Os três pilares da ordem...
RUSSEL KIRK
MSM
Parte II
“O primeiro Whig foi o Diabo.” Uma boa parte das pessoas conhece pouco mais da política de Samuel Johnson do que sua sagacidade, o que sugere, de fato, a ênfase de Johnson em ordenação e subordinação. Mas Johnson era um importante pensador político, ainda que não fosse um metafísico abstrato em política.
Não dá certo olhar para Johnson através dos óculos da “interpretação Whig da história” ou com base em comentários superficiais em livros-texto de literatura que resultam da ignorância das doutrinas e do tempo de Johnson. O Johnson político era um razoável, moderado e generoso campeão da ordem, pronto para sustentar autoridade justa, mas que suspeitava de poder sem controle. Se alguém analisa seu panfleto Tory “Taxation No Tyranny”, descobrirá que Johnson estava se referindo à definição amplamente aceita e ainda válida da palavra “soberania” como um termo político – não advogando o absolutismo.
Corre pelos trabalhos de Johnson uma forte veia de desilusão e dúvida acerca dos poderes humanos, um senso da vaidade dos desejos humanos. Isso é parte e parcela do dogmatismo cristão que governou a vida de Johnson. Certamente isso moldou suas convicções políticas. Dr. Raymond English fala sobre “o relativamente brutal sentido cético do espírito Tory de Johnson. A mim me parece que Johnson é semelhante a Dean Inge [1] em virtude de ele combinar uma fé cristã profundamente mística com um sólido pessimismo acerca da política prática. Possivelmente alguém poderia comparar ambos a Santo Agostinho, para quem a queda do homem transformou a lei natural em uma base algo inadequada para a autoridade política. De forma um pouco diferente, Fitzjames Stephen [2] trata de um tema semelhante.”
Nem Burke, nem Johnson gostariam de ser referidos como “filósofos políticos”. Talvez Johnson, em seu aspecto político, seria melhor descrito como “estatista” – palavra que possui um caráter neutro no Dicionário de Johnson. O que Ross Hoffman falou sobre Burke é ainda mais verdadeiro para Johnson: “Ele retirou seus princípios básicos de política da ‘Authorized Version’ [3] e do ‘Livro de Oração Comum’ [4].” Granville Hicks uma vez escreveu sobre Robert Louis Stevenson: “O Tory sempre insistiu que, se os homens poderiam cultivar virtudes individuais, problemas sociais acabariam por si mesmos.” Isso é, em essência, verdadeiro sobre a visão de Johnson acerca da natureza e da sociedade humanas; entretanto, Johnson não ignorava o papel das instituições em uma ordem social tolerável. Longe de ser um absolutista, ele lutou pelo Estado de Direito no governo, a libido dominandi controlada pelo costume e pela doutrina cristã.
“Os Whigs viverão e morrerão na heresia de que o mundo é governado por pequenos tratados e panfletos”, Walter Scott [5] escreveu certa feita – Scott, que se manteve diretamente na linha de Johnson. Nessa heresia, Samuel Johnson não caiu. Sua política não vinha de tratados dos séculos XVI, XVII ou XVIII, mas da experiência do mundo, da leitura conspícua dos politicamente sábios através dos séculos e daquilo que Eliot chamou de “a idéia de uma sociedade cristã”, com seus conceitos de ordenação e subordinação, caridade e justiça, amor divino, e falibilidade mortal.
Magnatas Whigs e “patriotas” demagógicos, Johnson estava convencido, queriam sublevar o equilíbrio de ordens e poderes que era a Inglaterra oitocentista – um argumento depois aprimorado por Disraeli [6] no prefácio de “Sybil”. Para Johnson, o Diabo foi o primeiro Whig porque os Whigs apoiaram a insubordinação e a inovação; Burke era um “Whig sem limites”, no epíteto de Johnson, porque os Whigs não se atinham a nenhum princípio de ordem social bem definido, mas viviam de conveniência e improviso. Tais acusações sobre os Whigs, apesar disso, freqüentemente extraída de Boswell [7] nos momentos mais irritadiços e imprevisíveis de Johnson, não correspondiam às reflexões mais profundas de Johnson. A pedido de Boswell, em 1781, Johnson escreveu sobre as diferenças entre Whig e Tory:
Um Tory sábio e um Whig sábio, acredito, concordarão. Seus princípios são os mesmos, mas suas maneiras de pensar são distintas. Um grande Tory torna o governo ininteligível; ele se perde nas nuvens. Um violento Whig o torna impraticável; ele permite tantas liberdades a todo homem, que não resta poder suficiente para governar qualquer homem. Um Tory não deseja conceder mais poder real ao Governo; mas esse Governo deve ter mais reverência. Assim eles também diferem sobre a Igreja. O Tory não deseja conceder mais poder legal ao Clero, mas deseja que eles tenham uma influência considerável, fundada na opinião do homem; o Whig quer limitá-lo e vigiá-lo com estreito ciúme.
Como Leslie Stephen [8] escreveu, “os Whigs possuíam uma suspeita invencível sobre o clero.” Johnson não era tão desconfiado.
Pode ser compreendido que os princípios básicos de um Tory como Johnson e de um Whig como Burke eram quase idênticos. Para ambos, a nova política da era que surgia, fossem as noções de Rousseau ou Bentham, eram repugnantes. Tanto Johnson quanto Burke reconheciam uma ordem moral transcendente, subscreveram a sabedoria da espécie, eram ligados a costume e precedente, sustentavam a idéia de uma magistratura cristã, e aderiram aos conceitos veneráveis de caridade cristã e comunidade. A estreita teoria contratual de Locke, o ceticismo de Hume, a tendência individualista dos escritos de Smith – essas eram inimigas tanto para a doutrina Tory de Johnson quanto para a doutrina Whig de Burke.
Quando, no fim de sua carreira, Burke refutou a reprimenda sardônica de Goldsmith [9] oferecendo à humanidade o que ele uma vez jurou ao partido, os princípios do Velho Whig eram quase indistinguíveis daqueles de seu amigo Johnson, que morreu antes do Cataclismo de 1789. “Eu posso viver muito bem com Burke”, disse Johnson; “Eu amo seu conhecimento, sua prolixidade, e sua fluência de conversação.” Ou, em outra ocasião: “Sim, senhor, se um homem corresse ao mesmo tempo em que Burke a um abrigo para fugir da chuva, ele diria – ‘nós tivemos um homem extraordinário por aqui.’”
Era o contrário com Johnson e Smith. Walter Scott, em uma carta escrita para John Wilson Croker [10] em 1829, lembra-se do registro de alguém sobre um encontro entre Johnson e Smith em Glasgow – ou melhor, o registro dele que foi extraído não muito tempo depois de Adam Smith:
Smith, obviamente muito descomposto, aproximou-se de um grupo que estava jogando cartas. A aparência do Doutor suspendeu a diversão, pois, como sabiam que ele encontrar-se-ia com Johnson naquela noite, todos estavam curiosos para saber o que se passara. Adam Smith, cujos nervos pareciam desarranjados, respondeu de pronto: “Ele é um grosseiro! Ele é um grosseiro!”; após um exame mais minucioso, parecia que o Dr. Johnson, tão logo viu Smith, apresentou-lhe uma acusação contra por algo em sua famosa carta acerca da morte de Hume. Smith disse que ele sustentou a verdade de sua afirmação. “E o que o Doutor disse?”, foi a pergunta geral.
“Ora, ele disse – ele disse –”, disse Smith, com uma profunda impressão de ressentimento, “ele disse – Você mente!” “E o que respondeste?” “Eu disse, ‘Você é um filho da puta!’” E em tais termos os dois grandes moralistas se encontraram e partiram e esse foi o clássico diálogo entre eles.
Birkbeck Hill [11] duvida da veracidade desse incidente; apesar disso, ele representa muito bem o grau de estima que ambos os filósofos morais nutriam um pelo outro. Trataremos sobre as razões dessa animosidade quando falarmos sobre o professor escocês.
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