quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Por quantos ministérios se compra a Previdência?
Ora, hoje, na Câmara, não há 308 votos sinceros pela reforma. De maneira que a proposta só passa com votos fisiológicos 
Carlos Alberto Sardenberg - O Globo
A gente tem que admitir: além de atrapalhada, essa mistura de política, economia e mercados pode ser engraçada. Se não fosse lamentável. O PSDB é o partido das reformas, credencial obtida no primeiro governo FH. É verdade que parte da agremiação andou renegando as privatizações, por exemplo, mas, no essencial, e hoje, está como o partido das reformas. Pois quando o ministro do PSDB Bruno Araújo deixou o governo, a Bolsa subiu, e os mercados se animaram, entendendo que a saída favorecia a aprovação da reforma da Previdência. Ou, visto de outro lado, o PSDB estava atrapalhando, mesmo com Araújo dizendo que, na Câmara, votaria pelas reformas.
Quando a gente pensa que o PSDB já fez todas as bobagens, o pessoal do partido acaba arranjando outras. Mas o mais engraçado é que, no momento, o PSDB está mesmo atrapalhando, no sentido prático, digamos.
Muitas lideranças da base Temer — a turma do centrão fisiológico — andam dizendo que só votam o que sobrou da reforma da Previdência se ganharem alguns ministérios. E os postos que estão mais à mão são justamente os do PSDB, que tinha quatro ministérios e entregou apenas metade de seus votos na Câmara para salvar Temer.
Entre os deputados do centrão, certamente há muitos, alguns, vá lá, que acreditam na necessidade das reformas. Mas está claro que a maioria votou por dois motivos: um, obter mais vantagens do presidente Temer; outro, bloquear as investigações que, pegando o presidente, apanham muita gente em volta.
Ora, hoje, na Câmara, não há 308 votos sinceros pela reforma. De maneira que a proposta só passa com votos fisiológicos. E esse tipo de voto se compra. O Ministério das Cidades, aquele deixado por Bruno Araújo, vale ouro. Com orçamento gordo, de R$ 20 bilhões, administra o Minha Casa Minha Vida (MCMV), incluindo o novo Cartão Reforma, que é um dinheiro dado para famílias de mais baixa renda reformarem imóveis. Além disso, um ministério tem centenas de cargos para nomeação direta, sem contar os secundários.
Quantos votos pela reforma da Previdência vale uma carta dessa?
É esse tipo de conta que o presidente Temer e seu time da política estão anotando.
Dirão: realismo pragmático. O importante é que o cara vote, não interessando se é por consciência ou por negócio.
É também o que pensa o mercado. Vai até mais longe: o governo Temer tem corrupção? Passa projetos no balcão de negócios? Compra votos?
Sim, mas entrega as reformas ou ao menos parte delas? Se entregar, tal é o pragmatismo do mercado, está bom. É feio, não ajuda o saneamento das instituições, mas, segue o pragmatismo, pode-se deixar isso para mais tarde.
No mercado e em meios econômicos, esse pensamento é explícito. O comportamento não nega. O presidente escapa das denúncias, a Bolsa sobe. Quando ele diz que a reforma da Previdência está morrendo, o mercado desaba. E quando o presidente aproveita o susto do mercado para voltar à reforma e dizer que vai negociar os votos, a Bolsa sobe.
Eis como o PSDB, de partido das reformas, passou a atrapalhar. O presidente Temer precisa dos ministérios para comprar os votos do centrão. Até porque os votos dos deputados tucanos já estão garantidos.
Faz sentido, não faz? O PSDB diz que vota pela reforma com ou sem ministérios. O centrão, só com os ministérios. Logo...
É uma opção política que não tem nada a ver com persuasão e convencimento. É o que se tem por aí.
Quer dizer que está fácil?
Não, porque o presidente pode adquirir o voto de um deputado, mas não o dos eleitores desse deputado. Ou seja, se a reforma da Previdência não alcançar um bom apoio na sociedade, Temer poderá estar gastando ministério à toa.
De maneira que fica assim dividido: a equipe de Meirelles trata de convencer o país da necessidade de ajustar as contas públicas; a equipe política fica de arranjar os votos.
E o PSDB perde uma grande chance. Não pelos ministérios, mas porque o centro político — não o centrão, mas o liberal, pelo ajuste da economia, por um novo governo tipo FH — está inteiramente aberto. Com a polarização Lula x anti-Lula ou Lula x Bolsonaro, o centro pede um nome que assuma o programa que também está aí.
Mas com Aécio, a vacilação diante do combate à corrupção, as disputas internas diante desses temas, o partido atrapalha o país e a si mesmo.
Quem pode ocupar esse centro? O DEM? Meirelles até pode, se arranjar partidos e coligações. Huck? Mais difícil.
A ver.
Mas, por ora, estamos no balcão de negócios, de votos e papéis da Bolsa.

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