quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Dilma sob ataques
Merval Pereira - O Globo 
A questão central é que mexer em valores importantes para trabalhadores e sindicalistas dá a sensação de que o governo está traindo seus eleitores, ao mesmo tempo que dá margem a que o PSDB assuma um modo petista de fazer oposição.
Mas na verdade o governo está fazendo o que tinha de fazer mesmo, há distorções no seguro-desemprego, no sistema de pensões, e em diversos outros mecanismos de benefícios sociais; é necessário, mas desgastante, dar uma controlada nisso. A ideia é economizar cerca de R$ 18 bilhões/ano, o que não é pouca coisa para um país que está precisando desesperadamente cortar custos.
Mas mexe com interesses de sindicalistas, que já estão muito agitados, e com políticos também. Até setores do PMDB estão questionando as medidas, chamando a atenção para o fato de que o governo começa a cortar custos pelos trabalhadores, e não pelos gastos excessivos da máquina governamental.
A esquerda do PT está se sentindo afastada da composição desse 2º Ministério, e acha que a direita tomou conta do governo. Há setores da esquerda, dentro e fora do PT, que não apoiam Dilma por tomar medidas que criticava nos seus adversários na campanha, e este é um fato que denota a incongruência de um governo que tem de abandonar crenças ideológicas na economia para reverter situação desastrosa que ele mesmo criou.
Dilma está tomando medidas que mudam a direção que apontou nos discursos na campanha eleitoral, mas não são medidas “de direita”, como equivocadamente apontam seus críticos internos, mas medidas necessárias para recuperar o equilíbrio das contas públicas.
Ao que tudo indica, teremos pela primeira vez um déficit fiscal ao final deste 2014, pois, para chegarmos a um superávit de R$ 10 bilhões anunciado pelo (ainda) ministro Guido Mantega, teríamos que ter um superávit de quase R$ 30 bilhões em dezembro, o que é inviável a esta altura, pelo menos sem malabarismos fiscais.
Dilma já anunciou que vai abrir o capital da Caixa para investimentos privados e precisa fazer isso mesmo, pois o governo não tem dinheiro. O problema é que ela não terá o apoio nem do PT, já liberado por Lula para críticas, nem dos movimentos sociais, que, ao contrário, estarão mobilizados em ação conjunta de Lula com líderes sindicais para ir às ruas defender os interesses da esquerda.
Isso quer dizer que, a pretexto de defender o governo do ataque da “direita”, esses movimentos sociais estarão indo contra setores encastelados no Ministério de Dilma, como Gilberto Kassab (PSD), que nas Cidades terá que dialogar Guilherme Boulos, do Movimento dos Sem Teto, o novo enfant terrible da esquerda brasileira.
A futura ministra da Agricultura, Kátia Abreu, também terá que se confrontar com João Pedro Stédile e o MST, que prometeu guerra nas ruas caso Aécio Neves vencesse a eleição, e vê a presidente da Confederação Nacional da Agricultura como uma inimiga tão grande quanto o candidato tucano, com o agravante de estar dentro do governo.
Ao lado disso, o governo não contará com o apoio da oposição, ao contrário do que aconteceu no início do primeiro governo Lula. A Força Sindical, que apoiou Aécio na eleição, vai se juntar aos demais sindicatos ligados ao PT para combater as mudanças nas regras de concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários, que considera nocivas aos trabalhadores.
A Força Sindical toca num ponto nevrálgico: o país vive expectativa de aumento de desemprego, de inflação e dos juros, e as novas medidas serão adotadas nesse novo ambiente econômico de crise.
O PSDB está disposto a ser oposição até mesmo a Joaquim Levy, que veio de suas hostes. O deputado Antonio Imbassahy já deu a direção ao dizer que as medidas representam o “neoliberalismo petista, que provocará desemprego e prejudicará os trabalhadores”.
O próprio presidente do PSDB, senador Aécio Neves, soltou uma nota afirmando que a presidente “faz agora o impensável: coloca em prática as suas medidas impopulares, prejudicando aqueles que deveriam ser alvo da defesa intransigente do seu governo: os trabalhadores e os estudantes”.
O embate será duro e incessante, e a presidente Dilma não parece estar equipada politicamente para enfrentá-lo.
A presidente Dilma terá grandes problemas pela frente porque a esquerda do PT e os sindicalistas já começam a se movimentar tanto contra Joaquim Levy quanto contra as medidas de contenção de custos dos benefícios sociais. Ao mesmo tempo, também o PSDB saiu ao ataque contra as novas medidas de contenção, acusando o governo de estar traindo seus eleitores e classificando de “neoliberalismo petista” as medidas anunciadas.

Nenhum comentário: