sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Desenhos animados são mais traumatizantes do que filmes para adultos
Nathaniel Herzberg - Le Monde
"Este filme é reservado aos menores de 12 anos, algumas cenas podem ser chocantes para um público adulto…"De acordo com um estudo canadense publicado na terça-feira (16), esse aviso deveria ser colocado em vários filmes infantis. Segundo o relato publicado no "British Medical Journal" (BMJ), os desenhos animados parecem ser muito mais violentos que os filmes para adultos e, longe de oferecerem uma alternativa aos segundos, os primeiros mergulham os mais jovens em "um foco de morte e de destruição".
O artigo foi redigido com o tom humorístico caro às publicações de fim de ano do "BMJ". No entanto, o método empregado foi rigoroso e a constatação que ele faz é implacável, segundo os números revelados. Os personagens principais dos desenhos animados têm 2,5 vezes mais chances de morrer no decorrer da projeção do que os de filmes para adultos. Pior: o risco de presenciar um assassinato neles é três vezes maior. Já os pais dos heróis sucubem com uma frequência 5 vezes maior.

Devorada por uma barracuda

A ideia de conduzir essa pesquisa surgiu para Ian Colman, professor de epidemiologia na Universidade de Ottawa, quando ele viu em seu computador uma mensagem enviada por uma amiga. "Está preparado para assistir 'Procurando Nemo' esta noite com seus filhos? Um conselho: pule os 5 primeiros minutos".
De fato, ao final de 4 minutos e 3 segundos a mãe do peixinho é devorada por uma barracuda (melhor então que a versão de 1999 de "Tarzã", onde os leopardos esperam 4 minutos e 8 segundos para estraçalhar os pais do herói), segundo um roteiro cujas semelhanças com a cena do chuveiro de "Psicose" não parecem ser involuntárias nem fortuitas.
Junto com três colegas canadenses e britânicos, o pesquisador estabeleceu então um protocolo. Ele reuniu os 45 maiores sucessos do cinema de animação americano, desde "Branca de Neve", de 1937, até "Frozen", de 2013, comparando cada um deles com os dois "dramas" que chegaram ao topo das bilheterias do mesmo ano.
Do primeiro grupo, ele descartou os filmes de robô ou de carros, por acreditarem que é "confuso o conceito de morte para um não-humano". Do segundo, ele descartou os filmes de ação ou de aventura, "muitas vezes concebidos para agradar às crianças". No entanto, ficaram no grupo de controle algumas amenidades como "O exorcismo de Emily Rose", "Pulp Fiction" e "Cisne Negro".

Fenômeno ao longo do tempo

Colman e seus co-autores não se ativeram à análise fria dos números, e convidam a apreciar o fenômeno ao longo do tempo. Segundo eles, "nada parece sugerir uma evolução desde 1937, quando a madrasta da Branca de Neve, perseguida pelos sete anões, foi atingida por um raio, caiu de um precipício e foi esmagada por uma rocha". Tanto no passado como hoje, a morte atinge regularmente os personagens principais (2/3 dos desenhos animados, ante 50% dos dramas para adultos), seguindo um modus operandi bastante recorrente. Assim, no topo do ranking estão os ataques de animais ferozes (5, incluindo "Procurando Nemo" e "Tarzã"), as mortes por tiros ("Bambi", "Pocahontas", "Peter Pan") e por armas brancas ("A pequena sereia", "A bela adormecida").
Que impacto podem ter essas exposições, ainda mais repetidas, uma vez que as crianças tendem a rever seus filmes preferidos várias vezes? Inúmeros estudos mostraram que os acontecimentos vividos na tela deixam marcas entre os jovens espectadores. "Por exemplo, aqueles que assistem a um afogamento no cinema ficam mais relutantes em praticar canoagem", ressalta o estudo. Já em uma sociedade em que os pais hesitam em falar sobre a morte, "um contato como esse pode ter um impacto positivo se for tratado de maneira apropriada". E os autores exaltam "O Rei Leão" como um modelo de pedagogia sobre "a complexidade do trabalho de luto".
Mas o gentil felino não está sozinho na selva cinematográfica. Outros, mais selvagens, estão à espreita de nossos pimpolhos. Portanto, os autores convidam os pais a assistir aos desenhos animados junto com seus filhos "para poder apoiá-los quando eles se depararem com as cenas de horror que inevitavelmente surgirão".
Isso é tudo, pessoal!

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