sábado, 3 de janeiro de 2015

Permitindo que o Google nos observe
A. C. Grayling - Prospect
Bancos e governos são empresas enormes com interesses particulares que nem sempre coincidem com os interesses dos indivíduos envolvidos com eles. Isso também é verdade sobre o Google e o Facebook. Mas as pessoas se queixam muito dos dois primeiros e relativamente pouco dos segundos.
Por quê? Considere o Google. Ele o observa; monitora os sites que você visita, não apenas para que possa lhe dirigir publicidade, mas para escolher o tipo de informação que ele acredita que você gostará, quando você procura informação. Isso é perturbador. Define um perfil seu. Ele está mantendo um registro de suas atividades online. Faz isso por motivos comerciais, sem malícia premeditada, certamente; mas está criando algo que nas mãos erradas poderia ser uma ferramenta maligna devastadora.
Se isso parece paranoia de teóricos da conspiração - ora, vivemos em uma era em que os temores paranoicos estão se tornando reais. Nossa vontade apressada de adotar as facilidades de comunicação, pesquisa e entretenimento disponibilizadas por nossos equipamentos eletrônicos nos desnuda diante de qualquer órgão público ou privado que deseje saber o que dizemos, o que pensamos, o que fazemos e queremos, com quem nos associamos, nossa localização, nossos movimentos, quanto gastamos e no quê, nossos amores e ódios, nossas vidas sexuais.
É como se as paredes e os tetos de nossas casas tivessem se transformado em vidro, nossos pensamentos fossem amplificados em um discurso audível, se nossas pegadas fossem brilhantes com cores individuais que rastreiam todos os nossos trajetos.
Será que, paradoxalmente, porque as atividades dos bancos e do governo são mais transparentes que as do Google e dos muitos outros órgãos - principalmente privados, não responsabilizáveis e pouco conhecidos - que nos observam no ciberespaço, onde hoje passamos tanto tempo, que nos queixamos deles e os criticamos?
É porque sabemos o que eles fazem que podemos saber do que não gostamos neles? É porque há remédio e recurso contra eles por suas falhas mais notáveis que podemos nos queixar deles - enquanto o que está por trás dos pequenos olhos vermelhos lá na escuridão do ciberespaço é opaco e incontestável, e por isso não nos queixamos?
A resposta é sim, pelo menos em parte. Atualmente há uma situação confusa e perturbadora referente aos riscos que a ciber-revolução representa para nossa privacidade e autonomia como indivíduos, e ao mesmo tempo as oportunidades que ela oferece para penetrar no sigilo de governos e outras agências.
Organizações como a Hacked Off, que faz campanhas contra invasões de privacidade pela imprensa, e a Logan Symposium, que reúne "hacktivistas", denunciantes e jornalistas investigativos, abordam, às vezes de maneiras concorrentes, os problemas e as possibilidades em jogo. Onde está o equilíbrio e onde a convergência de interesses?
Idealmente, queremos saber o que as grandes organizações pretendem, enquanto mantemos nossas vidas privadas; mas é claro que algumas grandes organizações estão preocupadas com o que algumas pessoas fazem em particular - fabricar bombas e planejar atrocidades, por exemplo - e, no interesse de todos, nos submetem a vigilância e invasão de privacidade. Em tempos de ameaça, talvez fosse sábio aceitar a necessidade disto, desde que seja adequadamente monitorado e tenha duração limitada ao tempo da ameaça em si.
É menos claro que a conveniência de que o Google nos informe sobre produtos e serviços que combinam com nosso perfil, como um exercício permanente e sem monitoramento, justifique sermos alvo de uma coleta de dados tão maciça, que poderiam ser vendidos ou invadidos por outras agências menos benignas.
Privacidade é coisa do passado. A ineficiência e a desconjunção de coleta e análise de dados na época pré-computador eram uma maravilhosa proteção das liberdades civis. A mera existência da capacidade de reunir e coletar informação sobre indivíduos na velocidade da luz não é motivo, é claro, para que isso deva ser feito - embora exista uma infeliz propensão das pessoas a pensar que se algo pode ser feito é razão suficiente para fazê-lo.
Poderíamos ter decidido construir essas novas tecnologias para que seu modo normal fosse ocultar, e não revelar, fatos sobre usuários individuais, que não interessam a ninguém. Não o fizemos, e conhecemos o resultado.
No entanto, quase não nos queixamos disso, reservando nossas críticas para os demônios que conhecemos. A moral da história é: vamos descobrir mais sobre as agências que nos vigiam; vamos exigir que sejam transparentes; e se encontrarmos motivo vamos nos queixar. 
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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