PT alimenta um falso conflito
O Estado de S.Paulo
Todo o debate suscitado pelas medidas de austeridade econômica e
fiscal reafirmadas, com o aval da presidente Dilma Rousseff, na
primeira reunião ministerial do segundo mandato realizada ontem em
Brasília, parece excluir qualquer possibilidade de conciliação entre
política econômica e fiscal eficaz e projetos sociais indispensáveis à
redução das desigualdades.
Para os petistas
inconformados com a decisão de Dilma de colocar nas mãos de uma equipe
econômica "ortodoxa" a responsabilidade de promover as correções de
estratégia política e de natureza fiscal que permitam a retomada do
crescimento econômico, Dilma Rousseff está traindo o compromisso
original do PT de combater as injustiças sociais. Ou seja: ou bem o
governo cumpre a lei e administra suas contas com seriedade ou bem o
governo cuida dos pobres. E quem defende a primeira hipótese está, é
claro, contra os pobres.
Os primeiros quatro anos de Dilma
foram uma tentativa claramente malograda de governar "à moda do PT",
tentando controlar a inflação com medidas artificiais como o arrocho das
tarifas públicas, abusando da contabilidade criativa para desfigurar as
contas públicas, bancando programas demagógicos como o dos "campeões
nacionais", do qual as desventuras de Eike Batista são a melhor
tradução. Fazendo tudo, enfim, para, na contramão dos fundamentos que
permitiram um bom desempenho econômico e social dos primeiros anos de
Lula, reinventar a roda e impor a "política do PT".
Mesmo
diante do retrocesso que os dados tornam indesmentíveis, os petistas
insistem em pedir mais do mesmo. E o fazem, basicamente, a partir de
duas motivações distintas: de um lado, os ideológicos, adeptos do
capitalismo de Estado, para os quais qualquer tentativa de controle dos
poderes dos governantes constitui afronta à defesa dos fracos e
oprimidos. De outro lado, a corrente amplamente majoritária dos
oportunistas obcecados pela ideia de perpetuar os privilégios de que
desfrutam há 12 anos como membros da nomenklatura lulopetista. Para
estes, a questão é simples: entre o discurso da austeridade e o dos
projetos sociais, qual é o que dá voto?
Enxergar um
conflito inconciliável entre a ortodoxia no controle das contas públicas
e a promoção do desenvolvimento social é, na verdade, uma tendência,
resquício da "guerra fria" do século 20, que continua dividindo o
pensamento universal em duas correntes: os "ortodoxos", ou
"neoliberais", de um lado, e os "desenvolvimentistas", de outro.
Essa
questão é central na mais recente e elogiada obra do economista francês
Thomas Piketty, O capital no século XXI, baseada em ampla pesquisa
sobre desigualdade e distribuição de renda. Crítico da inflexibilidade
do "determinismo econômico", principalmente quando se trata de questões
relacionadas ao tema do livro, o autor tampouco preconiza a intervenção
estatal na economia como solução para todos os males da desigualdade.
Piketty
entende que "a dinâmica da distribuição de renda revela uma engrenagem
poderosa que ora tende para a convergência, ora para a divergência", e
que as principais forças convergentes, aquelas que tendem a reduzir a
desigualdade, "são os processos de difusão do conhecimento e
investimento na qualificação e na formação da mão de obra". Estes são,
insiste o autor, os principais instrumentos "para aumentar a
produtividade e ao mesmo tempo diminuir a desigualdade".
Para
o economista francês a economia está longe de ser uma ciência exata e
deveria ser considerada "subdisciplina das ciências sociais". Por outro
lado, os sociólogos, historiadores, antropólogos, cientistas políticos e
tantos outros cientistas sociais deveriam dar maior atenção aos estudos
econômicos e "parar de fugir em pânico no momento em que um número
aparecesse".
E o livro termina com uma reflexão que espelha
o conflito alimentado principalmente por quem acha que austeridade é
coisa de inimigo dos pobres: "Aqueles que possuem muito nunca se
esquecem de defender seus interesses. Recusar-se a fazer contas
raramente traz benefícios aos mais pobres".
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