quinta-feira, 9 de abril de 2015

Horizonte político da Rússia se resume unicamente a Vladimir Putin
Isabelle Mandraud - Le Monde
AFP
 Sem pompa nem fanfarra, os 15 anos de Vladimir Putin no poder foram comemorados com um colóquio – uma vez que ninguém mais se dá ao trabalho de fingir que houve um curto intervalo entre 2008 e 2012 quando, em uma bem orquestrada jogada, Dmitri Medvedev ocupou o lugar de presidente da Rússia enquanto Vladimir Putin ocupava o de primeiro-ministro.
No dia 31 de março, em uma sala da agência Tass, o encontro dedicado a esses 15 anos putinianos foi coordenado por Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, como sempre um pouco indiferente, mas atento à mensagem: só existe um líder. "Só existe um Putin", resumia alegremente em eco o analista político Dmitri Oreshkin no site "EJ", bloqueado pelas autoridades. Tanto para a oposição quanto para personagens secundários, a constatação é a mesma. O horizonte político russo se resume a um único homem.
Desde maio de 2000, data na qual Putin, ex-agente da KGB que se tornou conselheiro de Boris Yeltsin, chegou ao poder, "uma geração inteira cresceu na Rússia", comemorou Peskov. "Esses jovens não sabem nada da União Soviética, eles não viveram o horror dos anos 1990 e eles fazem parte da geração Putin (…), disposta a trabalhar e a se unir em torno dele." O resto do mundo faz a mesma constatação: "Os dirigentes internacionais tampouco conhecem a Rússia sem Putin."
Isso vale para todos os ocidentais. A mais "renomada" deles, Angela Merkel, chegou ao poder na Alemanha em 2005, e os anos que se passaram não contribuíram para reaquecer as relações, muito pelo contrário. Assim como outros, a chanceler alemã não irá a Moscou para o 70º aniversário da vitória russa sobre os nazistas, no dia 9 de maio. A Rússia de Putin está isolada, mas e daí?
A "vertical do poder" na Rússia se baseia em pesquisas que demonstram, segundo o Kremlin, uma adesão infalível ao líder que ultrapassa os 70% de aprovação. Último sobrevivente da família liberal tolerada no círculo de Putin, o ex-ministro da Economia Alexei Kudrin bem que tentou, durante esse colóquio, pedir por reformas jamais iniciadas, sobretudo no sistema judiciário, e atribuir a "responsabilidade direta" do presidente nesse domínio: "Se esse índice de popularidade não for usado para conduzir reformas, então ele não terá servido para nada."
Ele também tentou alertar contra o "preço a se pagar" pela anexação da Crimeia: "O financiamento da Crimeia nos custará de US$ 6 bilhões a US$ 7 bilhões por ano". "As perdas indiretas, como a fuga de capitais, serão muito maiores", ele acrescentou, avaliando em quase US$ 200 bilhões o impacto da reanexação da península ucraniana sobre a economia russa, ou seja, quatro a cinco vezes mais que os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, de 2012. Em vão.
Em um documentário chamado "Crimeia, retorno à pátria", concebido como uma ferramenta de propaganda e traduzido para várias línguas, o próprio Putin entrou em cena. Através de vários recursos cinematográficos, as etapas minuciosamente preparadas foram reconstituídas com helicópteros que surgiam como no filme "Apocalipse Now", e o uso do exército – os "homens polidos" que haviam desembarcado sem insígnias –  foi finalmente reconhecido.
Valia de tudo para demonstrar o "sucesso" de uma operação conduzida de ponta a ponta por um homem. "Vocês sabem o que nos deu nossa vantagem?", finge perguntar Putin, que aparece em cada etapa do filme. "O fato de que eu cuidei disso pessoalmente. Não é uma lucidez extraordinária de minha parte, mas se os chefes de Estado se envolvem, é mais fácil para os executantes fazerem seu trabalho." Ele ocupa sozinho o papel principal.

"Criticar o regime é algo antirrusso"

Sem Putin não há Rússia. A frase havia sido dita por Viatcheslav Volodin, vice-chefe do gabinete presidencial, em frente ao Club Valdai em 2014. E todos os dias é feito de tudo para fincar no país essa ideia de que não existia alternativa. Criticar o regime é algo antirrusso. Ninguém mais escapa dessa praga, que afeta as ONGs independentes consideradas "agentes do estrangeiro", a oposição retratada como "quinta coluna" ou a mídia estrangeira que seria arrastada para uma "guerra de informação".
Dizem que seria pior se o chefe de Estado viesse a morrer, pois então o caos se instalaria e o país afundaria. Pois quem pode apostar que teriam um destino melhor caso um outro silovik – oficiais superiores dos serviços de segurança e do exército – viesse a assumir o poder? Putin de fato veio desse mundo, mas sua presença na equipe de Boris Yeltsin ao lado dos liberais lhe permitia até então encarnar um certo equilíbrio.
"A destruição das instituições públicas" é tão grande, constata o analista político Dmitri Oreshkin, que "as eleições, os partidos, o Parlamento não têm mais nenhum respeito na sociedade. A divisão do poder não funciona. No lugar, há uma organização vertical ligada a uma única pessoa". "Volodin na verdade tem razão", ele diz, com amargor, "sem Putin seria como uma briga de clãs em um campo selvagem. Putin atribuiu a si mesmo o papel principal do estatismo russo. Mas não se pode falar em Estado, tudo que restou foi uma chefatura."
Recentemente o ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, foi obrigado a aceitar como vice um general da FSB, encarregado de um novo departamento dedicado ao combate ao terrorismo – um dos únicos domínios onde Moscou ainda coopera com os Estados Unidos. Após quinze anos comandando o Estado, o líder Putin quer deixar bem clara sua mensagem.

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