O problema pode ser bem maior do que parece
A Petrobras finalmente divulgou ontem, de madrugada, seus relatórios
contábeis referentes ao terceiro trimestre de 2014, encerrado em 30 de
setembro daquele ano. As demonstrações financeiras trazidas a público
sem a chancela de auditores independentes que se recusaram a assiná-las,
foram publicadas ao arrepio da lei, das normas da CVM, da SEC
(regulador do mercado de capitais americano) e dos contratos com os
credores.
Ao contrário do esperado pelo mercado, o balanço da companhia
apresentou um lucro da ordem de 3 bilhões de reais, embora a própria
empresa afirme que esse lucro não corresponde à realidade e que ajustes
nos valores dos ativos fixos precisam ser feitos, a fim de glosar a
existência de investimentos superfaturados, principalmente relacionados
com as falcatruas investigadas pela Operação Lava-Jato.
Portanto, mais do que as demonstrações contábeis em si, o mercado esteve interessado no comunicado da presidente Graça Foster. Diz ela:
“No dia 13/11/14, em consequência dos fatos e provas produzidos no
âmbito da Operação Lava Jato, a Petrobras postergou a divulgação dos
resultados do 3T-2014. Em suma, os depoimentos aos quais a Petrobras
teve acesso revelaram a existência de atos ilícitos, como cartelização
de fornecedores e recebimentos de propinas por ex-empregados, indicando
que pagamentos a tais fornecedores foram indevidamente reconhecidos como
parte do custo de nossos ativos imobilizados, demandando, portanto,
ajustes”.
Em razão da impraticabilidade de quantificação desses valores, a
empresa contratou peritos independentes para fazer uma avaliação de
todos os ativos fixos derivados de contratos firmados, a partir de 2004,
entre a Petrobras e empresas citadas na Operação Lava Jato. Os ativos
referidos somam, no balanço, cerca de R$ 188 bilhões, praticamente 1/3
de todos os ativos contabilizados (R$ 600 bilhões).
Segundo a presidente, “O resultado das avaliações indicou que os
ativos com valor justo abaixo do imobilizado totalizaram R$ 88,6 bilhões
de diferença a menor. Os ativos com valor justo superior totalizaram R$
27,2 bilhões de diferença a maior frente ao imobilizado” (sic).
Trata-se de um sobrepreço absurdo. 88 bilhões de reais num total de
161 bilhões (188 – 27). Ou seja, mais de cinquenta por cento dos
valores contabilizados em determinados projetos. Simplesmente, não dá
para acreditar que tudo isso seja resultado apenas superfaturamento de
obras ou de propinas pagas a funcionários e políticos, especialmente se
considerarmos que a Petrobras é um monopsônio em diversas atividades. Essa descrença, entretanto, longe de amenizar o problema, torna-o ainda mais complicado.
Na humilde opinião deste escriba, as divergências entre os valores
contabilizados e o valor real de mercado dos investimentos lançados no
balanço da Petrobras podem decorrer, entre outros, dos seguintes fatos:
1 – Superfaturamento de projetos e obras por parte do cartel de
empreiteiras que, comprovadamente, há muito vem operando dentro da
estatal, para deleite de funcionários e políticos corruptos;
2 – Existência de maus investimentos e/ou investimentos sem qualquer
avaliação técnica, mas apenas política. Por exemplo, instalações de
refinarias em locais tecnicamente inoportunos, mas levadas a cabo por
interesses políticos eleitoreiros;
3 – Obrigação política de realizar investimentos com conteúdo mínimo
nacional, o que, no mais das vezes, encarece e atrasa os investimentos;
4 – Obrigação de apresentar índices de lucratividade sempre altos,
não só para manter a aura de eficiência da empresa, como também para
pagar dividendos e participações aos dirigentes e empregados, o que pode
levar ao lançamento de algumas (ou muitas) despesas operacionais à
conta de investimentos (reduzindo o valor das despesas e aumentando o
custo dos ativos).
A descontinuidade dos projetos das refinarias Prêmium I e II, que
gerou um prejuízo bruto de R$ 2,7 bilhões neste balanço, é um exemplo
claro de como decisões políticas e sem qualquer amparo técnico podem
causar prejuízos enormes, ainda que eles nem sempre sejam visíveis à
primeira vista. O mesmo pode-se dizer do recente imbróglio envolvendo a Sete Brasil e a construção de plataformas e sondas com conteúdo nacional mínimo.
À luz dos fatos trazidos ao conhecimento do público até agora, e que
vão muito além daqueles investigados pela Operação Lava-Jato, não seria
nada improvável a existência ativos superfaturados também entre os
outros R$ 410 bilhões que ficaram fora das avaliações contratadas pela
diretoria da Petrobras, o que, caso confirmado, poderia elevar os
ajustes necessários à estratosfera.
O impacto de uma reavaliação global dos ativos, além do eventual
prejuízo contábil, traria para a realidade palpável as demonstrações
financeiras, nas quais hoje ninguém, em sã consciência, acredita.
Além dos pagadores de impostos e dos pequenos acionistas, quem
deveria estar realmente interessado em analisar um balanço que espelhe
minimamente a realidade seriam os credores da Petrobras. Qualquer
analista de crédito, por mais inexperiente, sabe que um dos principais
índices de avaliação de risco é a relação entre o valor da dívida e o
patrimônio da empresa. Nas atuais circunstâncias, o único valor
efetivamente conhecido é o volume da dívida – que já é considerada a
maior dívida empresarial do mundo. Seria bom conhecer também qual é o
tamanho efetivo do patrimônio que garantiria os créditos concedidos…
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