quinta-feira, 9 de abril de 2015

China avança rumo ao ártico para alcançar a última fronteira
Thomas Gualtieri - El País
MODIS/Aqua/NASA
O gigante asiático se esforça para firmar-se no extremo norte do mundo, em busca de recursos para uma população que não para de crescer
O primeiro mapa do círculo polar ártico remonta a 1606. Naquela antiga - e equivocada - representação, o extremo norte do mundo era desenhado como uma espécie de imensa ilha rodeada de intermináveis rios, na qual uma definição genérica, "pigmeus", servia para identificar seus habitantes. Quatro séculos depois, o conhecimento desse remoto pedaço do planeta cresceu quase tanto quanto o interesse global despertado por suas reservas naturais, assim como sua condição de lugar de passagem para uma rota comercial chave do futuro.
Nesse cenário, não só os países árticos pretendem aproveitar essa riqueza. Apesar da distância geográfica, a China também pôs seu olhar sobre a região: "O interesse de Pequim no Ártico se deve à necessidade de buscar recursos indispensáveis para satisfazer uma população que não para de crescer", explicou recentemente Harald Serck-Hanssen, vice-presidente do DNB, principal banco de investimentos norueguês, em um simpósio sobre o futuro do Ártico que o semanário britânico "The Economist" organizou em Oslo.
As possibilidades de explorar a região aumentam no mesmo ritmo em que seu gelo derrete. Segundo dados do governo dos EUA, seu volume é o menor desde 1979, quando começaram a ser obtidos dados via satélite. Vários estudos internacionais concordam que, se não forem tomadas medidas para conter a ação do aquecimento, entre 2040 e 2050 o Ártico estará totalmente livre de gelo.
O progressivo desaparecimento da espessa camada de proteção, além de representar perigosas consequências ambientais, facilita o acesso às abundantes reservas de carbono e urânio, e sobretudo ao petróleo e o gás presos em suas entranhas, cuja massa representa, nos cálculos do US Geological Survey, um quarto das reservas mundiais ainda não descobertas.
Pequim não quer, ou talvez simplesmente não possa, ficar excluída da divisão desse suculento bolo. Segundo dados da ONU, em 2040 a população chinesa chegará a 1,41 bilhão, e quase três quartos viverão em cidades superpovoadas. Suas necessidades, além da energia indispensável para abastecer a nova população urbana, também aumentarão não só em razão de seu número. A Universidade Tsinghua de Pequim calcula que 320 milhões deles terão 60 anos ou mais e precisarão de recursos sem ter a capacidade de produzi-los, já que estarão fora ou prestes a deixar a força de trabalho.
Por isso, as autoridades chinesas implementaram uma gradual mas incessante aproximação do círculo polar. O gigante se define como "Estado vizinho do Ártico", apesar de o ponto mais setentrional do país estar tão próximo da região quanto da Alemanha. Desde 2013 a China é membro observador do Conselho Ártico, o fórum intergovernamental em que os oito países árticos (Canadá, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Rússia, Suécia e Estados Unidos) enfrentam e discutem os problemas regionais.
"O governo chinês dá muito mais relevância à mudança climática e à poluição que antes, respeita a soberania dos países árticos e entende qualquer projeto na região como uma ocasião para cooperar", afirma Ping Su, professora do Centro de Estudos Polares e Oceânicos da Universidade Tongji, em Xangai. Entretanto, matiza: "A China está se movendo no Ártico por meio de sua diplomacia científica e utiliza seus centros de pesquisa - como o Instituto Chinês de Pesquisa Polar - como ponta de lança para se estabelecer na região. Pequim entende suas manobras no Ártico como um projeto em longo prazo, baseado nos recursos energéticos, mineiros e pesqueiros".
Assim aconteceu com a General Nice, um dos principais importadores chineses de matérias-primas – que conseguiu em fevereiro a mina de Isua, na Groenlândia, cujo valor é calculado em 1,85 bilhão de euros. De lá extrairá os minérios de ferro que incluem as matérias-primas necessárias para fabricar aço, do qual a China é o maior produtor mundial.
A posição de Pequim não preocupa, por enquanto, a diplomacia internacional. "Deveríamos nos alegrar porque a exploração dos recursos energéticos do Ártico não se transformou em uma nova febre do ouro, e tudo está sendo feito respeitando estritas normas ambientais. O mais importante é manter uma atitude de colaboração", afirma Borge Brende, ministro das Relações Exteriores da Noruega, que subestimou as manobras militares que o exército russo realizou perto das fronteiras setentrionais norueguesas e que ameaçam quebrar as boas relações que até agora governaram o Conselho Ártico.
Os abundantes recursos energéticos não são o único motivo de interesse para a China. O gigante asiático é o primeiro país pesqueiro do mundo (segundo um relatório da ONU e do Banco Mundial, em 2030 consumirá 38% do pescado mundial) e os mares do círculo polar constituem uma importante reserva ainda imune à exploração em massa. Para uma economia amplamente baseada nas exportações, além disso, o degelo implica a possível abertura de novas rotas de navegação, mais rápidas em relação às convencionais.
Peter Hinchliffe, secretário-geral da Câmara Internacional de Transporte, esclareceu durante o simpósio que "a plena navegabilidade do Ártico será uma realidade concreta no mínimo dentro de 20 anos, mas é preciso criar já as infraestruturas e a arquitetura jurídica que a tornem possível". A possibilidade de que se concretize uma rota comercial estável, entretanto, desperta dúvidas entre os especialistas. Malte Humpert, diretor-executivo do grupo de pensadores Arctic Institute, com sede em Washington, especifica que "apesar de o percurso ser mais curto que as rotas convencionais, os custos para cruzar o Ártico são tão elevados que anulam as vantagens de viajar mais rapidamente".
Segundo dados do Escritório de Informação sobre as Rotas do Mar do Norte, 71 barcos escolheram esse caminho em 2013. Trata-se de um aumento substancial em relação a 2010, quando somente quatro o fizeram, mas ainda é um número muito distante dos 16 mil que passaram em 2013 pelo canal de Suez.
Assim, enquanto a situação geopolítica não se definir, o próprio mercado poderá se encarregar de neutralizar os planos chineses: "As atenções internacionais poderiam implicar um aumento da regulamentação que tornaria mais complicado investir no Ártico. Levar adiante projetos na região apesar dos crescentes riscos ambientais inclui a possibilidade de prejudicar a reputação das empresas envolvidas neles", declara Harald Serck-Hanssen, do banco DNB.
Entretanto, nem sempre as regras e a imagem negativa foram suficientes para conter as ambições chinesas.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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