Membro do Rússia Unida assume uma posição pública contra o partido de Vladimir Putin
Michael Schwirtz - NYT
Vladimir Putin discursa durante congresso do partido Rússia Unida em Moscou
À primeira vista, Sergei N. Filippov parece um provocador político improvável.
Um verdadeiro “insider”, ele é presidente-executivo de uma afiliada regional da gigante estatal de energia, a Gazprom, aqui nesta cidade ancestral. E ele é um membro local influente do partido do governo russo, o Rússia Unida.
Mas lá estava ele na mais recente sessão do Legislativo da Região de Vladimir na semana passada, interrompendo os debates marcados sobre prevenção de incêndios florestais e imposto sobre os transportes, para fazer um apelo aos demais membros do partido: reconheçam e reparem a fraude que muitas pessoas acreditam ter sido cometida pelo Rússia Unida nas recentes eleições parlamentares.
“Essas violações devem ser documentadas”, disse Filippov, que trabalhou no governo regional por cerca de 15 anos. “Nós não podemos nos silenciar a respeito disso. Nós estaremos prestando um desserviço se deixarmos de nos manifestar hoje.”
O Kremlin foi sacudido nas últimas semanas por um despertar repentino e inesperado da vida política na Rússia, à medida que a classe média, enfurecida pelos resultados eleitorais, por duas vezes neste mês realizou imensos protestos em Moscou contra o Rússia Unida e seu líder, Vladimir V. Putin. Na terça-feira, Vladislav Y. Surkov, uma autoridade do Kremlin e considerado o arquiteto do sistema político centralizado que tem enfurecido os manifestantes, foi transferido para um cargo diferente, no que pareceu ser um sinal de que Putin está levando a ameaça a sério.
Mas para o Rússia Unida e Putin, que têm desdenhado a acusação de fraude e menosprezado os manifestantes, Filippov representa outra ameaça, talvez mais séria. Filippov é apenas um dentre várias autoridades que romperam publicamente com a liderança política do partido nas últimas semanas, sugerindo atritos internos e minando ainda mais a credibilidade já manchada do partido, mais do que qualquer manifestante poderia.
“Isto é provavelmente o que o Rússia Unida mais teme: alguém de dentro começando a falar”, disse uma autoridade do governo da Região de Vladimir, que não quis ser identificado falando a respeito do partido. “Eles não entendem que o silêncio os está prejudicando. Se ninguém é culpado, então por que permanecer em silêncio? A pergunta responde a si mesma.”
Seja por consciência ou um desejo de reduzir a revolta dos eleitores locais, esses dissidentes abriram uma nova frente contra o partido, enquanto realiza manobras para enfrentar uma verdadeira contestação de sua autoridade em uma década.
“Eu acho que o partido precisa ser revivido, e não apenas por isso já estar acontecendo”, disse Olga V. Kryshtanovskaya, uma acadêmica e membro do Rússia Unida. “O partido precisa ser limpo da corrupção.”
Kryshtanovskaya e vários colegas criaram um grupo no Facebook chamado “Rússia Unida por Eleições Livres”, usando o logo do Rússia Unida com uma fita branca, o símbolo do movimento de protesto. Mais de 250 pessoas se juntaram ao grupo, apesar de não se saber ao certo quantos são membros de fato do Rússia Unida.
Vladimir V. Semago, um membro do conselho de governo do diretório de Moscou do Rússia Unida, escreveu um artigo de opinião no “Novaya Gazeta”, um jornal de oposição, na semana passada, elogiando os recentes protestos em uma tentativa aparente de penitência.
“Eu fiz muitas coisas na minha vida política das quais tenho vergonha”, escreveu Semago. “Mas não tenho coragem de aparecer diante das pessoas que agora estão cumprindo seu dever cívico, olhá-las nos olhos e lhes dizer que nossas cadeiras no Parlamento são mais importantes do que seus protestos.”
Alguns, incluindo Semago, até mesmo participaram dos recentes protestos.
Filippov talvez tenha se tornado o mais conhecido desses dissidentes, graças a um vídeo de poucos minutos que o mostra condenando outros legisladores do Rússia Unida neste mês, por não investigarem as violações.
“Nós estamos sentados aqui como avestruzes com nossas cabeças enterradas na areia”, ele diz no vídeo, feito em uma reunião do comitê orçamentário. “As pessoas estão ultrajadas e nós estamos apenas sentados aqui em silêncio. Isso é um tapa na cara de todos os eleitores da Região de Vladimir.”
Filippov claramente não tinha intenção de que o vídeo fosse divulgado. Um funcionário de uma emissora de TV local foi acusado de pegar as imagens e carregá-las no YouTube, onde foi pega por agências de notícias nacionais.
Mas ele não recuou de seus esforços. Ele se juntou a 11 legisladores de oposição locais na assinatura de um apelo aos colegas, apontando o que as autoridades acreditam ser as violações mais significativas na Região de Vladimir, uma região relativamente próspera de cerca de 1,5 milhão de habitantes, a poucas horas de carro de Moscou.
A adição de cédulas e votação repetida para o Rússia Unida, como foram documentadas por todo o país, foram grandes na região, dizia o apelo.
Além disso, as autoridades regionais criaram inesperadamente 59 locais de votação adicionais, quatro dias antes das eleições. A maioria era em fábricas, escritórios e universidades, onde o domingo da eleição foi declarado dia normal de trabalho. Observadores foram impedidos de monitorar muitos desses locais de votação, dizia a declaração, e em muitos deles o Rússia Unida recebeu mais de 90% dos votos.
Em algumas cidades da região, o número de eleitores ultrapassou o número de moradores.
“Não existe ninguém que possa dizer que essas eleições foram honestas”, dizia o apelo.
Mesmo tamanha falsificação foi incapaz de salvar o partido, que oficialmente ficou com 38% dos votos na Região de Vladimir, um dos piores resultados no país.
A pressão dos líderes do Rússia Unida sobre Filippov para não falar mais sobre o assunto tem sido enorme, disseram legisladores da oposição. Após convidar um repórter do “The New York Times” a uma recente sessão legislativa, ele desistiu de uma entrevista prometida sem explicação.
Mas ele pediu durante a sessão para que seus companheiros do Rússia Unida iniciassem uma investigação das violações apontadas no apelo.
O Legislativo, no qual os deputados do Rússia Unida contam com mais de dois terços das cadeiras, se recusou a submeter o apelo à discussão.
A profundidade do desacordo dentro do Rússia Unida não é clara. Certamente não há sinal de que os membros em breve abandonarão o partido em grande número.
“Na mente de muitos membros do partido há caos, uma espécie de dissonância criativa”, disse Sergei A. Markov, um analista político com ligações com o Kremlin e um ex-parlamentar pelo Rússia Unida. “Eu acho que a maioria simplesmente quer aguardar que isso passe.”
Ao ser perguntado após a sessão em Vladimir se achava que outros acabariam seguindo o exemplo de Filippov, Alexandr M. Sinyagin, um legislador do Partido Comunista, disse que alguns no Rússia Unida contam com “apoio moral” para um relato claro do que aconteceu durante as eleições.
“Um ou dois sempre virão ao meu gabinete para dizer: ‘Alexandr Mikhailovich, me perdoe, mas fui forçado a votar desse modo, apesar de você estar absolutamente certo’”, ele disse. “Eu fico muito feliz por pelo menos Filippov ter tido honestidade e coragem. Isso foi certamente inesperado e agradável.”
Tradução: George El Khouri Andolfato
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