados pelos amplos poderes presidenciais de Hollande e pelas antigas políticas da esquerda.
Renzi não tem um presidente impopular a quem responder. Em sua curta estadia de meses no cargo, ele transformou o cenário político italiano, esmagando a dissidência dentro de seu partido e encontrando um meio termo com o pior pesadelo da esquerda italiana, Silvio Berlusconi. Ao contrário de Valls, Renzi já entregou algumas das reformas que prometeu. Ele promulgou cortes de impostos significativos para as empresas, refreou as contribuições com o bem-estar social e começou um processo de reforma trabalhista que ataca a notória regra antidemissão do país. A Itália também está caminhando para aliviar a paralisia quase mitológica de seu sistema político e judiciário.
Quando os sindicatos não demoraram a tachar Renzi como um "thatcherista", ele contra-atacou, acusando-os de defender a ideologia em detrimento das pessoas. Este é o tipo de atitude de que não se ouve falar em relação a Valls.
"Vallenzi" é uma bobagem; Renzi está se mostrando um político muito melhor. Mas a política não é um esporte. Nem a Itália, nem a França, são, sozinhas, fortes o bastante para desafiar o consenso de Berlim e definir um novo caminho em direção a uma recuperação econômica sustentável. Se elas não conseguirem se unir, correrão o risco não só de permitir que Berlim continue empurrando sua estratégia de austeridade, mas também de permitir a ressurgência contínua de partidos populistas e nacionalistas por todo o continente.
Obviamente, Valls precisa melhorar na ousadia política. Mas ambos os líderes poderiam se esforçar mais para trabalhar em conjunto, defendendo a mesma causa nas negociações com a Alemanha e a Comissão Europeia. Se Valls e Renzi conseguirem reformar substancialmente o mercado de trabalho e o sistema de bem-estar social, seus países voltarão a crescer e estarão em uma posição melhor para moldar as regras comuns da União Europeia e para pressionar aqueles que os instam a seguir esse caminho para que também sigam as regras.
Até lá, Merkel estará sozinha - poderosa, inconteste e nada pronta para ouvir as vozes de fora da câmara de eco da austeridade europeia. 
Tradutor: Eloise De Vylder

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