sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

PROTECIONISMO

Protecionismo ganha toda a América do Sul
Nicolas Bourcier - Le Monde  
Seguindo a Argentina e o Brasil, os países aumentam cada vez mais os direitos aduaneiros para pressionar os industriais a produzir localmente
Em plena crise de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva soltou na abertura do Fórum Econômico Mundial latino-americano uma dessas frases de que ele possuía o segredo: "O protecionismo age como uma droga, oferece um alívio imediato mas depois coloca sua vítima em uma depressão prolongada". Dois anos e meio depois, a advertência formulada pelo ex-chefe de Estado brasileiro parece vazia.
Há vários meses os governos da América do Sul multiplicam as tentativas de desacelerar a enxurrada de importações. Confrontados com a crise financeira e com um afluxo de produtos de baixo preço, alguns países chegaram a acelerar nas últimas semanas a implementação de novas tarifas aduaneiras, a fim de, segundo eles, proteger o emprego e a produção locais. Uma tendência de fundo cada vez mais visível e denunciada pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que teme um contágio protecionista no seio dos mercados emergentes, podendo reduzir um crescimento já bastante fraco.
O último exemplo é a decisão dos países do Mercosul, reunidos em Montevidéu em 20 e 21 de dezembro passados, de aumentar temporariamente suas taxas de importação. A união aduaneira do cone sul-americano, fundada em 1991 e que reúne quatro países fundadores (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e seis membros associados (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela), afirmou querer compensar "os desequilíbrios comerciais provocados pela conjuntura econômica internacional". Na realidade, essas novas taxas envolvem cerca de 140 produtos provenientes do exterior da zona comercial e poderão atingir 35%, o máximo autorizado pela OMC.
Na primeira linha, a Argentina e o Brasil, muito contrários à política monetária dos EUA e da China. Para Guido Mantega, o ministro brasileiro da Fazenda, essas medidas se destinam a construir "uma melhor união" para se defender contra "as invasões de produtos provenientes do exterior". Com uma moeda nacional desmedidamente valorizada contra o dólar e o yuan, e importações ainda mais numerosas porque a demanda atual dos EUA e da Europa é fraca, o Brasil se encontra "em estado de sítio", acrescentou o homem-forte do governo de Dilma Rousseff. Uma crítica em voga nas principais capitais do subcontinente.
Os altos preços dos bens de consumo reforçaram as moedas sul-americanas em um nível histórico, para felicidade de uma classe média cada vez mais numerosa. Ao mesmo tempo, os atores tradicionais dos setores automobilístico, têxtil, eletrônico e dos diferentes ramos industriais que são importantes provedores de mão-de-obra acabaram por denunciar uma concorrência desleal devido às taxas de câmbio desfavoráveis. Confrontados com o aumento desordenado das importações chinesas de baixo preço, que prejudicam vários setores industriais sul-americanos, os dirigentes locais não puderam, como explica John Price da revista "Latin Trade", ignorar por mais tempo esse vento de contestação.
Em janeiro de 2011 a Argentina abriu as hostilidades. Depois de meses de hesitações, o governo de Cristina Kirchner anunciou que 600 empresas estrangeiras seriam submetidas a licenças de importação, procedimento destinado a desacelerar e limitar a entrada de seus produtos no território. Essa medida protecionista afetou setores tão variados quanto o automobilístico, de eletrodomésticos ou de livros. Ela provocou uma escassez de vários produtos e a estocagem nos armazéns da capital de bens de importação não autorizados. De outro lado, lembram as autoridades, essas restrições levaram a empresa de telefonia canadense RIM (BlackBerry) a abrir uma fábrica de montagem no sul do país, onde o custo da mão-de-obra é dez vezes maior que o praticado na China. Uma solução iniciada alguns meses antes pelos fabricantes Motorola, Nokia e Samsung.
Durante o verão de 2011, a Argentina e o Brasil aumentaram separadamente seus controles nas fronteiras e reforçaram as medidas monetárias antidumping. Na mesma veia, Brasília implementou restrições sobre as importações têxteis.
Outra reação forte foi a decisão tomada por Rousseff de impor à frente da gigante de mineração Vale um novo patrão, Murilo Ferreira, para que leve mais em conta "o interesse nacional do país", sendo seu antecessor, Roger Agnelli, considerado próximo demais dos mercados.
Mas a medida protecionista mais espetacular caiu em setembro, quando Brasília anunciou um aumento de 30% dos impostos sobre os veículos importados que não viessem pelo menos 65% do país ou do Mercosul.
Vivamente criticada pelas montadoras asiáticas, essa iniciativa visava contrabalançar a "invasão" de carros estrangeiros, justificou o ministro Mantega. De janeiro a agosto, lembraram então as autoridades, as vendas de veículos importados aumentaram 35% em relação ao mesmo período de 2010, enquanto os de produção nacional não avançaram mais que 2,2%.
"Agimos dentro do quadro estrito autorizado pela OMC", salienta para o "Monde" Tatiana prazeres, secretária de Estado de Comércio Exterior brasileiro. Segundo ela, os aumentos decididos pelo grupo Mercosul são apenas "uma reação provisória diante da degradação do mercado, exatamente para evitar um contágio da crise". Outra via contemplada pelo gigante sul-americano: um imposto calculado sobre a base da depreciação da moeda do país de origem, uma referência implícita ao yuan. E também um modo acrescentar ao protecionismo comercial um protecionismo financeiro.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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