quinta-feira, 9 de abril de 2015

Ataque contra abrigo para refugiados indica que xenofobia se espalhou na Alemanha
Christina Hebel - Der Spiegel
John MacDougal/AFP Photo
Simpatizantes do movimento anti-islâmico Pegida (Patriotas Europeus Contra a Islamização do Ocidente) se reúnem em protesto na praça do Teatro, em Dresden, Alemanha
Simpatizantes do movimento anti-islâmico Pegida (Patriotas Europeus Contra a Islamização do Ocidente) se reúnem em protesto na praça do Teatro, em Dresden, Alemanha
Um ataque incendiário contra um futuro abrigo para refugiados na cidade alemã de Tröglitz é apenas o mais recente indicador de que o sentimento xenofóbico se espalhou pelo país. O número de crimes dirigidos a quem procura asilo aumentou dramaticamente.
Eventos no fim de semana passado na Alemanha deixaram muitos preocupados que uma onda de xenofobia alarmante possa estar retornando para o país. No início da manhã de sábado, um ou mais agressores invadiram um prédio na cidade de Tröglitz no estado da Saxônia-Anhalt. O edifício estava sendo reformado para acomodar 40 refugiados a partir de maio. Embora ninguém tenha ficado ferido, o incêndio criminoso deixou o edifício muito danificado e inabitável. O promotor local e outras autoridades acreditam na possibilidade de um crime com motivação política.
O incidente claramente abalou o ex-prefeito da cidade, Markus Nierth. "É terrível e estou triste", disse ao "Spiegel Online". "As pessoas estão muito chateadas. Muitas estão revoltadas e sabem exatamente o que este incêndio fará com a reputação da cidade. Estou assumindo que foi um incêndio proposital. Se isso for verdade, será uma vergonha para Tröglitz, que entrará para o ranking de cidades como Mölln e Hoyerswerda".
Nierth está se referindo aos locais de dois ataques infames contra estrangeiros na Alemanha. Em novembro de 1992, uma avó turca e suas duas netas foram mortas quando extremistas de direita atearam fogo em sua casa em Mölln, no estado de Schleswig-Holstein. Um ano antes, na cidade de Hoyerwerda - localizada no Estado alemão oriental da Saxônia - turbas de extrema-direita atacaram albergues para estrangeiros contratados ou em busca de asilo. Agora, muitas pessoas estão se perguntando se o ataque de Tröglitz não marca o retorno da xenofobia do início dos anos 90.
Apenas alguns dias antes do ataque de Tröglitz, as autoridades da aldeia de 2.700 habitantes realizaram uma reunião na prefeitura para discutir os planos para abrigar os refugiados. A reunião atraiu 500 pessoas, incluindo um membro sênior da extrema-direita, do Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD), neonazista. O incêndio também ocorreu menos de um mês após a saída de Nierth - ex-prefeito voluntário da cidade, que fez campanha para uma maior tolerância e aceitação de refugiados. Vizinhos e membros do NPD ameaçaram marchar até a casa de Nierth, e ele recebeu ameaças de morte, o que provocou indignação em toda a Alemanha.
Na reunião, um morador gritou: "Um monte de dinheiro é dado aos estrangeiros, mas nós não recebemos nada. Eles ganham apartamentos com tudo coberto, de A a Z. Cada maldita coisa".

"Este é um problema nacional"

Esse tipo de ponto de vista, infelizmente, também é encontrado para além de Tröglitz. Na terça-feira, Reiner Haseloff, governador da Saxônia-Anhalt advertiu que o ataque deste fim de semana não deve ser visto como um incidente isolado. "Este é um problema nacional", disse o político conservador ao jornal "Die Welt". "Precisamos tratar esses atos indizíveis no nível de política nacional."
Na terça-feira (07), os funcionários do Ministério do Interior estadual de Saxônia-Anhalt disseram que, em maio, apenas 10 requerentes de asilo seriam transferidos para Tröglitz e que eles seriam alojados em casas particulares. Mais tarde, o número total aumentaria para 40, quantidade originalmente atribuída à cidade.
Diante dos problemas socioeconômicos de Tröglitz, o sentimento de xenofobia dos moradores não é de todo surpreendente. A cidade foi estabelecida pela primeira vez na década de 30 para proporcionar habitação para trabalhadores de uma mina de carvão local, mas, após a queda do Muro de Berlim em 1989, a mina foi fechada e cerca de 4.500 postos de trabalho desapareceram. Muitos moradores hoje não têm trabalho nem oportunidades. Os jovens abandonaram a cidade, deixando para trás uma maioria de habitantes mais velhos.
Isso forma um cenário de recrutamento eficaz para os partidos populistas ou de extrema-direita, como o neonazista NPD, cujos membros são ativos na área. Há semanas, as vozes de extrema-direita vêm tentando criar um sentimento público contra os estrangeiros que aguardam asilo. Mas outras razões, incluindo as recentes mudanças no clima político alemão, também podem ter ajudado a estimular o ataque.

Um aumento acentuado de refugiados

Como muitos países da União Europeia, a Alemanha tem visto um aumento acentuado no número de pessoas ingressando e pedindo asilo no país nos últimos anos. O Serviço Federal de Migração e Refugiados estima que cerca de 250.000 refugiados chegarão na Alemanha este ano, um aumento de 80 mil em relação a 2013. Muitos vêm da Síria e dos Estados dos Balcãs. Embora a responsabilidade pelos estrangeiros requerentes de asilo seja compartilhada pelos governos federal, estaduais e municipais, este crescimento vem colocando uma pressão enorme sobre muitos municípios, que têm se esforçado para oferecer acomodações adequadas.
Isso, por sua vez, alimentou o surgimento de um movimento que combate ativamente os refugiados em várias partes da Alemanha. Os exemplos são inúmeros. Há o movimento Pegida baseado em Dresden, uma campanha contra a suposta islamização da Saxônia, um Estado oriental que tem uma população estrangeira de apenas 2,5%. A Alternativa para a Alemanha (AFD), de direita, vem conquistando assentos no parlamento, Estado por Estado. A União Social Cristã, o partido bávaro associado aos Cristãos Democratas da chanceler Angela Merkel, há muito tempo começou a flertar com frases populistas como, "nós não somos o  departamento de bem-estar social do mundo", que poderia ter sido tirada diretamente do NPD.

Aumento dos crimes contra refugiados

O aumento dessas ideias populistas pode ter criado um ambiente permissivo para esses ataques contra abrigos e refugiados. O governo federal informou que houve 150 crimes por parte de extremistas de direita dirigido aos abrigos de estrangeiros em 2014, um número três vezes maior do que no ano anterior. Só no último trimestre de 2014, foram 67 incidentes. Os crimes vão desde sedição até ataques com armas ou objetos incendiários.
"O número de ataques está aumentando significativamente em todo o país", disse o governador Haselhoff, da Saxônia-Anhalt, ao "Die Welt". "Tröglitz está acontecendo em toda parte".
Christine Lüders, diretora da Agência Federal de Combate à Discriminação da Alemanha, disse ao jornal "Frankfurter Rundschau": "Tröglitz está acontecendo em todos os lugares, mas às vezes não é tão óbvio. Não podemos tolerar a violência radical de direita como a que aconteceu em Tröglitz em nossa sociedade". Ela, então, avisou: "Primeiro vão queimar as casas; depois, as pessoas".

Uma enorme quantidade de incidentes

Houve uma série de ataques contra os refugiados em toda a Alemanha nas últimas semanas.
Em 3 de abril, dois requerentes de asilo egípcios em Wismar, em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, foram alvos do que se acredita ter sido um ataque xenofóbico. A polícia afirmou que oito homens ainda não identificados gritaram slogans contra estrangeiros enquanto ameaçavam os refugiados.
Um mês antes, no dia 7 de março, desconhecidos inundaram uma construção em Malterdingen, no sul do Estado de Baden-Wurttemberg, que estava sendo reformada para servir de alojamento para refugiados. Os criminosos invadiram a casa, desatarraxaram os canos e ligaram duas torneiras. A polícia disse que o incidente causou dezenas de milhares de euros em danos, e o prefeito local acredita que o ataque foi motivado por xenofobia.
Em 9 de fevereiro de 2015, na cidade de Escheburg, em Schleswig-Holstein, uma lata de gás pegando fogo foi jogada em um duplex no dia em que uma família de seis refugiados do Iraque deveria se mudar. Como a casa ainda estava vazia, ninguém ficou ferido. Um homem de 38 anos de idade, que morava ao lado com a esposa e a filha -que aparentemente criticara o plano para abrigar os refugiados- confessou o crime. Seu julgamento está previsto para começar em maio. Se condenado, ele pode pegar pelo menos um ano de prisão por incêndio criminoso.
Em 6 de fevereiro, em Dortmund, na Renânia do Norte-Vestfália, extremistas de direita carregando tochas se reuniram em frente a um alojamento de refugiados aguardando asilo, gritando lemas contra estrangeiros. Alguns também soltaram fogos de artifício.
Entre 16 e 17de janeiro, perpetradores em Porta Westfalica em Renânia do Norte-Vestfália atacaram uma casa de refugiados. A polícia informou que cerca de seis homens dispararam armas de paintball contra a casa e gritaram frases racistas.
Em 27 de janeiro, em Wassenberg em Renânia do Norte-Vestfália, sete alemães atacaram três refugiados norte-africanos com porretes. Os agressores mascarados gritaram insultos racistas durante os ataques. Uma das vítimas ficou tão ferida que teve que ser levada para o hospital.
Em 12 de dezembro, na cidade de Vorra, na Baviera, a polícia acredita que membros da extrema-direita incendiaram uma pousada com um celeiro e um prédio de apartamentos reformado. Os perpetradores pintaram duas suásticas em um prédio vizinho e a mensagem: "Não aos refugiados em Vorra". Inicialmente, cerca de 70 refugiados deveriam ir morar no edifício, que está sendo reformado para abrigá-los. A polícia ainda não encontrou os culpados.

Alguns moradores demonstram solidariedade para com os refugiados

Em alguns casos, os moradores protestaram contra a xenofobia. Em Vorra, 350 pessoas participaram de uma manifestação após o ataque. No sábado, 350 fizeram uma manifestação contra a xenofobia em Tröglitz.
O ex-prefeito Nierth disse que muitos moradores tinham ficado chateados por não terem comparecido na reunião da prefeitura na semana passada sobre os refugiados e expressado suas opiniões. "A maioria dos moradores de Tröglitz são amigáveis", disse ele. "Nós não somos um lar de sentimento nazista, mesmo que possa parecer assim". Juntamente com um padre local, Nierth criou um grupo de cidadãos que tem como objetivo promover uma cultura de boas-vindas para os refugiados.
Até agora, os acontecimentos de 2015 foram de tudo, menos acolhedores. Em um tweet postado no domingo, o ministro da justiça alemão, Heiko Maas, do Partido Social Democrata de centro-esquerda (SPD), citou dados da Fundação Amadeu Antonio indicando que já houve 20 ataques em 2015 contra as acomodações para os requerentes de asilo. "A verdade amarga é que Tröglitz é apenas a ponta do iceberg", escreveu. Em uma mensagem anterior no Tweeter, ele escreveu: "Precisamos continuar deixando claro que acolhemos os refugiados".
Tradutor: Deborah Weinberg 

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