quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Com desvalorização do rublo, russos correm às lojas e se livram de moeda
Neil MacFarquhar e Andrew E. Kramer - TNYTNS 
Alexei Druzhinin/Pool/AFP
8.dez.2014 - O presidente russo Vladimir Putin visita a Igreja do Venerável Sérgio de Radonezh em Tsarskoye Selo 8.dez.2014 - O presidente russo Vladimir Putin visita a Igreja do Venerável Sérgio de Radonezh em Tsarskoye Selo
A Rússia se viu diante de uma crescente crise cambial na terça-feira, provocando uma série de bate-bocas públicos entre alguns dos principais aliados do governo. Enquanto isso, o presidente Vladimir Putin lutava para amansar eventos que têm o potencial de arruinar sua reputação como o líder que trouxe estabilidade e prosperidade ao país.
Mesmo o aumento no meio da noite da taxa de juros para 17% não conseguiu reverter a desvalorização do rublo, à medida que investidores em pânico provocavam a alta do dólar para mais de 80 rublos, uma marca histórica, antes de cair no final do dia para 68. O rublo perdeu 50% de seu valor desde o início do ano. Os consumidores russos, temendo perder suas economias, como ocorreu na crise financeira de 1998, correram para as lojas para se livrarem de rublos que pareciam perder valor a cada minuto.
A economia ainda não corre risco de uma crise de liquidez, notaram economistas e outros analistas, nem a Rússia ainda corre o risco de uma repetição de 1998, quando o governo não conseguia pagar suas dívidas. Mas muitos reconheceram que uma crise financeira pode surgir em um instante se os mercados globais, que já desconfiam do Kremlin, perderem a confiança em sua capacidade de conter os danos.
"É um pânico real", disse Kirill Rogov, um analista político e econômico independente, que é um crítico do governo Putin. "O rublo está se desvalorizando em 5% a 6% por dia e ninguém sabe como impedir."
Rogov disse que seus próprios familiares foram forçados a desistir de suas habituais férias de esqui nos Alpes neste ano por causa do custo e podem optar pela Geórgia ou Tchetchênia.
A crise foi causada pela forte queda no preço do petróleo, a principal exportação do país, a perda da confiança dos investidores no governo e uma política externa de confronto, que resultou em sanções do Ocidente após a crise na Ucrânia –fatores que os analistas disseram que dificilmente mudarão tão cedo.
Uma corrida semelhante ao rublo em 2009 foi impedida abruptamente depois que o banco central elevou as taxas de juros a 13%, provocando uma recessão e uma queda de 8% no crescimento, mas detendo o pânico. Os preços do petróleo também se recuperaram rapidamente naquele ano.
Neste ano, o aumento dos juros pareceu apenas afugentar os investidores, confirmando seus temores de que o governo não sabe como lidar com a crise.
"A principal impressão é um quadro de fraqueza, já que o governo não sabe o que fazer", disse Rogov. "Ele não consegue deter o pânico, ele não consegue impedir a desvalorização."
Reduzindo ainda mais as perspectivas, os analistas estão prevendo que os preços do petróleo permanecerão baixos até pelo menos 2016, devido à fraca demanda e aumento contínuo da produção na América do Norte. Mesmo antes do aumento das taxas de juros, o banco central já tinha dito que a economia encolheria em 4,7% no ano que vem se o petróleo permanecesse em torno de US$ 60 o barril.
Além dos mercados de petróleo e cambial, os analistas estavam se concentrando na situação financeira e na possibilidade de quebra de bancos e empresas.
"Devido ao pânico e incerteza, pode haver uma crise de liquidez nas próximas semanas e meses", disse Sergei Guriev, um economista proeminente que fugiu para o exílio no ano passado.
Não havia sinais de pânico público disseminado, nem filas nos bancos ou em casas cambiais. Mas isso pode ter ocorrido porque algumas delas estavam cobrando até 100 rublos por dólar. (O noticiário sugeriu que pode haver uma corrida por novos mostradores para casas de câmbio, já que os atuais são projetados para dois dígitos, não três.)
Dado o nível de corrupção aqui, sem contar a desconfiança congênita nas instituições do Estado, em tempos normais russos de todas as classes guardam rublos em casa. Agora, a maioria está ansiosa para se livrar desse acúmulo de toda forma que podem. Um cazaque foi visto visitando uma concessionária da Jaguar, que como várias marcas de luxo ficou sem carros, com uma mala com rodas cheia de dinheiro. As vendas aumentaram 50% neste mês, disse o gerente.
Jovens profissionais urbanos em Moscou ganham em média cerca de 80 mil rublos por mês. Antes da crise, isso equivalia a US$ 2.500, dinheiro suficiente para arcarem com as despesas básicas e ainda passarem algum tempo livre na Europa. Na terça-feira, esses salários encolheram para cerca de US$ 1 mil, deixando aqueles que já tinham comprado passagens aéreas se perguntando como vão pagar pelo restante de suas férias.
Putin não fez nenhum comentário público na terça-feira, apesar de ter marcado sua maratona anual de coletiva de imprensa para quinta-feira. Grande parte do debate oficial girou em torno das exigências de demissão de Elvira Nabiullina, a presidente do banco central. Um deputado comunista no Parlamento a acusou de "sabotagem" deliberada, uma velha acusação favorita dos stalinistas.
A televisão estatal, refletindo o ponto de vista do Kremlin, concentrou grande parte de sua cobertura substancial a explicar por que o banco central estava fazendo a coisa certa. Por sua vez, Nabiullina explicou que a Rússia precisa se acostumar a viver dentro de suas possibilidades.
"Nós temos que aprender a viver em uma zona diferente, a nos orientarmos para nossas próprias fontes de financiamento, projetos e substituir as importações", ela disse na televisão russa.
Apesar de uma moeda fraca geralmente atrair investimento a longo prazo, os investidores estrangeiros passaram a desconfiar do mercado russo por causa da cultura de capitalismo clientelista que cerca Putin e seu círculo interno, e a percepção de que eles distorcem as regras para atender seus propósitos.
Aleksei Kudrin, um ex-ministro das finanças que foi mencionado como possível novo primeiro-ministro para tratar da crise, escreveu no Twitter que "a queda do rublo e do mercado de ações não é apenas uma reação ao baixo preço do petróleo e às sanções, mas também à falta de confiança na política econômica do governo".
Ele apontou especificamente as recentes maquinações em torno da Rosneft, a gigante do petróleo dirigida por Igor Sechin, um ex-agente da inteligência soviética, assim como Putin, e um dos amigos mais próximos do presidente.
Com a Rosneft incapaz de refinanciar sua dívida devido às sanções do Ocidente que restringem os negócios com a Rússia, ela recorreu ao banco central, que concordou com um acordo opaco que, para os mercados, pareceu como se o banco central tivesse simplesmente decidido imprimir rublos para escorar a empresa. A desvalorização do rublo, disse Kudrin, teve início logo após o anúncio do acordo.
Sechin chamou a sugestão de Kudrin, de que o acordo provocou a desvalorização, de "provocação" e negou que o empréstimo em rublos tomado pela empresa na sexta-feira foi convertido em moeda.
Os apoiadores do Kremlin, e eles são legião, culparam Washington pela crise, dizendo que ele está conspirando com os sauditas para derrubar o preço do petróleo e quebrar a economia russa, em uma tentativa de derrubar Putin. O petróleo representa mais de 60% das exportações russas.
"A desvalorização do rublo é resultado da guerra financeira que Washington começou contra Moscou, uma guerra híbrida", disse Sergei Markov, um analista político ligado ao Kremlin.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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