terça-feira, 4 de outubro de 2011

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (1902-1987)




Amar
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?


Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?



Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é a entrega ou adoração expectante,

e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e rua vista em sonho, e uma ave de rapina.



Este o nosso destino: amor sem conta,

distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.


Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, o beijo tácito, e a sede infinita.



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