Queda das importações do país vizinho será o principal reflexo de qualquer decisão que o governo de Cristina Kirchner tomar até quarta
VEJA
Argentina pediu apoio ao Mercosul
(Reprodução)
Diante da atual fragilidade externa, o governo da Argentina deverá ser obrigado a fazer um superávit comercial (diferença entre exportações e importações) mais expressivo, o que tende a impactar nas importações brasileiras. É no que acredita José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). "Qualquer que seja a situação acertada nos próximos dias, a Argentina vai ter de segurar mais as importações."
Se houver o calote e consequentemente, a falta de liquidez com a dificuldade de acesso a crédito internacional, deve ocorrer a redução da capacidade de consumo do país vizinho. A Argentina importa 12% da produção automotiva nacional e renovou recentemente o acordo bilateral com o Brasil que define as regras para o comércio de veículos. Se não houver o calote, o problema argentino passa a ser o de arranjar recursos para quitar a dívida, o que vai acabar tendo influência novamente na capacidade de comprar produtos de outros países.
No primeiro semestre, as exportações da Argentina superaram as importações em apenas 3,684 bilhões de dólares, queda de 28% na comparação com o mesmo período de 2013. Assim como o Brasil, a Argentina é uma grande exportadora de produtos básicos, como soja e milho, que estão com preços em queda no cenário internacional. A única opção, então, seria reduzir a compra dos produtos de outros países. A Argentina é uma das principais compradoras de produtos manufaturados das empresas brasileiras.
Para o mercado financeiro internacional, uma economia dispõe de boa saúde financeira no comércio exterior quando as reservas são equivalentes a quatro meses de importação. Como a Argentina importou 73 bilhões de dólares no ano passado, ela teria de dispor de 24 bilhões de dólares. Porém, se o país tiver de pagar os credores que travam a batalha atual, as reservas financeiras recuarão para entre 8 bilhões e 10 bilhões de dólares, sem levar em conta novos pedidos de renegociação (dos credores que aceitaram reestruturar sua dívida anos atrás e querem rever os termos).
Recessão - A balança comercial brasileira já tem enfrentado problemas por causa da crise argentina. Os dados do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior mostram que a participação argentina nas vendas para o exterior corresponde a 6,71% (7,4 bilhões de dólares) do total no primeiro semestre, abaixo dos 8,15% (9,3 bilhões) de 2013. Atualmente, a Argentina é o terceiro país que mais importa do Brasil, seguida por Holanda, responsável por 6,25% das compras. "O Brasil está sendo afetado pela gestão macroeconômica da Argentina. As restrições que foram impostas para as nossas importações prejudicaram a indústria, em especial a automobilística", diz Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da consultoria Tendências.
Já a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) estima que as vendas para os argentinos deverão somar neste ano cerca de 50 milhões de dólares. Em 2013, foram exportados 120 milhões de dólares. Segundo Heitor Klein, presidente executivo da associação, está mais difícil receber o pagamento pela carga embarcada.
O setor de máquinas e equipamentos também deve ter um resultado pior nas vendas para a Argentina. Os números da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) mostram uma redução de 23% (de 882,6 milhões para 682,8 milhões de dólares) nas exportações para a Argentina entre janeiro e maio deste ano ante o mesmo período de 2013. "Se ocorre um agravamento da situação financeira do país, existe obviamente uma menor demanda por investimento", afirma Klaus Curt Müller, diretor de comércio exterior da Abimaq.
Negociações - O governo de Cristina Kirchner tentou diversas vezes sem sucesso suspender o pagamento de 1,33 bilhão de dólares aos chamados fundos abutres, como determinado pelo juiz americano Thomas Griesa em junho. A Argentina acusa os fundos credores de extorsão e diz que eles não quiseram sentar para renegociar as dívidas. Em entrevista ao site de VEJA, porém, o gestor Jay Newman, da NML, um dos fundos abutres envolvidos no processo, afirmou que vem tentando negociar com o governo argentino há mais de dez anos, porém, sem sucesso. Uma comitiva da Argentina se reúne nesta terça-feira em Nova York com o mediador Daniel Pollack, indicado pela justiça americana, para uma última rodada de negociações. Se não pagar todo o valor ou conseguir um surpreendente acordo de última hora com os fundos, o calote será decretado.
O Mercosul já saiu em defesa de seu país-membro às vésperas da data-limite. Em encontro com ministros do bloco, em Caracas, o chanceler argentino, Hector Timerman, apresentou a seus colegas um panorama da situação e repetiu que o governo não tem condições de aceitar a decisão judicial sob pena de desestruturar toda a renegociação da dívida, mas que pretende continuar pagando os demais credores. Mesmo que, a essa altura, o bloco possa apenas se manifestar politicamente, a Argentina pediu a demonstração de que não está sozinha na briga contra os abutres. Diplomatas do Mercosul estariam cogitando incluir no documento final de sua Cúpula uma menção de apoio à Argentina.
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