quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O problema pode ser bem maior do que parece
A Petrobras finalmente divulgou ontem, de madrugada, seus relatórios contábeis referentes ao terceiro trimestre de 2014, encerrado em 30 de setembro daquele ano.  As demonstrações financeiras trazidas a público sem a chancela de auditores independentes que se recusaram a assiná-las, foram publicadas ao arrepio da lei, das normas da CVM, da SEC (regulador do mercado de capitais americano) e dos contratos com os credores.
Ao contrário do esperado pelo mercado, o balanço da companhia apresentou um lucro da ordem de 3 bilhões de reais, embora a própria empresa afirme que esse lucro não corresponde à realidade e que ajustes nos valores dos ativos fixos precisam ser feitos, a fim de glosar a existência de investimentos superfaturados, principalmente relacionados com as falcatruas investigadas pela Operação Lava-Jato.
Portanto, mais do que as demonstrações contábeis em si, o mercado esteve interessado no comunicado da presidente Graça Foster.  Diz ela:
“No dia 13/11/14, em consequência dos fatos e provas produzidos no âmbito da Operação Lava Jato, a Petrobras postergou a divulgação dos resultados do 3T-2014. Em suma, os depoimentos aos quais a Petrobras teve acesso revelaram a existência de atos ilícitos, como cartelização de fornecedores e recebimentos de propinas por ex-empregados, indicando que pagamentos a tais fornecedores foram indevidamente reconhecidos como parte do custo de nossos ativos imobilizados, demandando, portanto, ajustes”.
Em razão da impraticabilidade de quantificação desses valores, a empresa contratou peritos independentes para fazer uma avaliação de todos os ativos fixos derivados de contratos firmados, a partir de 2004, entre a Petrobras e empresas citadas na Operação Lava Jato.  Os ativos referidos somam, no balanço, cerca de R$ 188 bilhões, praticamente 1/3 de todos os ativos contabilizados (R$ 600 bilhões).
Segundo a presidente, “O resultado das avaliações indicou que os ativos com valor justo abaixo do imobilizado totalizaram R$ 88,6 bilhões de diferença a menor. Os ativos com valor justo superior totalizaram R$ 27,2 bilhões de diferença a maior frente ao imobilizado” (sic).
Trata-se de um sobrepreço absurdo.  88 bilhões de reais num total de 161 bilhões (188 – 27).  Ou seja, mais de cinquenta por cento dos valores contabilizados em determinados projetos.  Simplesmente, não dá para acreditar que tudo isso seja resultado apenas superfaturamento de obras ou de propinas pagas a funcionários e políticos, especialmente se considerarmos que a Petrobras é um monopsônio em diversas atividades.  Essa descrença, entretanto, longe de amenizar o problema, torna-o ainda mais complicado.
Na humilde opinião deste escriba, as divergências entre os valores contabilizados e o valor real de mercado dos investimentos lançados no balanço da Petrobras podem decorrer, entre outros, dos seguintes fatos:
1 – Superfaturamento de projetos e obras por parte do cartel de empreiteiras que, comprovadamente, há muito vem operando dentro da estatal, para deleite de funcionários e políticos corruptos;
2 – Existência de maus investimentos e/ou investimentos sem qualquer avaliação técnica, mas apenas política.  Por exemplo, instalações de refinarias em locais tecnicamente inoportunos, mas levadas a cabo por interesses políticos eleitoreiros;
3 – Obrigação política de realizar investimentos com conteúdo mínimo nacional, o que, no mais das vezes, encarece e atrasa os investimentos;
4 – Obrigação de apresentar índices de lucratividade sempre altos, não só para manter a aura de eficiência da empresa, como também para pagar dividendos e participações aos dirigentes e empregados, o que pode levar ao lançamento de algumas (ou muitas) despesas operacionais à conta de investimentos (reduzindo o valor das despesas e aumentando o custo dos ativos).
A descontinuidade dos projetos das refinarias Prêmium I e II, que gerou um prejuízo bruto de R$ 2,7 bilhões neste balanço, é um exemplo claro de como decisões políticas e sem qualquer amparo técnico podem causar prejuízos enormes, ainda que eles nem sempre sejam visíveis à primeira vista.  O mesmo pode-se dizer do recente imbróglio envolvendo a Sete Brasil e a construção de plataformas e sondas com conteúdo nacional mínimo.
À luz dos fatos trazidos ao conhecimento do público até agora, e que vão muito além daqueles investigados pela Operação Lava-Jato, não seria nada improvável a existência ativos superfaturados também entre os outros R$ 410 bilhões que ficaram fora das avaliações contratadas pela diretoria da Petrobras, o que, caso confirmado, poderia elevar os ajustes necessários à estratosfera.
O impacto de uma reavaliação global dos ativos, além do eventual prejuízo contábil, traria para a realidade palpável as demonstrações financeiras, nas quais hoje ninguém, em sã consciência, acredita.
Além dos pagadores de impostos e dos pequenos acionistas, quem deveria estar realmente interessado em analisar um balanço que espelhe minimamente a realidade seriam os credores da Petrobras.  Qualquer analista de crédito, por mais inexperiente, sabe que um dos principais índices de avaliação de risco é a relação entre o valor da dívida e o patrimônio da empresa.  Nas atuais circunstâncias, o único valor efetivamente conhecido é o volume da dívida – que já é considerada a maior dívida empresarial do mundo.  Seria bom conhecer também qual é o tamanho efetivo do patrimônio que garantiria os créditos concedidos…

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