Um vilarejo que tem tudo o que a Itália quer: internet
Gaia Pianigiani - NYT
Alessandro Grassani / The New York Times
Daniele
Trinchero, professor da Universidade de Turim, instalou uma antena de
internet sem fio em Verrua Savoia, pequena cidade italiana com 1.500
moradoresEste vilarejo rural no alto do morro, onde uma fortaleza do século 17 é um lembrete de como os moradores expulsaram invasores por centenas de anos, pode parecer o último lugar na Itália para se encontrar uma conexão sem fio à internet.
Mesmo assim, alguns aqui acreditavam que tinham o direito de entrar para o mundo digital, para pagar contas, fazer transações bancárias ou marcar consulta com um médico.
Um deles era Daniele Trinchero, professor da Universidade Politécnica de Turin, próxima dali, que ajudou a montar uma associação sem fins lucrativos que começou as atividades na semana passada e oferece aos cidadãos locais o que tanto o estado quanto as companhias de telecomunicações até agora não oferecem. O grupo pode ser o primeiro do tipo na Itália.
Ao longo de oito anos, ele e sua equipe construíram um link de rádio com peças recuperadas de computadores e forneceram vários roteadores à prefeitura para distribuir a internet a cinco pontos de acesso. Esses pontos, no alto de picos, dirigem o sinal para as casas com receptores baratos nos telhados ou varandas.
"É simplesmente necessário", disse o reverendo Corrado Cotti, 84, padre da paróquia, ex-editor do jornal local e um dos pioneiros do experimento. "A imprensa tornou a comunicação mais fácil", disse ele. "Mas com a internet, as palavras voam."
Bem, às vezes.
A adoção tardia da internet na Itália paira como um dos problemas mais prementes, e ainda não resolvidos, do país. Nos anos 90, a principal companhia de telecomunicações foi privatizada, transferindo a responsabilidade de conectar a Itália das mãos públicas para as privadas. Mas a Itália é um país onde metade do território é montanhoso, onde o sinal não viaja tão facilmente e onde instalar cabos de fibra ótica é muito caro.
Depois de anos de promessas não cumpridas, o governo do primeiro-ministro mais novo da Itália, Matteo Renzi, de 39 anos, está tentando colocar o "digital em primeiro lugar", começando com um plano para investir mais de 6 bilhões de euros, US$ 7,25 bilhões, em conexões ultrarrápidas de banda larga.
Mas por enquanto, o país vive com uma divisão digital - e cultural - sonolenta que deixou para trás não só grande parte dos italianos, mas também a própria Itália em relação à maior parte do resto da Europa e dos Estados Unidos. A Itália tem uma das taxas mais baixas de conexões de banda larga rápida por residência na Europa - metade das que existe, digamos, na vizinha Suíça. Apenas 10% das escolas primárias da Itália têm conexão de banda larga.
Introduzir a banda larga rápida traria um "aumento sensível" ao produto interno bruto do país, diz o governo, e isso também poderia retardar ou reverter a migração para as cidades que deixou vilarejos como este despovoados.
"Uma conexão rápida à internet faz toda a diferença no mundo quando você está nos segundos finais de um leilão no eBay", diz Eldio Ginevro, 76, ex-prefeito e colecionador apaixonado com mais de 270 cartões postais de Verrua Savoia enviados a ele de toda parte do mundo.
"Quando Daniele me contou sobre seu projeto pela primeira vez, achei que ele poderia revitalizar Verrua e também torná-la mais atraente para os recém-chegados", acrescentou. "Muita gente deixou essa área nos últimos tempos."
Verrua Savoia, como muitos outros vilarejos de áreas rurais, não oferece o conforto da vida na cidade. Para as pessoas aqui, a introdução de uma conexão rápida à internet era uma espécie de ideia utópica.
"Quando nos mudamos para cá em 2003, não havia conexão rápida à internet, e para nossa empresa isso era um verdadeiro problema", disse Marco Di Giovanni, responsável pelas vendas internacionais de uma firma de embalagens nas proximidades e que pagou para instalar um dispositivo de transmissão na Universidade Politécnica no final de 2006, logo depois que o projeto começou.
"Como podemos competir internacionalmente se não conseguimos nem fazer uma videoconferência?", disse ele. É aí que você percebe como a exclusão digital é crucial para o seu negócio."
Foi aí também que os pesquisadores de Trinchero entraram.
O projeto começou como um experimento. Ao longo dos últimos oito anos, ele e sua equipe construíram e mantiveram a rede e atendiam aos problemas e queixas dos moradores com sua conexão de 19 megabits de velocidade, que outros italianos em áreas centrais consideram um milagre.
O experimento da universidade termina em 31 de dezembro, e a associação de moradores locais, chamada "Sem fios, sem fronteiras", já começou a assumi-lo.
Cinco moradores estão no conselho e coordenam o trabalho pago dos especialistas que gerenciarão a rede, junto com moradores mais jovens, e oferecem cursos para aqueles que querem aprender a usar a internet. A adesão custará apenas 50 euros por ano, cerca de US$ 75 - com cursos e uma conexão de 20 megabits à internet inclusos.
"Com a associação, estamos provando que este experimento de democracia de baixo para cima está pronto para decolar", disse Trinchero, descendo o morro que tinha escalado para limpar a neve dos painéis solares e transmissores.
"Nosso objetivo é reduzir a exclusão cultural e de infraestrutura", diz ele.
Como em outras partes rurais da Itália, muitos moradores de Verrua Savoia deixaram o local nos anos 50 e 60 para trabalhar nas indústrias das cidades vizinhas. O vilarejo já esparso se tornou ainda mais fragmentado, e a vida social minguou, diz Cotti, que se mudou para Verrua Savoia em 1957.
Hoje é fácil de ver o impacto do experimento de Trinchero. Construir e manter uma conexão de internet fez com que os moradores passassem a trocar ideias e preocupações pessoalmente e por e-mail.
Moradores mais jovens ajudam os mais velhos a comprar online coisas que eles não conseguem encontrar nos mercados locais. Os mais aventureiros dos maiores de 65 anos começaram a enviar documentos escaneados para seus filhos que moram em Turin. Muitos agora mantém contato pelas mídias sociais.
"A internet nos ajudou a agregar as pessoas novamente", disse Cotti. Numa manhã recente, os moradores estavam preocupados com o que aconteceria quando a administração da rede passasse das mãos da universidade para as da associação.
"Nós confiamos em vocês - vocês fazem o que precisa ser feito", disse o ex-prefeito Ginevro a Trinchero. "Mas vocês precisam garantir que tenhamos uma internet que funcione. Não vamos desistir. Ela é nossa agora."
Tradutor: Eloise de Vylder
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