A questão do lazer dos juízes
O Estado de S.Paulo - Editorial
Dois meses depois de ter criticado entidades de juízes que pedem colaboração financeira a empresas estatais e privadas para custear eventos esportivos da magistratura em cidades serranas ou em praias badaladas, a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, apresentou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma proposta para regulamentar a participação de integrantes do Poder Judiciário em eventos patrocinados, como cursos de especialização, seminários, encontros acadêmicos, almoços e jantares de confraternizações, homenagens e competições esportivas.
Entre outras restrições, a minuta propõe que os juízes sejam proibidos de usar transporte ou hospedagem pagos ou subsidiados - mesmo que indiretamente - por pessoas físicas e empresas. E que os tribunais sejam obrigados a controlar de forma mais rigorosa as atividades extrajurisdicionais organizadas por seus membros. A ministra Eliana Calmon lembrou aos dirigentes de todas as instâncias e braços especializados do Judiciário que essas atividades estão submetidas aos princípios da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência consagrados pela Constituição de 88. Por isso, disse ela, o conteúdo, a carga horária, os custos dos eventos e a origem do dinheiro que os custearão devem ser "expostos de forma prévia e transparente".
Pelas regras propostas, a realização de eventos fica condicionada à prévia autorização dos tribunais e a documentação tem de ficar arquivada para eventuais fiscalizações do órgão encarregado de promover o controle externo do Judiciário. Só haverá exceções no caso de eventos promovidos por instituições de ensino nas quais o magistrado seja professor ou em atividades de conteúdo educacional, em que eles sejam palestrantes, conferencistas ou participantes de programas de intercâmbio.
Na exposição de motivos a ministra lembra que a magistratura está proibida de receber favores, auxílios ou contribuições de pessoas e entidades públicas e privadas, uma vez que elas podem vir a ser parte em ações judiciais que terão de ser julgadas por juízes. E também recomenda aos juízes que mantenham "conduta irrepreensível na vida pública e particular". A afirmação é a resposta da ministra Eliana Calmon às críticas que sofreu há alguns meses por parte de dirigentes de entidades de juízes federais e de juízes trabalhistas. Eles alegaram que, como suas entidades de classe são associações privadas, não poderiam ser fiscalizadas pela Corregedoria Nacional de Justiça ou sofrer sanções administrativas do CNJ. Para Eliana Calmon, o problema não é apenas jurídico - é, também, ético e moral.
O que levou a corregedora a defender a regulamentação da participação da magistratura em eventos patrocinados foram três iniciativas polêmicas da corporação. Uma delas, já antiga, é a realização de um encontro anual de juízes num resort situado no litoral baiano, com as despesas pagas por instituições financeiras.
A segunda iniciativa foi um acordo promovido por uma entidade de juízes federais com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), para a realização de um torneio. Pelo acordo, a entidade cederia o campo onde treina a seleção brasileira, em Teresópolis, e arcaria com as despesas de hospedagem de magistrados e familiares. Como o presidente da CBF está sendo acusado de enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro e poderá ser réu em ações penais, a Corregedoria Nacional de Justiça proibiu o torneio.
A terceira iniciativa foi um evento esportivo realizado no final de outubro em resorts de Porto de Galinhas, no litoral pernambucano, com torneios de dominó e pingue-pongue, num total de 11 modalidades. Participaram 320 magistrados trabalhistas - com seus familiares - e o evento foi patrocinado pelo Banco do Brasil, a AmBev, Oi e Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf).
A proposta da ministra Eliana Calmon somente será colocada em votação no plenário do Conselho Nacional de Justiça na primeira reunião do colegiado em 2012 - após as férias de verão.
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