domingo, 12 de novembro de 2017

Brincadeira racista de William Waack deixa esquerda assanhada e esconde o essencial: o duplo padrão hipócrita dos moralistas
Rodrigo Constantino
Não pretendo, ao contrário do que fez Reinaldo Azevedo, defender William Waack. O vídeo que vazou (e como, por quem e por quê são questões relevantes) é lamentável. O jornalista fez uma piada racista, é fato. O que não comprova que ele seja racista de fato, que fique claro.
Piadas muitas vezes são isso mesmo: apenas piadas, como um charuto pode ser apenas um charuto, mesmo para Freud. Elas podem ser infelizes, e diria que no mundo chato de hoje, asfixiado pelo politicamente correto, quase toda piada é infeliz e proibida, pois as “minorias” não podem mais ser alvo delas. Para ficar na zona de conforto, só mesmo se fizer troça com homem heterossexual branco e cristão.
Dito isso, o linchamento público moralista tem sido um espetáculo horroroso de se ver, mais do que qualquer ofensa racista do jornalista. Reinaldo Azevedo disse sobre o caso:
Parto do princípio de que William falou o que dizem que falou — embora a coisa seja inaudível. Ele próprio faz o mesmo e, por isso, pediu desculpas aos que se sentiram ofendidos. Está longe de ser o amigo mais bem humorado de seus amigos, mas, à diferença do que escrevem os parvos, não manifestava irritação naquela hora. Se disse ser aquilo “coisa de preto”, ia no gracejo um dado referencial: um “outsider”, de direita, com rompantes de extrema-direita, acabara de vencer a eleição no confronto com a candidata de Barack Obama. Negros e imigrantes constituíram as duas forças mais militantemente organizadas contra Trump.
“Ah, mas a piada foi infeliz…” É estupefaciente que isso esteja em debate. Quantos dos que me leem ou dos que atacam William nas redes resistiram à exposição pública de falas privadas? Se disse aquilo, não o fez para que fosse ao ar. Não era matéria de interesse público. Tratava-se de uma conversa privada. Ainda que a fala revelasse um juízo pessoal depreciativo sobre Obama, os “pretos” ou sei lá quem, o que importa é o seu trabalho, é o que diz no ar, é a sua contribuição ao debate civilizado. 
Ok, Reinaldo. Eu também tenho simpatia por William Waack, apesar de ter estado com ele uma única vez, quando ele me confessou ser meu leitor e até comentar, com pseudônimo, no meu blog. Acho ele um excelente jornalista. E Azevedo toca num ponto importante: Quantos resistiram à exposição pública de falas privadas?
Dito isso, duas coisas: 1) a fala não foi “inaudível”, pois está claro que ele disse o que disse, uma fala infeliz, na melhor das hipóteses uma brincadeira estúpida, que certamente não deveria ter sido vazada (e o fato de ter sido levanta suspeitas); 2) Bolsonaro é, por acaso, um estuprador, um defensor de estupradores? Quem o conhece sabe bem que não, mas isso não impediu Reinaldo de fazer sua caveira quando o deputado disse, em momento de raiva por ser interrompido por uma comunista, que a figura abjeta em questão não merecia ser estuprada. Qual seria a sua reação se a fala vazada fosse de Jair Bolsonaro? Por que o duplo padrão?
Nesse aspecto, Reinaldo apela para o mesmo duplo padrão da esquerda. Que, aliás, é o meu ponto-chave nesse episódio todo, como comentei no meu Facebook:
Se William Waack fosse socialista, ele poderia ser pego em gravação falando até que Pelotas é polo exportador de viado, que feministas são mulheres de grelo duro, ou até mesmo ter abusado de uma menina de 13 anos que estaria tudo bem. Não, isso não é para defender a fala abjeta do jornalista, mas para expor o duplo padrão hipócrita do Brasil.
Está claro que o nível da perseguição sofrida pelo jornalista é diretamente proporcional ao seu desapego ao esquerdismo radical, sendo ele o autor de um importante livro que desnuda os comunistas brasileiros com base em provas concretas obtidas em Moscou. Por isso mesmo cheguei até a brincar: Se eu fosse o Alexandre Garcia faria voto de silêncio e me comunicava só por linguagem de sinais…
Quando o ator José de Abreu, petista, foi pego em imagem cuspindo numa mulher, ele não foi afastado, mas sim convidado para o programa do Faustão para bancar a vítima e se justificar, durante vários minutos patéticos. Waack pediu desculpas, mas não importa: ele não é “um deles”, e por isso deve ser execrado.
Além dessa questão da hipocrisia, há o aspecto ainda mais importante da seletividade dos vazamentos, do assassinato de reputação e do moralismo implacável, ainda que maneta, das redes sociais. Carlos Andreazza, editor e colunista do Globo, comentou sobre o caso:
A fala de William Waack é degradante? Bem, eu não gostei de ouvi-la. Fiquei mesmo constrangido. Mas acho muito significativo – simbólico do tempo em que vivemos – que essa questão tome a frente no debate. Quero lembrar o seguinte: ainda que captada por câmeras, aquela era uma fala de natureza privada, feia ou feiíssima, dita jamais para ir ao ar.
Ou será isso mesmo – e que se dane: festejamos a queda de alguém (também porque rotulado não-esquerdista, ou isso não está presente no impulso comemorativo da turba?) ainda que sobre o sangue da exposição seletiva de privacidade (que amanhã pode ser do coleguinha progressista)?
É o caso de perguntar – pedindo responsabilidade, sobretudo ponderação, inclusive aos legitimamente ofendidos: quem de nós, virtuosas das redes sociais, resistiria ao juízo público sobre o que expressamos na intimidade?
Convém, antes de tudo, considerarmos o mundo patrulheiro, justiceiro, em que estamos investindo – esse é o assunto mais importante a decorrer do assassinato da reputação de um dos mais brilhantes jornalistas do Brasil.
Estamos vivendo em tempos estranhos, não resta dúvida. Nem mesmo Orwell imaginou um cenário tão assustador, ao menos para quem não reza a cartilha “progressista” politicamente correta. Nesse mundo de hoje, só resta uma saída “honrosa” para William Waack, conforme Flavio Morgenstern ironizou:

Seria cômico, não fosse real e trágico…

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